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Opinião

Lutar por justiça ou esperar misericórdia?

Por Carlos Caldas

[CONTÉM SPOILER]

A última vez que consegui ir a um cinema antes da necessidade do isolamento provocado pela pandemia do coronavírus foi para assistir ao filme Luta por Justiça (2020), do diretor nipo-americano Destin Cretton. O filme conta a história verídica de Bryan Stevenson, um advogado negro jovem e idealista, recém formado pela mais que prestigiosa Universidade de Harvard que resolve iniciar sua carreira no fortemente racista Alabama, que faz parte do Bible Belt, o “Cinturão da Bíblia”, região do sul dos Estados Unidos onde valores e princípios de um protestantismo ultraconservador são parte da vida diária de todos.
 
Stevenson, vivido por Michael B. Jordan, ator que se encontra em ascensão atualmente em Hollywood, por conta de sua atuação como o vilão Killmonger em Pantera Negra, da Marvel, e os (por enquanto) dois filmes da franquia Creed (sucessora da franquia Rocky), de Sylvester Stallone, contra a vontade de sua mãe, quer trabalhar defendendo presos no “Corredor da Morte”. Estes presos têm direito a defensor público, mas os defensores não manifestam o menor interesse em ganhar a causa, não se importam nem sequer em saber se os réus são de fato culpados ou inocentes. Diante desta situação, Stevenson cria uma espécie de organização não governamental para defender estes prisioneiros, alguns já há muitos anos na prisão. Como erros judiciários podem acontecer, ainda mais se a maioria dos acusados for de negros pobres no sul dos Estados Unidos, é possível que haja algum inocente entre os encarcerados no Corredor da Morte.
 
É exatamente este o mote do filme de Cretton. O tema da crítica ao racismo sulista estadunidense é “manjado”, por assim dizer, e já foi apresentado em filmes famosos, como Mississipi em chamas (1988), de Alan Parker. Mas é um tema que precisa ser apresentado novamente. O advogado Stevenson conhece Walter McMillan, interpretado por Jamie Foxx (que ganhou o Oscar de Melhor Ator por sua impressionante atuação como Ray Charles na cinebiografia Ray, de 2005), que está no Corredor da Morte acusado de ter assassinado uma garota branca. Em sua luta contra todo um sistema para provar a inocência de seu cliente, Stevenson contará com a ajuda de Eva Ansley, vivida pela bela Brie Larson.
 
Há uma referência irônica na narrativa fílmica de Cretton que se repete algumas vezes, e que talvez passe despercebida: a cidadezinha de Monroeville, no Alabama, onde se passa o drama, é a mesma do famosíssimo romance O sol é para todos (To Kill a Mockingbird, no original), da escritora Harper Lee. O livro se tornou um clássico da literatura mundial, ganhou o prestigioso Prêmio Pulitzer de Literatura, foi adaptado para o cinema, tendo conquistado o Oscar na categoria “Melhor roteiro adaptado” em 1962. A ironia está no fato de que o tema de O sol é para todos é exatamente a batalha jurídica de um advogado em defesa de um homem negro acusado de atacar uma mulher branca.

 
E, batalha jurídica é o que não falta no filme de Cretton, e nem tinha como ser diferente (os americanos gostam muito de filmes com batalhas jurídicas, e eu particularmente também aprecio filmes com esta temática), entre Stevenson e os advogados de acusação. A batalha parece perdida, e o próprio McMillan não tem a menor esperança de que sua inocência seja provada. Por volta do fim do segundo terço do filme fica de fato difícil acreditar que Stevenson terá sucesso em sua luta contra todo um sistema que precisa encontrar um bode expiatório. Afinal, uma garota branca morreu, e alguém tem que pagar por isso. Alguém precisa ser morto – “uma vida por uma vida”. E que bode expiatório melhor para uma sociedade fortemente segregacionista e racista que um negro pobre?

Por fim, contra todas as expectativas, Stevenson logrará êxito em sua batalha que, tudo indicava, já tinha morrido no nascedouro, fadada ao fracasso antes de começar. Davi venceu Golias mais uma vez.
 
O filme não tem nenhuma referência religiosa explícita, apesar de acontecer no citado Cinturão da Bíblia, onde a maioria absoluta da população, de negros e brancos, é evangélica, seja de igrejas protestantes clássicas, evangélicas livres ou de igrejas pentecostais dos mais variados tipos. Mas o filme toca em pontos que são, ou deveriam ser, da mais alta importância para os que dizem ter na Bíblia sua única regra de fé e prática. O principal destes pontos, evidentemente, é o título que foi dado ao filme no Brasil: “Luta por justiça”. O título original é Just Mercy, que tem o sentido de “apenas misericórdia”.
 
Pois bem, justiça e misericórdia são temas centrais nas Escrituras judaico-cristãs. Os fieis da antiga aliança clamavam por justiça em preces contundentes do tipo “Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa contra a nação contenciosa, livra-me do homem fraudulento e injusto” (Sl 43.1) e faziam exclamações com um misto de angústia e esperança como “Quem se levantará a meu favor contra os perversos? Quem estará comigo contra os que praticam a iniqüidade?” (Sl 94.16). Os juízes no antigo Israel eram exortados a não tomar o partido dos “ímpios” (palavra geral e genérica para indicar não raro quem tem poder e influência e não tem temor de Deus nem respeito ao próximo) e a fazer justiça ao fraco e ao órfão, procedendo retamente para com o aflito e o desamparado (cf. Sl. 82.2-3).
 
Javé, o Senhor, deseja que não apenas Israel, mas todo o gênero humano (adam, no original hebraico) ame a justiça, pratique a misericórdia, e ande com humildade diante de Deus (cf. Mq 6.8). Isto é o que o Criador requer, independentemente de afiliação religiosa, etnia, cor da pele ou dos olhos, tipo de cabelo ou saldo na conta bancária de todos e de cada um de nós. E, Luta por Justiça é mais um lembrete para que não nos esqueçamos disso.

É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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