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Opinião

Leia mais que o feed. Guia não definitivo para leitores digitalmente ansiosos

Por Bruno Maroni
 
Pra ler bem precisamos reajustar nossa satisfação por conhecer, reeducar nossas descobertas.
 
Ler não é simples. Não só passar os olhos por uma lista de linhas e um emaranhado de termos. Todo texto traz significado, escondido ou não, e não podemos desconsiderar a riqueza pressuposta em cada palavra. Não é nada fácil percebê-la quando os bits puxam nosso olhar – cabeça e coração – suscitando ansiedade, pressa e superficialidade. Mais difícil que ler significativamente, é ler entre os feeds que competem pelo nosso foco. Não por acaso dizem que a atenção é o bem mais caro e disputado pelas empresas em rede. A preocupação dos sites e redes sociais, por exemplo, não é exclusivamente a qualidade dos concorrentes, mas, especialmente a nossa atenção. Entre as telas, bits, links e feeds, como ler legitimamente?
 
1. Leia com amigos
 
A leitura costuma ser associada a um ato isolado, quando alguém se fecha em um canto e se destaca de qualquer um e de qualquer coisa. Claro, ler demanda concentração solitária e silêncio – em alguns casos mais do que outros – mas o hábito literário não progride se não há conversa e interação com o outro. A amizade é primordial para a leitura constante por diferentes motivos. Em primeiro lugar, se a disputa pela nossa atenção desencadeia ansiedade, nada como ter com quem dividir e aliviar a tensão. Se você tem dificuldade pra ler porque o feed não deixa, converse com alguém. Em segundo lugar, busque amigos que te acompanhem no processo de leitura do início ao fim. Ainda que não leiam exatamente o mesmo título, o hábito de compartilhar ideias, impressões e aprender junto, desenvolverá a cultura de ler livros entre suas relações cotidianas. Entre amigos a gente fala de tanta coisa: por que não falar de leitura?
 
Em terceiro lugar, pessoas por perto podem dar direção. Penso que hoje, mais difícil que permanecer em uma leitura, é discernir por onde começar. O mundo fica pequeno diante do excesso de conteúdo que confronta a gente o tempo inteiro. Tem muita palavra por aí! Mas, muitas opções não implicam clareza constante. É necessário saber escolher, e pra isso, você precisa de amigos que conheçam bons livros e, principalmente, conheçam você. Uma boa dica: procure por clubes do livro ou programas de tutoria de acordo com assuntos do seu interesse.
 
Uma das melhores maneiras de se fixar profundamente os detalhes em nossa memória de longo prazo é ler e discutir livros com nossos amigos. Nestas ocasiões podemos diminuir a nossa velocidade mental, concentrar os nossos pensamentos, e aprender com os outros. – Tony Reinke
 
2. Leia intencionalmente
 
Entendo que todas as recomendações discorridas aqui pressupõem a primeira. Antes de qualquer coisa: cultive boas amizades, relações que enriqueçam sua relação com o mundo. Um dos frutos da boa amizade é a coragem que se ganha por ter alguém por perto. Bem como o incentivo generoso, que inspira intencionalidade e insistência. Isso é imprescindível pra nós, leitores ansiosos, quem quer aprender a parar e olhar de fato. Inevitavelmente, redimir os olhos e o hábito literário passa pelo mesmo movimento de toda formação: intencionalidade e disciplina. Bem: o que precisa pra ler além do feed? Ler além do feed.
 
Aqui talvez ajude: definir um cronograma semanal de leitura, organizando-o por categorias (como: às segundas em tal horário um livro teórico, aos sábados uma leitura de ficção), e estabelecer metas diárias de leitura (por exemplo, 20 páginas ou 30 minutos por dia — o que pode variar de acordo com sua familiaridade com o tema, densidade do livro…). E claro: deixar de lado o feed fisicamente. Além disso, é útil também desenvolver um método pessoal de “interação literária”: grifar do seu jeito, fazer anotações (sistemáticas ou não), inclusive registrar os insights instantâneos ou emoções que a leitura evoca em você. Assim, despertará uma relação mais que informativa entre você e seus livros o que, considerando os afetos fazem parte da formação intelectual, amadurecerá o hábito de leitura. Isso leva a gente à última recomendação.
 
3. Leia mais que a informação
 
Intencionalidade e afetividade colaboram decisivamente para o começo, constância e durabilidade das nossas práticas. O hábito de ler além do feed mexe com tudo isso, envolve reorientação da mente, coração e mãos. Ter a leitura como um procedimento opaco, exclusivamente como acesso a um banco de dados cognitivo, é insuficiente — e empobrecedor — do tipo não vemos a hora de terminar. Ler não é um hábito pragmático/utilitário, uma atividade unilateral: quando lemos, o livro e a leitura reagem, traçando virtudes na gente. É difícil não se deparar com uma leitura que a gente não apreende e compreende praticamente NADA. No entanto, o próprio processo de se debater, brigar com a sua disposição e habilidade, já faz a leitura valer a pena. Não é só sobre ler o que no livro está escrito: é ler o que a leitura escreve na gente.
 
Ler bem é, por si só, um ato de virtude ou excelência, e também é um hábito que cultiva mais virtude em troca. — Karen Prior
 
Ler é (bem) mais que extrair conteúdo: é cultivar virtudes — da demora, cadência, humildade, generosidade, criatividade, disciplina — e compartilhá-las.

• Bruno Maroni, 23 anos. Teólogo formado pela FTBSP, trabalha como editor no Ministério Razão Para Viver e serve na equipe pastoral da Comviver, igreja batista em Jundiaí-SP. Autor do recém publicado Cristianismo & Cultura Pop, aluno do Invisible College e colaborador do Coletivo Tangente e IACA Brasil, onde escreve sobre cosmovisão cristã, cultura e música popular. 

> Texto originalmente publicado no Medium. Reproduzido com permissão.

> A imagem "Reading club" por Cinta Vidal está licenciada sob a CC BY-NC-SA 3.0

>> Conheça também o livro 25 Livros Que Todo Cristão Deveria Ler, de Richard Foster e Dallas Willard

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