Opinião
- 11 de maio de 2007
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Ligação direta
Jorge Camargo
Depois de algumas décadas de peregrinação espiritual, estou vivendo um momento profundamente enriquecedor. Além da Escritura, tenho encontrado nos místicos cristãos uma fonte inesgotável de alimento, enlevo, desafio, encorajamento e consolo. A vida e a mensagem desses homens e mulheres têm me servido de referência para tudo que se relaciona às grandes perguntas que povoam minha mente.
Como músico cristão, tenho tido o privilégio de conhecer a igreja brasileira de origem protestante em suas mais variadas manifestações e observar as mais diferentes estruturas litúrgicas e expressões de adoração dessa comunidade de fé.
Os místicos novamente vêm em meu auxílio quando tento compreender o sentido e o significado da adoração bíblica. Ou talvez, diante de tudo que tenho visto e ouvido no Brasil e pelo mundo fora, ao menos entender, no meio de tanto barulho, aquilo que ela não é.
Na base de toda experiência mística há a prerrogativa da ligação direta, da experiência imediata, da unidade com Deus. Nesse aspecto, mística e adoração se encontram. Não há mediações, não há burocracia: entrar na presença de Deus é um ato de fé, estendido a todos que dela lancem mão. Por ser uma experiência imediata de Deus, sem intermediários, ela não poderia ser nem sequer descrita, nem por palavras, nem por símbolos, nem por gestos. A maioria dos místicos nada diz. Vive, vê, contempla, se alegra, sofre, participa. Para que dizer algo? Quem sabe, nada precisa dizer. Só quem não sabe, diz. No entanto, como Deus se manifesta também na palavra, alguns místicos falaram, e nos legaram seus pensamentos.
Em se tratando de adoração, as muitas discussões acerca do tema fazem coro à herança mística. Vêm à tona o paradoxo, a possibilidade do ser e do não ser em uma única circunstância, do silêncio e da palavra como ferramentas construtoras do edifício feito de tempo e de gente, que abriga a nossa história de devoção.
As conclusões ficam a cargo de cada um, no melhor estilo de nossa tradição. O assunto está longe de ser esgotado. Creio, no entanto, que deveríamos todos nos debruçar sobre ele inspirados mais uma vez nos místicos.
Diante do grande mistério que é Deus, meditemos com profunda reverência nas palavras sábias e profundas de um dos mais brilhantes representantes da mística cristã, São João da Cruz, em trecho de sua obra “Cântico Espiritual”:
“Fazes muito bem, ó alma, em buscar o Amado sempre escondido, porque muito exaltas a Deus, e muito perto dele te chegas, quando o consideras mais elevado e profundo que tudo quanto podes alcançar. Por esta razão, não te detenhas, seja em parte, seja no todo, naquilo que tuas potências podem apreender. Quero dizer: jamais desejes satisfazer-te nas coisas que entenderes de Deus; antes procura contentar-te no que não compreenderes a respeito dele. Nunca te detenhas em amar e gozar nessas coisas que entendes ou experimentas, mas, ao contrário, põe teu amor e deleite naquilo que não podes entender ou sentir; porque isso, como dissemos, é buscar a Deus na fé. Visto como Deus é inacessível e escondido, conforme também já explicamos, por mais que te pareça achá-lo, senti-lo ou entendê-lo, sempre o hás de considerar escondido, e o hás de servir escondido às escondidas. E não sejas como tantos incipientes que consideram a Deus de modo mesquinho, pensando estar ele mais longe ou mais oculto, quando não o entendem, nem o gozam, nem o sentem; mais verdade é o contrário, porque chegam mais perto de Deus quando menos distintamente o percebem.”
• Jorge Camargo é músico, compositor, intérprete, poeta, tradutor e mestre em ciências da religião pela Universidade Mackenzie. www.jorgecamargo.com.br
Depois de algumas décadas de peregrinação espiritual, estou vivendo um momento profundamente enriquecedor. Além da Escritura, tenho encontrado nos místicos cristãos uma fonte inesgotável de alimento, enlevo, desafio, encorajamento e consolo. A vida e a mensagem desses homens e mulheres têm me servido de referência para tudo que se relaciona às grandes perguntas que povoam minha mente.
Como músico cristão, tenho tido o privilégio de conhecer a igreja brasileira de origem protestante em suas mais variadas manifestações e observar as mais diferentes estruturas litúrgicas e expressões de adoração dessa comunidade de fé.
Os místicos novamente vêm em meu auxílio quando tento compreender o sentido e o significado da adoração bíblica. Ou talvez, diante de tudo que tenho visto e ouvido no Brasil e pelo mundo fora, ao menos entender, no meio de tanto barulho, aquilo que ela não é.
Na base de toda experiência mística há a prerrogativa da ligação direta, da experiência imediata, da unidade com Deus. Nesse aspecto, mística e adoração se encontram. Não há mediações, não há burocracia: entrar na presença de Deus é um ato de fé, estendido a todos que dela lancem mão. Por ser uma experiência imediata de Deus, sem intermediários, ela não poderia ser nem sequer descrita, nem por palavras, nem por símbolos, nem por gestos. A maioria dos místicos nada diz. Vive, vê, contempla, se alegra, sofre, participa. Para que dizer algo? Quem sabe, nada precisa dizer. Só quem não sabe, diz. No entanto, como Deus se manifesta também na palavra, alguns místicos falaram, e nos legaram seus pensamentos.
Em se tratando de adoração, as muitas discussões acerca do tema fazem coro à herança mística. Vêm à tona o paradoxo, a possibilidade do ser e do não ser em uma única circunstância, do silêncio e da palavra como ferramentas construtoras do edifício feito de tempo e de gente, que abriga a nossa história de devoção.
As conclusões ficam a cargo de cada um, no melhor estilo de nossa tradição. O assunto está longe de ser esgotado. Creio, no entanto, que deveríamos todos nos debruçar sobre ele inspirados mais uma vez nos místicos.
Diante do grande mistério que é Deus, meditemos com profunda reverência nas palavras sábias e profundas de um dos mais brilhantes representantes da mística cristã, São João da Cruz, em trecho de sua obra “Cântico Espiritual”:
“Fazes muito bem, ó alma, em buscar o Amado sempre escondido, porque muito exaltas a Deus, e muito perto dele te chegas, quando o consideras mais elevado e profundo que tudo quanto podes alcançar. Por esta razão, não te detenhas, seja em parte, seja no todo, naquilo que tuas potências podem apreender. Quero dizer: jamais desejes satisfazer-te nas coisas que entenderes de Deus; antes procura contentar-te no que não compreenderes a respeito dele. Nunca te detenhas em amar e gozar nessas coisas que entendes ou experimentas, mas, ao contrário, põe teu amor e deleite naquilo que não podes entender ou sentir; porque isso, como dissemos, é buscar a Deus na fé. Visto como Deus é inacessível e escondido, conforme também já explicamos, por mais que te pareça achá-lo, senti-lo ou entendê-lo, sempre o hás de considerar escondido, e o hás de servir escondido às escondidas. E não sejas como tantos incipientes que consideram a Deus de modo mesquinho, pensando estar ele mais longe ou mais oculto, quando não o entendem, nem o gozam, nem o sentem; mais verdade é o contrário, porque chegam mais perto de Deus quando menos distintamente o percebem.”
• Jorge Camargo é músico, compositor, intérprete, poeta, tradutor e mestre em ciências da religião pela Universidade Mackenzie. www.jorgecamargo.com.br
Mestre em ciências da religião, é intérprete, compositor, músico, poeta e tradutor.
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