Opinião
- 09 de maio de 2014
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Maria e o aprendizado da desimportância
Entre tantos artigos da internet sobre o Dia das Mães, li uma frase: “A boa mãe torna-se desnecessária”. Frase de efeito atribuída ora a um psicanalista, ora a um monge. Autoria na internet é difícil precisar. Mas, a citação me faz refletir sobre o papel de mãe e minha relação com meu filho, hoje um lindo homem.
Faz-me pensar também sobre uma figura especial, exemplo de mãe. E de mulher e seguidora de Jesus: Maria. Penso que Maria soube encarnar a desnecessidade materna.
Isso poderia não ter acontecido, uma vez que foi designada para cuidar, no ventre e na vida, do “Deus Conosco”. Carregar alguém especial dentro de si e dar de seu próprio corpo, ainda mais ao Deus-Homem, pode criar uma inimaginável sensação de indispensabilidade. Não é à toa que Maria exultou em canção: “O meu coração louva ao Senhor... Ele se lembrou de mim...”1 Todavia, ela experimentou o aprendizado de tornar-se desnecessária.
Na verdade, toda mãe começa a alcançar isso já no início da gestação. Com a gravidez, passa a ser apenas uma barriga cada vez maior. Sem perguntarem sobre o seu bem estar, o bebê já é o assunto. Ela se vê apenas um meio de transporte.
Maria, porém, mais do que qualquer outra mãe, sentiu o peso de seu desprestígio, proporcional à grandeza de quem trazia à luz: comitivas humanas e celestes vieram presentear o seu filho, reconhecer o milagre daquele nascimento. Ele era o centro. No entanto, a alegria indizível de fazer parte de uma grande história estava ali: “A minha alma está alegre por causa de Deus”2.
Mas os primeiros fatos da vida do bebê, pela dependência natural da espécie, criam alguma ilusão de perceber-se presença obrigatória. Por isso, é difícil enfrentar o crescimento do filho. Ver que ele simplesmente é, cada vez mais, causa perplexidade e um misto de orgulho e frustração. Maria também enfrentou esses sentimentos ao longo de todo o desenvolvimento de Jesus.
O que dizer do momento em que o viu entre doutores da lei, com apenas doze anos, dialogando sobre temas que ela pouco compreendia, cumprindo os propósitos de Deus? O que sentir ao ver o descaso com sua preocupação materna, surpreendendo-se com o fato de que isso pouco importava diante da busca inevitável do outro por ser ele mesmo? Maria experimentou grandes enfrentamentos no aprendizado do descrédito materno.
Outro episódio que chama a atenção quanto à assimilação da diferenciação entre mãe e filho aconteceu durante uma pregação do Mestre. Maria chegou acompanhada de outros filhos e pediu que isso fosse comunicado a Jesus, esperando que sua posição de mãe fosse suficiente para o seu pronto atendimento3. A resposta de Jesus testifica sua autonomia ontológica. Chega a ser cruel. Entretanto, nada substitui os momentos de verbalização filial quanto aos limites necessários entre mães e filhos, para a apreensão da realidade de que eles não são nossos. Maria nos surpreende com uma honrosa atitude de superação dos sentimentos maternos de grandiosidade: apesar de constatar o quanto era dispensável, permaneceu caminhando com Jesus, contemplando o seu estar divino-humano no mundo.
Mas nada é mais pedagógico para a aprendizagem da essencialidade do despapel gradativo de mãe, do que quando a vida nos impõe separações irreversíveis, pela distância, por impossibilidades reais, pela morte. Maria viu Jesus nascer. Maria viu Jesus morrer. E nada nela poderia impedir isso. Grande humilhação. Nisso residiu sua grandeza: saber-se cada vez menos importante diante de uma narrativa pessoal que não poderia ser impedida. Por isso, tem minha admiração.
Com ela, aprendo da arte de tornar-se insignificante para ser mais humana. Com ela, reflito sobre o quanto preciso deixar meu filho ser mais ele mesmo, ao mesmo tempo em que me permito a alegria de contemplá-lo sendo tudo o que pode ser, mesmo sem mim.
Notas:
1. Lucas 1.46-55
2. Lucas 1.47
3. Mateus 12.46-49
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Faz-me pensar também sobre uma figura especial, exemplo de mãe. E de mulher e seguidora de Jesus: Maria. Penso que Maria soube encarnar a desnecessidade materna.
Isso poderia não ter acontecido, uma vez que foi designada para cuidar, no ventre e na vida, do “Deus Conosco”. Carregar alguém especial dentro de si e dar de seu próprio corpo, ainda mais ao Deus-Homem, pode criar uma inimaginável sensação de indispensabilidade. Não é à toa que Maria exultou em canção: “O meu coração louva ao Senhor... Ele se lembrou de mim...”1 Todavia, ela experimentou o aprendizado de tornar-se desnecessária.
Na verdade, toda mãe começa a alcançar isso já no início da gestação. Com a gravidez, passa a ser apenas uma barriga cada vez maior. Sem perguntarem sobre o seu bem estar, o bebê já é o assunto. Ela se vê apenas um meio de transporte.
Maria, porém, mais do que qualquer outra mãe, sentiu o peso de seu desprestígio, proporcional à grandeza de quem trazia à luz: comitivas humanas e celestes vieram presentear o seu filho, reconhecer o milagre daquele nascimento. Ele era o centro. No entanto, a alegria indizível de fazer parte de uma grande história estava ali: “A minha alma está alegre por causa de Deus”2.
Mas os primeiros fatos da vida do bebê, pela dependência natural da espécie, criam alguma ilusão de perceber-se presença obrigatória. Por isso, é difícil enfrentar o crescimento do filho. Ver que ele simplesmente é, cada vez mais, causa perplexidade e um misto de orgulho e frustração. Maria também enfrentou esses sentimentos ao longo de todo o desenvolvimento de Jesus.
O que dizer do momento em que o viu entre doutores da lei, com apenas doze anos, dialogando sobre temas que ela pouco compreendia, cumprindo os propósitos de Deus? O que sentir ao ver o descaso com sua preocupação materna, surpreendendo-se com o fato de que isso pouco importava diante da busca inevitável do outro por ser ele mesmo? Maria experimentou grandes enfrentamentos no aprendizado do descrédito materno.
Outro episódio que chama a atenção quanto à assimilação da diferenciação entre mãe e filho aconteceu durante uma pregação do Mestre. Maria chegou acompanhada de outros filhos e pediu que isso fosse comunicado a Jesus, esperando que sua posição de mãe fosse suficiente para o seu pronto atendimento3. A resposta de Jesus testifica sua autonomia ontológica. Chega a ser cruel. Entretanto, nada substitui os momentos de verbalização filial quanto aos limites necessários entre mães e filhos, para a apreensão da realidade de que eles não são nossos. Maria nos surpreende com uma honrosa atitude de superação dos sentimentos maternos de grandiosidade: apesar de constatar o quanto era dispensável, permaneceu caminhando com Jesus, contemplando o seu estar divino-humano no mundo.
Mas nada é mais pedagógico para a aprendizagem da essencialidade do despapel gradativo de mãe, do que quando a vida nos impõe separações irreversíveis, pela distância, por impossibilidades reais, pela morte. Maria viu Jesus nascer. Maria viu Jesus morrer. E nada nela poderia impedir isso. Grande humilhação. Nisso residiu sua grandeza: saber-se cada vez menos importante diante de uma narrativa pessoal que não poderia ser impedida. Por isso, tem minha admiração.
Com ela, aprendo da arte de tornar-se insignificante para ser mais humana. Com ela, reflito sobre o quanto preciso deixar meu filho ser mais ele mesmo, ao mesmo tempo em que me permito a alegria de contemplá-lo sendo tudo o que pode ser, mesmo sem mim.
Notas:
1. Lucas 1.46-55
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Silvana Pinheiro é educadora e escritora. Autora do único livro infantil que a Editora Ultimato já publicou (De Bichos Pequenos e Grandes), e que está esgotado há alguns anos. Escreveu também o livro de poemas "Femear", com foco no retrato feminino.
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