Opinião
- 19 de dezembro de 2008
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Liquidação: vende-se um Natal bem baratinho
Derval Dasilio
Pouco a pouco as ruas vão se enchendo de multidões. Tantas luzes escondem realidades que não queremos ver. A massificação sobrepuja as coisas comuns do dia-a-dia, o hipnotismo de tantas luzes ofusca ainda mais a verdade. Aliás, já se brinca de esconde-esconde o ano inteiro. Mas o que a natalidade do Senhor tem a ver com essas coisas? Comprar presentes; engabelar crianças e adolescentes com presentes que funcionam como chantagem para se obter “bom comportamento”; fingir que o Papai Noel é como Deus, bonzinho, que sai lá do alto, do Pólo Norte, para nos trazer presentes não nos farão esquecer as desigualdades, o crime organizado (onde estão desembargadores, juízes, altas autoridades do judiciário), a guerra do narcortráfico, a polícia envolvida com o tráfico de armas, o assassinato de inocentes, a prostituição infantil...
Jovens estão concluindo seus vestibulares. A ganância consumista, ensinada com afinco, é cobrada nas provas. A macaquice das coqueluches da massa, a televisão superficial e rasa, o culto à insignificância, nos chamam a atenção? O “louvorzão” natalino dedicado ao poder econômico tem destaque? Insinua-se a mercantilização das relações entre pessoas a céu aberto. Amor e fraternidade com preço na etiqueta no fazem refletir. O Natal transforma-se em mercadoria de liquidação, como a graça barata vendida nos templos. Parar e refletir sobre a razão que fez com que Deus se tornasse menino, antes de tudo, nascendo para que nos regalássemos com a esperança de vida plena, com a plenitude em direitos como cidadãos e com a vida abundante (apesar das adversidades, do conformismo político, dos ajustes econômicos que não vão ao fundo das desigualdades e da eqüidistância religiosa ensinada dos púlpitos religiosos). Não precisa muito, não. Só um pouquinho do que a natalidade de Jesus Cristo significa para todos os homens e mulheres nesta terra de desigualdade e impiedade já ajuda.
Tudo isso está resumido numa humilde estrebaria de Belém. Imagem edulcorada, doce em simplicidade na tradição romântica da Natividade, quando na verdade devíamos prestar atenção no Evangelho da Natalidade do Senhor: o nascido numa das muitas estrebarias da vida. Nela faltam privilégios ao menino que se identifica com todos os meninos pobres, na rua ou quando retirantes, sem-terra, migrantes, despojados e sem direitos sociais. No mesmo quadro natalino está a criança parida na periferia, excluída dos shoppings e dos ambientes dos bem-postos e de suas festas de amigo oculto.
Mas as luzes estonteantes dos enfeites nas ruas, nas praças, nos templos de consumo à moda pagã, nas lojas abarrotadas de ofertas de bugigangas inúteis, nos lembram o que perdemos de nossa infância inocente, enquanto tomamos consciência do mundo real e sua brutalidade: juízes não crêem na justiça que devem aplicar; políticos cuidam de encher seus cofres enquanto garantem imunidade parlamentar; religiosos locupletam-se com o dinheiro da gente pobre, que já paga impostos embutidos nas coisas mínimas que adquirem.
Os doces, as frutas, os pães especiais, as rabanadas, as castanhas cozidas, as nozes nas mesas fartas... Nem sabíamos que a fome e a miséria eram o cenário onde nasceu o menininho pobre e carente, sem nenhum perigo aparente para a sociedade que o excluía imediatamente e, logo depois, para eliminá-lo, promovia ou apoiava o genocídio mais clamoroso da história dos Evangelhos. O Salvador, também chamado “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, nasceu para morrer por uma causa que ninguém quer assumir às últimas conseqüências. O Filho de Deus, desde o nascimento, era procurado vivo ou morto. A sociedade ameaçada não brinca em serviço, logo denuncia: “morte à esperança!”. O povo já tem o governo que merece. Não precisa do governo de Deus.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
Pouco a pouco as ruas vão se enchendo de multidões. Tantas luzes escondem realidades que não queremos ver. A massificação sobrepuja as coisas comuns do dia-a-dia, o hipnotismo de tantas luzes ofusca ainda mais a verdade. Aliás, já se brinca de esconde-esconde o ano inteiro. Mas o que a natalidade do Senhor tem a ver com essas coisas? Comprar presentes; engabelar crianças e adolescentes com presentes que funcionam como chantagem para se obter “bom comportamento”; fingir que o Papai Noel é como Deus, bonzinho, que sai lá do alto, do Pólo Norte, para nos trazer presentes não nos farão esquecer as desigualdades, o crime organizado (onde estão desembargadores, juízes, altas autoridades do judiciário), a guerra do narcortráfico, a polícia envolvida com o tráfico de armas, o assassinato de inocentes, a prostituição infantil...
Jovens estão concluindo seus vestibulares. A ganância consumista, ensinada com afinco, é cobrada nas provas. A macaquice das coqueluches da massa, a televisão superficial e rasa, o culto à insignificância, nos chamam a atenção? O “louvorzão” natalino dedicado ao poder econômico tem destaque? Insinua-se a mercantilização das relações entre pessoas a céu aberto. Amor e fraternidade com preço na etiqueta no fazem refletir. O Natal transforma-se em mercadoria de liquidação, como a graça barata vendida nos templos. Parar e refletir sobre a razão que fez com que Deus se tornasse menino, antes de tudo, nascendo para que nos regalássemos com a esperança de vida plena, com a plenitude em direitos como cidadãos e com a vida abundante (apesar das adversidades, do conformismo político, dos ajustes econômicos que não vão ao fundo das desigualdades e da eqüidistância religiosa ensinada dos púlpitos religiosos). Não precisa muito, não. Só um pouquinho do que a natalidade de Jesus Cristo significa para todos os homens e mulheres nesta terra de desigualdade e impiedade já ajuda.
Tudo isso está resumido numa humilde estrebaria de Belém. Imagem edulcorada, doce em simplicidade na tradição romântica da Natividade, quando na verdade devíamos prestar atenção no Evangelho da Natalidade do Senhor: o nascido numa das muitas estrebarias da vida. Nela faltam privilégios ao menino que se identifica com todos os meninos pobres, na rua ou quando retirantes, sem-terra, migrantes, despojados e sem direitos sociais. No mesmo quadro natalino está a criança parida na periferia, excluída dos shoppings e dos ambientes dos bem-postos e de suas festas de amigo oculto.
Mas as luzes estonteantes dos enfeites nas ruas, nas praças, nos templos de consumo à moda pagã, nas lojas abarrotadas de ofertas de bugigangas inúteis, nos lembram o que perdemos de nossa infância inocente, enquanto tomamos consciência do mundo real e sua brutalidade: juízes não crêem na justiça que devem aplicar; políticos cuidam de encher seus cofres enquanto garantem imunidade parlamentar; religiosos locupletam-se com o dinheiro da gente pobre, que já paga impostos embutidos nas coisas mínimas que adquirem.
Os doces, as frutas, os pães especiais, as rabanadas, as castanhas cozidas, as nozes nas mesas fartas... Nem sabíamos que a fome e a miséria eram o cenário onde nasceu o menininho pobre e carente, sem nenhum perigo aparente para a sociedade que o excluía imediatamente e, logo depois, para eliminá-lo, promovia ou apoiava o genocídio mais clamoroso da história dos Evangelhos. O Salvador, também chamado “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, nasceu para morrer por uma causa que ninguém quer assumir às últimas conseqüências. O Filho de Deus, desde o nascimento, era procurado vivo ou morto. A sociedade ameaçada não brinca em serviço, logo denuncia: “morte à esperança!”. O povo já tem o governo que merece. Não precisa do governo de Deus.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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