Opinião
- 20 de maio de 2010
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Justiça para si e para o outro
Protagonista ou coadjuvante?
Ao me envolver com certas práticas e pensamentos voltados para a ação social, comecei a perceber como as instituições nas quais eu atuava estavam comprometidas com um modelo de ação que sempre ia em direção aos pobres, mas que nunca trabalhava com os pobres.
Hoje, não aceito mais o paradigma do trabalho para os pobres; ao contrário, quero me envolver, na medida do possível, em ações de transformação social com eles. Leituras de Paulo Freire, seminários de desenvolvimento comunitário, envolvimento em redes sociais e participação em conferências de juventude me fizeram pensar de outra forma as várias possíveis práticas políticas e sociais que renovamos ou reiteramos a todo instante.
As tão faladas políticas públicas de juventude (PPJs) são para a juventude e são elaboradas também com a juventude. Isso mesmo: de/para/com juventude. Essas três preposições juntas formam um conceito mais fiel à ideia de protagonismo juvenil. Por isso, geralmente encontraremos num determinado evento o termo políticas públicas de/ para/com juventude. Se quisermos pensar a questão da inserção do jovem na sociedade, não podemos organizar uma política pública, um grande evento de conscientização, ou mesmo um pequeno debate sobre o tema, sem que o próprio jovem seja ator principal dessa ação. No desenvolvimento comunitário é “a mesma coisa”. Como fazer qualquer atividade para atingir uma “melhora da qualidade de vida” numa favela, sem estarmos diretamente “envolvidos com” seus moradores, os primeiros beneficiados? Politicamente falando, é muito complicado sustentar ações e práticas que não contêm a participação integral dos seus beneficiários.
A participação das “pessoas comuns” na política – tanto no tema atual das PPJs, quanto numa proposta de desenvolvimento transformador de uma comunidade etc. – é um valor do qual não podemos abrir mão se quisermos uma sociedade mais justa. Para haver justiça é preciso ouvir as vozes que clamam por justiça; na surdez coletiva, ninguém se libertará. E como diz Paulo Freire, ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho, os seres humanos se libertam em comunhão7.
Peguemos a questão dos direitos das negras e dos negros. Sabemos que existe uma luta histórica da própria população negra em busca de liberdade, dignidade, justiça e arrependimento para aqueles que os oprimiram. Quem é e tem que ser protagonista da luta negra? As próprias negras e os próprios negros! Quer dizer que um branco não se envolverá na luta contra o racismo ou em outras discussões relacionadas? É óbvio que deve haver envolvimento, mas não na condição de protagonista. Os brancos que reconhecem na causa negra uma causa (mais que) legítima, participam da luta negra enquanto coadjuvantes8. A “mesma coisa”9 se dá na participação dos homens na luta pelos direitos das mulheres, dos moradores das grandes cidades na causa dos trabalhadores sem-terra etc.
Se o grupo ao qual eu pertenço ou represento não faz parte diretamente de determinado grupo que reivindica justiça para si, nada me impede de tomar parte em suas lutas. Só preciso lembrar até que ponto pode ir minha ação sobre a dos outros, para que – ao invés de me colocar como paternalista ou manipulador, ou seja, ao invés de me alinhar com determinada prática já existente de tipo paternalista – eu possa de fato contribuir com a libertação e a autonomia desses grupos e não com a manutenção de sua exclusão.
Quem me conhece – e sabe que sou do sexo masculino, branco, classe média, morador da urbe etc. – poderia se perguntar por que então acredito nessas lutas de terceiros a ponto de me envolver direta ou indiretamente nelas. Eu poderia simplesmente dizer que é porque todos nós compartilhamos uma mesma coletividade; ou seja, se algo vai mal para uns, isso afeta a todos. Se há injustiça para alguém, afeta todo o coletivo. Dessa forma penso na justiça para mim e na justiça para os outros ao mesmo tempo. O meu protagonismo está diretamente ligado ao dos outros. Sendo coadjuvante e co-participante de outras lutas, acabo sendo também protagonista. Sem falar que atuar sobre minha própria autonomia para gerir minha inserção em tudo isso já dá um trabalho enorme... Reconhecer-me ou não como protagonista de uma determinada causa não me faz menos responsável pela coletividade.
Notas
1. AZEVEDO, Israel Belo de. O que é missão integral? Rio de Janeiro: MK Editora, 2005, p. 67.
2. Isaías 58.4b. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2004.
3. Isaías 58.6-7. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2001.
4. Mateus 5.6. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2004.
5. Trecho da música Certame que nos é proposto, da autoria de Roberto Diamanso, que integra o álbum Plantas e Habite-se.
6. Cf. LONGUINI NETO, Luiz. O novo rosto da missão: os movimentos ecumênico e evangelical no protestantismo latino-americano. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 71.
7. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 58.
8. Gosto de pensar do seguinte modo: os brancos serão sempre brancos, mas eles têm a possibilidade de participar, de alguma forma, de algo que eu chamaria de um devir negro.
9. Sempre entre aspas, porque a especificidade de cada luta precisa ser sempre considerada.
• Pedro Fornaciari Grabois é estudante de filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É membro da Missão Batista do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Atua ainda na Aliança Bíblica Universitária (ABU), na Rede FALE e na RENAS-Jovem.
justicaintegral.blogspot.com
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Ao me envolver com certas práticas e pensamentos voltados para a ação social, comecei a perceber como as instituições nas quais eu atuava estavam comprometidas com um modelo de ação que sempre ia em direção aos pobres, mas que nunca trabalhava com os pobres.
Hoje, não aceito mais o paradigma do trabalho para os pobres; ao contrário, quero me envolver, na medida do possível, em ações de transformação social com eles. Leituras de Paulo Freire, seminários de desenvolvimento comunitário, envolvimento em redes sociais e participação em conferências de juventude me fizeram pensar de outra forma as várias possíveis práticas políticas e sociais que renovamos ou reiteramos a todo instante.
As tão faladas políticas públicas de juventude (PPJs) são para a juventude e são elaboradas também com a juventude. Isso mesmo: de/para/com juventude. Essas três preposições juntas formam um conceito mais fiel à ideia de protagonismo juvenil. Por isso, geralmente encontraremos num determinado evento o termo políticas públicas de/ para/com juventude. Se quisermos pensar a questão da inserção do jovem na sociedade, não podemos organizar uma política pública, um grande evento de conscientização, ou mesmo um pequeno debate sobre o tema, sem que o próprio jovem seja ator principal dessa ação. No desenvolvimento comunitário é “a mesma coisa”. Como fazer qualquer atividade para atingir uma “melhora da qualidade de vida” numa favela, sem estarmos diretamente “envolvidos com” seus moradores, os primeiros beneficiados? Politicamente falando, é muito complicado sustentar ações e práticas que não contêm a participação integral dos seus beneficiários.
A participação das “pessoas comuns” na política – tanto no tema atual das PPJs, quanto numa proposta de desenvolvimento transformador de uma comunidade etc. – é um valor do qual não podemos abrir mão se quisermos uma sociedade mais justa. Para haver justiça é preciso ouvir as vozes que clamam por justiça; na surdez coletiva, ninguém se libertará. E como diz Paulo Freire, ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho, os seres humanos se libertam em comunhão7.
Peguemos a questão dos direitos das negras e dos negros. Sabemos que existe uma luta histórica da própria população negra em busca de liberdade, dignidade, justiça e arrependimento para aqueles que os oprimiram. Quem é e tem que ser protagonista da luta negra? As próprias negras e os próprios negros! Quer dizer que um branco não se envolverá na luta contra o racismo ou em outras discussões relacionadas? É óbvio que deve haver envolvimento, mas não na condição de protagonista. Os brancos que reconhecem na causa negra uma causa (mais que) legítima, participam da luta negra enquanto coadjuvantes8. A “mesma coisa”9 se dá na participação dos homens na luta pelos direitos das mulheres, dos moradores das grandes cidades na causa dos trabalhadores sem-terra etc.
Se o grupo ao qual eu pertenço ou represento não faz parte diretamente de determinado grupo que reivindica justiça para si, nada me impede de tomar parte em suas lutas. Só preciso lembrar até que ponto pode ir minha ação sobre a dos outros, para que – ao invés de me colocar como paternalista ou manipulador, ou seja, ao invés de me alinhar com determinada prática já existente de tipo paternalista – eu possa de fato contribuir com a libertação e a autonomia desses grupos e não com a manutenção de sua exclusão.
Quem me conhece – e sabe que sou do sexo masculino, branco, classe média, morador da urbe etc. – poderia se perguntar por que então acredito nessas lutas de terceiros a ponto de me envolver direta ou indiretamente nelas. Eu poderia simplesmente dizer que é porque todos nós compartilhamos uma mesma coletividade; ou seja, se algo vai mal para uns, isso afeta a todos. Se há injustiça para alguém, afeta todo o coletivo. Dessa forma penso na justiça para mim e na justiça para os outros ao mesmo tempo. O meu protagonismo está diretamente ligado ao dos outros. Sendo coadjuvante e co-participante de outras lutas, acabo sendo também protagonista. Sem falar que atuar sobre minha própria autonomia para gerir minha inserção em tudo isso já dá um trabalho enorme... Reconhecer-me ou não como protagonista de uma determinada causa não me faz menos responsável pela coletividade.
Notas
1. AZEVEDO, Israel Belo de. O que é missão integral? Rio de Janeiro: MK Editora, 2005, p. 67.
2. Isaías 58.4b. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2004.
3. Isaías 58.6-7. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2001.
4. Mateus 5.6. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2004.
5. Trecho da música Certame que nos é proposto, da autoria de Roberto Diamanso, que integra o álbum Plantas e Habite-se.
6. Cf. LONGUINI NETO, Luiz. O novo rosto da missão: os movimentos ecumênico e evangelical no protestantismo latino-americano. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 71.
7. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 58.
8. Gosto de pensar do seguinte modo: os brancos serão sempre brancos, mas eles têm a possibilidade de participar, de alguma forma, de algo que eu chamaria de um devir negro.
9. Sempre entre aspas, porque a especificidade de cada luta precisa ser sempre considerada.
• Pedro Fornaciari Grabois é estudante de filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É membro da Missão Batista do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Atua ainda na Aliança Bíblica Universitária (ABU), na Rede FALE e na RENAS-Jovem.
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