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- 15 de outubro de 2013
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Marxismo e Missão Integral
“Pergunte ao Ari” é a seção da revista Ultimato em que o pastor e teólogo Ariovaldo Ramos responde perguntas dos leitores sobre temas relacionados à Missão Integral. Republicamos abaixo a pergunta de Phelipe Reis, de Paritins (AM), e a resposta do pastor Ariovaldo. Ambas foram publicadas na edição atual de Ultimato (setembro-outubro). No final, você poderá também ver o vídeo com a resposta completa de Ariovaldo Ramos.
“Desde que ouvi falar de missão integral em 2007, enquanto fazia uma escola da JOCUM, fiquei interessado e comecei a pesquisar sobre o tema. Adquiri alguns livros, baixei artigos da internet, assinei Ultimato, enfim, quis saber quem falava e o que falavam sobre missão integral. Em meio a muitas leituras e questionamentos, não sei se estou sendo tolo, mas a minha pergunta é: a teologia da missão integral dialoga com o marxismo ou mesmo se apropria de alguns pressupostos marxistas? Se sim, como articular cosmovisões contrárias uma à outra?”
Phelipe Reis, Parintins, AM
Phelipe, nós vivemos em um mundo profundamente influenciado pelo marxismo. Sendo assim, é impossível dialogar com o mundo sem dialogar com o marxismo. O marxismo mudou a face do Ocidente por, pelo menos, setenta anos. Estabeleceu-se como fato histórico, vimos surgir blocos socialistas em todo o mundo. A grita do marxismo era que o capitalismo estava na contramão do que produziria felicidade humana e que era preciso chegar a uma nova fase na história da humanidade, fase que eles chamaram de comunismo. Segundo Marx, este seria o sucedâneo natural do capitalismo. As experiências revolucionárias marxistas não comprovaram a tese, porque as grandes nações que se tornaram socialistas do ponto de vista marxista-leninista deram um salto -- ou tentaram fazê-lo -- do feudalismo para o comunismo. Nenhuma delas havia passado pelo capitalismo propriamente dito. Porém, estão aí, fizeram história, milhares de escritos, de reflexão por todo o mundo, em todas as línguas. Dessa forma, é impossível falar ao mundo sem dialogar com os que também tentam interpretar e até mesmo transformar o mundo. Neste sentido, a teologia da missão integral dialoga com o marxismo, assim como dialoga com “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith -- com o capitalismo --, porque nós estamos tentando responder à grande pergunta humana: “Qual é o sentido da vida, para o que nós existimos, de onde viemos, para onde vamos e como devemos viver?”. Então, nós dialogamos com todo mundo, inclusive com outras confissões de fé. Nós estamos lutando pela humanidade como todo mundo.
Agora, se o que você está perguntando é se a teologia da missão integral lança mão do referencial teórico-marxista, a resposta é não. Considera as análises marxistas, entende a validade de muitas de suas análises -- principalmente em relação à questão da mais valia, a questão da natureza do capitalismo etc. --, mas não lança mão do referencial teórico, pois a missão integral se estriba na recuperação de dois conceitos. O primeiro é o conceito de justiça no profetismo hebraico. No profetismo hebreu tem-se a noção de justiça, ela aparece nos grandes profetas, os quais dizem, como Amós, que a justiça deve correr como um rio que nunca seca. Todos os profetas hebreus levantaram a questão da justiça e são eles que introduzem essa noção da justiça como um critério transcendente: justiça não é mais uma relação de poder entre fracos e fortes, entre vencedores e vencidos, mas uma demanda de Deus. Ele exige justiça, que os pobres sejam tratados com decência, que não haja pobreza, que haja libertação econômica, social e política. A justiça nasce no coração de Deus e é introduzida na história humana pelos profetas hebreus, como um dado “transcendente” e não como uma conclusão imanente, ou seja, não foram os seres humanos -- pensando sobre si, sobre a história, sobre a sociedade -- que chegaram, pura e simplesmente, à noção de igualdade, de justiça, de que não pode haver pobres etc. A visão trazida pelos profetas é que há uma demanda da parte de Deus por igualdade entre os homens, por dignidade para todos os homens, pelo fim da pobreza, pelo respeito ao diferente, pelo abrigo ao estrangeiro, pela noção de direito humano. Isso vem diretamente de Deus e está espalhado por todo o Antigo Testamento, desde a Lei de Moisés, reforçada pelo profetismo hebraico, que, na verdade, é um trabalho de recuperação do espírito da Lei de Moisés, que clama por justiça. Esse é o primeiro referencial da missão integral. Vê-se isso nos escritos de René Padilla, de Samuel Escobar e de Orlando Costas.
O outro referencial da teologia da missão integral é a recuperação da noção do reino de Deus e sua justiça, a ideia de que o reino de Deus é um outro sistema que se opõe ao sistema vigente, que se opõe ao sistema capitalista ou mesmo ao sistema soviético. É um outro sistema que vem não para estar ao lado dos sistemas em pauta, mas para substituí-los, para erradicá-los. Isso aparece no profeta Daniel, quando, respondendo ao sonho de Nabucodonosor, ele fala sobre a pedra que é lançada por mãos não humanas contra a estátua. A estátua, no sonho de Nabucodonosor, sintetiza todas as tentativas humanas de resolver o problema humano sem considerar a hipótese de Deus ou sem considerar a revelação de Deus. A estátua trata-se de tudo o que os homens tentaram, em todos os níveis -- o feudalismo, o capitalismo, o comunismo --, está tudo lá na estátua. A pedra é o reino de Deus, ela derruba a estátua, triturando-a desfazendo todos os seus componentes até transformá-la em pó, que é varrido pelo vento de modo que da estátua não fica nem lembrança, e a pedra cresce, alarga-se e toma toda a terra, ou seja, uma nova realidade assume o controle da história e essa nova realidade é o reino de Deus.
A teologia da missão integral recupera essa noção de reino de Deus que aparece com força total no Novo Testamento, a partir da pregação de João Batista, e é referendada e ratificada pela pregação de Jesus de Nazaré: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus. Nos quatro evangelhos vê-se que os fariseus, os saduceus, os mestres da lei, que viviam inquirindo Jesus, fizeram perguntas de todo tipo, mas nenhum deles perguntou o que era o reino dos céus. Todos eles sabiam do quê João e Jesus estavam falando, eles sabiam o que era o reino dos céus: a chegada da realidade definitiva, aquela que se imporá à história, que conquistará a história, que estabelecerá a história na história e dará o tom à história. É isso que a teologia da missão integral recupera: a noção do reino de Deus como um sistema que engloba tudo o que afeta o homem e tudo o que o homem afeta. Reúne, portanto, as questões social, política, econômica, ética, moral, educacional, trabalhista e jurídica, porque tudo isso afeta o homem e é afetado pelo homem. Por isso, é um sistema só e esse sistema precisa ter um novo princípio vetor, que, segundo as Escrituras, é o reino de Deus. Assim, o reino de Deus é um novo sistema onde só a vontade de Deus é feita. É um sistema econômico, político, social, moral, ético, educacional. Está tudo contido no reino de Deus.
A teologia da missão integral não tem a pretensão de implantar o reino de Deus, mas de sinalizar que o reino de Deus já está presente e trabalha para que a igreja seja uma mostra do mundo vindouro, “as primícias” do reino de Deus, como Paulo nos advertiu. Sendo assim, a partir da igreja os paradigmas do reino dos céus devem ser vividos; e aí a igreja, como uma das protagonistas da história, precisa ser proativa e sinalizar a presença do reino por meio de todas as possibilidades, influenciar o mundo com os padrões do reino, de tal maneira que, guardadas as devidas proporções, o mundo se torne o mais parecido possível com o reino vindouro. E isso significará a chegada da paz, da igualdade, do direito, da responsabilidade moral e o estabelecimento de uma sociedade sem classes, justa, igualitária, solidária. Essa é a pregação da teologia da missão integral.
Você pode dizer que, aqui ou ali, nós esbarraremos em conceitos marxistas, mas eu preciso lembrar-lhe de que Marx veio depois da igreja primitiva, depois de Jesus. Não somos nós que buscamos conceitos em Marx, foi Marx que buscou os conceitos dele na tradição judaico-cristã e tentou criar um projeto de uma vida -- semelhante à que a igreja primitiva viveu -- sem a necessidade da hipótese de Deus.
Nós não trabalhamos com o referencial marxista porque o nosso referencial é anterior -- embora, aqui e ali, tenhamos intersecções com os marxistas, pois, como disse Karl Jaspers, nenhuma filosofia do Ocidente foi desenvolvida sem que a Bíblia fosse o pano de fundo. E nem Karl Marx escapou disso.
Ariovaldo Ramos responde (em vídeo):
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“Desde que ouvi falar de missão integral em 2007, enquanto fazia uma escola da JOCUM, fiquei interessado e comecei a pesquisar sobre o tema. Adquiri alguns livros, baixei artigos da internet, assinei Ultimato, enfim, quis saber quem falava e o que falavam sobre missão integral. Em meio a muitas leituras e questionamentos, não sei se estou sendo tolo, mas a minha pergunta é: a teologia da missão integral dialoga com o marxismo ou mesmo se apropria de alguns pressupostos marxistas? Se sim, como articular cosmovisões contrárias uma à outra?”
Phelipe Reis, Parintins, AM
Phelipe, nós vivemos em um mundo profundamente influenciado pelo marxismo. Sendo assim, é impossível dialogar com o mundo sem dialogar com o marxismo. O marxismo mudou a face do Ocidente por, pelo menos, setenta anos. Estabeleceu-se como fato histórico, vimos surgir blocos socialistas em todo o mundo. A grita do marxismo era que o capitalismo estava na contramão do que produziria felicidade humana e que era preciso chegar a uma nova fase na história da humanidade, fase que eles chamaram de comunismo. Segundo Marx, este seria o sucedâneo natural do capitalismo. As experiências revolucionárias marxistas não comprovaram a tese, porque as grandes nações que se tornaram socialistas do ponto de vista marxista-leninista deram um salto -- ou tentaram fazê-lo -- do feudalismo para o comunismo. Nenhuma delas havia passado pelo capitalismo propriamente dito. Porém, estão aí, fizeram história, milhares de escritos, de reflexão por todo o mundo, em todas as línguas. Dessa forma, é impossível falar ao mundo sem dialogar com os que também tentam interpretar e até mesmo transformar o mundo. Neste sentido, a teologia da missão integral dialoga com o marxismo, assim como dialoga com “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith -- com o capitalismo --, porque nós estamos tentando responder à grande pergunta humana: “Qual é o sentido da vida, para o que nós existimos, de onde viemos, para onde vamos e como devemos viver?”. Então, nós dialogamos com todo mundo, inclusive com outras confissões de fé. Nós estamos lutando pela humanidade como todo mundo.
Agora, se o que você está perguntando é se a teologia da missão integral lança mão do referencial teórico-marxista, a resposta é não. Considera as análises marxistas, entende a validade de muitas de suas análises -- principalmente em relação à questão da mais valia, a questão da natureza do capitalismo etc. --, mas não lança mão do referencial teórico, pois a missão integral se estriba na recuperação de dois conceitos. O primeiro é o conceito de justiça no profetismo hebraico. No profetismo hebreu tem-se a noção de justiça, ela aparece nos grandes profetas, os quais dizem, como Amós, que a justiça deve correr como um rio que nunca seca. Todos os profetas hebreus levantaram a questão da justiça e são eles que introduzem essa noção da justiça como um critério transcendente: justiça não é mais uma relação de poder entre fracos e fortes, entre vencedores e vencidos, mas uma demanda de Deus. Ele exige justiça, que os pobres sejam tratados com decência, que não haja pobreza, que haja libertação econômica, social e política. A justiça nasce no coração de Deus e é introduzida na história humana pelos profetas hebreus, como um dado “transcendente” e não como uma conclusão imanente, ou seja, não foram os seres humanos -- pensando sobre si, sobre a história, sobre a sociedade -- que chegaram, pura e simplesmente, à noção de igualdade, de justiça, de que não pode haver pobres etc. A visão trazida pelos profetas é que há uma demanda da parte de Deus por igualdade entre os homens, por dignidade para todos os homens, pelo fim da pobreza, pelo respeito ao diferente, pelo abrigo ao estrangeiro, pela noção de direito humano. Isso vem diretamente de Deus e está espalhado por todo o Antigo Testamento, desde a Lei de Moisés, reforçada pelo profetismo hebraico, que, na verdade, é um trabalho de recuperação do espírito da Lei de Moisés, que clama por justiça. Esse é o primeiro referencial da missão integral. Vê-se isso nos escritos de René Padilla, de Samuel Escobar e de Orlando Costas.
O outro referencial da teologia da missão integral é a recuperação da noção do reino de Deus e sua justiça, a ideia de que o reino de Deus é um outro sistema que se opõe ao sistema vigente, que se opõe ao sistema capitalista ou mesmo ao sistema soviético. É um outro sistema que vem não para estar ao lado dos sistemas em pauta, mas para substituí-los, para erradicá-los. Isso aparece no profeta Daniel, quando, respondendo ao sonho de Nabucodonosor, ele fala sobre a pedra que é lançada por mãos não humanas contra a estátua. A estátua, no sonho de Nabucodonosor, sintetiza todas as tentativas humanas de resolver o problema humano sem considerar a hipótese de Deus ou sem considerar a revelação de Deus. A estátua trata-se de tudo o que os homens tentaram, em todos os níveis -- o feudalismo, o capitalismo, o comunismo --, está tudo lá na estátua. A pedra é o reino de Deus, ela derruba a estátua, triturando-a desfazendo todos os seus componentes até transformá-la em pó, que é varrido pelo vento de modo que da estátua não fica nem lembrança, e a pedra cresce, alarga-se e toma toda a terra, ou seja, uma nova realidade assume o controle da história e essa nova realidade é o reino de Deus.
A teologia da missão integral recupera essa noção de reino de Deus que aparece com força total no Novo Testamento, a partir da pregação de João Batista, e é referendada e ratificada pela pregação de Jesus de Nazaré: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus. Nos quatro evangelhos vê-se que os fariseus, os saduceus, os mestres da lei, que viviam inquirindo Jesus, fizeram perguntas de todo tipo, mas nenhum deles perguntou o que era o reino dos céus. Todos eles sabiam do quê João e Jesus estavam falando, eles sabiam o que era o reino dos céus: a chegada da realidade definitiva, aquela que se imporá à história, que conquistará a história, que estabelecerá a história na história e dará o tom à história. É isso que a teologia da missão integral recupera: a noção do reino de Deus como um sistema que engloba tudo o que afeta o homem e tudo o que o homem afeta. Reúne, portanto, as questões social, política, econômica, ética, moral, educacional, trabalhista e jurídica, porque tudo isso afeta o homem e é afetado pelo homem. Por isso, é um sistema só e esse sistema precisa ter um novo princípio vetor, que, segundo as Escrituras, é o reino de Deus. Assim, o reino de Deus é um novo sistema onde só a vontade de Deus é feita. É um sistema econômico, político, social, moral, ético, educacional. Está tudo contido no reino de Deus.
A teologia da missão integral não tem a pretensão de implantar o reino de Deus, mas de sinalizar que o reino de Deus já está presente e trabalha para que a igreja seja uma mostra do mundo vindouro, “as primícias” do reino de Deus, como Paulo nos advertiu. Sendo assim, a partir da igreja os paradigmas do reino dos céus devem ser vividos; e aí a igreja, como uma das protagonistas da história, precisa ser proativa e sinalizar a presença do reino por meio de todas as possibilidades, influenciar o mundo com os padrões do reino, de tal maneira que, guardadas as devidas proporções, o mundo se torne o mais parecido possível com o reino vindouro. E isso significará a chegada da paz, da igualdade, do direito, da responsabilidade moral e o estabelecimento de uma sociedade sem classes, justa, igualitária, solidária. Essa é a pregação da teologia da missão integral.
Você pode dizer que, aqui ou ali, nós esbarraremos em conceitos marxistas, mas eu preciso lembrar-lhe de que Marx veio depois da igreja primitiva, depois de Jesus. Não somos nós que buscamos conceitos em Marx, foi Marx que buscou os conceitos dele na tradição judaico-cristã e tentou criar um projeto de uma vida -- semelhante à que a igreja primitiva viveu -- sem a necessidade da hipótese de Deus.
Nós não trabalhamos com o referencial marxista porque o nosso referencial é anterior -- embora, aqui e ali, tenhamos intersecções com os marxistas, pois, como disse Karl Jaspers, nenhuma filosofia do Ocidente foi desenvolvida sem que a Bíblia fosse o pano de fundo. E nem Karl Marx escapou disso.
Ariovaldo Ramos responde (em vídeo):
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Ariovaldo Ramos é escritor e conferencista. É presidente da Visão Mundial no Brasil e um dos pastores da Comunidade Cristã Reformada, em São Paulo, SP.
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