Opinião
- 09 de abril de 2018
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Jornalistas cristãos – ética, pós-verdade e fake news
“A mídia é manipuladora”. Quem nunca ouviu essa afirmação ou mesmo falou essa e outras frases que criticam e colocam sob suspeita o trabalho da imprensa? Com a popularização da internet e das redes sociais isso se tornou cada vez mais comum. Mas por trás dessa entidade midiática estão os jornalistas, profissionais que são mais do que apenas engrenagens da grande máquina. Eles têm o papel de apurar, pesquisar, entrevistar, investigar, noticiar, revelar, informar, reportar, denunciar... E, querendo ou não, são eles que pautam as conversas do boteco da esquina, as brigas nas redes sociais, o debate na sala de aula, e, às vezes, as pregações de domingo à noite. Odiados e amados, para o bem ou para mau, os jornalistas influenciam o mundo. E como fica o cristão que atua nessa área? Como o jornalista cristão lida com a “epidemia” das fake news, com a pós-verdade, com a ética, ou a falta dela na profissão? Aliás, é possível glorificar a Deus com o jornalismo? Com a palavra, os jornalistas Laurentino Gomes, Marilia de Camargo Cesar, Carlos Eduardo Fernandes e Elsie Gilbert:
Por que as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos?
Laurentino Gomes: Boatos, rumores e notícias falsas sempre existiram e não são exclusivas do ambiente evangélico. No livro 1889, eu cito, por exemplo, uma fake news relacionada à Proclamação da República. No dia 14 de novembro de 1889, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro do escritor Euclides da Cunha, espalhou no Rio de Janeiro o boato de que o marechal Deodoro da Fonseca seria preso pelo governo imperial. Era mentira. Mas precipitou a queda da monarquia porque na madrugada seguinte o exército estava na rua para depor o gabinete do Visconde de Ouro Preto, o “primeiro-ministro” de Dom Pedro II. Hoje, as fake news se tornaram um problema bastante grave porque são rapidamente disseminadas pelas redes sociais, geralmente com o propósito deliberado de manipular a opinião pública. Há provas de que isso interferiu de forma decisiva, por exemplo, na eleição do último presidente americano, em 2016. Ou seja, fake news tem consequência política e pode mudar os rumos da história de um país.
Marília de Camargo: Não apenas entre evangélicos, mas entre brasileiros em geral. Nossa baixa formação educacional e pequeno senso crítico nos levam a não ter o hábito de questionar as informações, de checá-las. Não creio que isso seja mais forte entre evangélicos.
Carlos Fernandes: Penso que as fake news se espalham entre os evangélicos com a mesma velocidade e abrangência com que se disseminam entre todas as pessoas - afinal, os chamados crentes em Jesus estão nas mesmas redes sociais e consomem as mesmas notícias que quaisquer outros. A diferença, a meu ver, é no trato que é dado a elas. Parece que, entre os evangélicos, disseminar informes assume um caráter de missão, de obrigação; aquela coisa de alcançar o outro, com um inegável viés proselitista. Refiro-me, neste momento, a notícias de cunho essencialmente religioso, como: “pastor diz que o fim do mundo acontece no próximo Natal”, “astro pop declara que se encontrou com Cristo e resolveu virar eremita” ou “descoberta no Himalaia ossada que pode ser de Moisés”. Por mais absurdas que sejam, tais mensagens são repassadas adiante numa tentativa de, talvez, mostrar aos outros a realidade da Bíblia ou da fé evangélica. Mas isso, em todo caso, tem pouca relevância e tende a ser esquecido pelo leitor dali a um minuto e meio. O pior, e mais deletério, é a divulgação de fake news de conteúdo calunioso, capcioso ou político. Evangélicos têm sido vítimas fáceis do disse-me-disse virtual, e o corredor de igreja – aquele espaço onde, tradicionalmente, os evangélicos trocam ideias – tornou-se público e aberto a todos que estejam dispostos a um clique de mouse. Figurões do segmento, hábeis na manipulação com interesses particulares, aproveitam-se disso e lançam balões de ensaio que são contemplados e reproduzidos no ciberespaço pela boiada gospel. Em todos os casos (seja no das fake news inconsequentes; seja no das ações calculadas e plantadas), a repercussão ocorre pela falta de senso crítico e educação da massa evangélica, acostumada que está, historicamente, a crer em tudo que se diz, supostamente, em nome de Deus ou seguir toda orientação que vem do púlpito. Então, para sintetizar a resposta, as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos porque lhes falta discernimento - e aí pode-se incluir tanto o cognitivo quanto o espiritual.
Elsie Gilbert: Fake news é coisa tão antiga quanto a história humana. Começa com a “notícia” de que Deus, ao invés de Criador bondoso, tem na verdade uma relação ambivalente com o ser humano, obra prima de sua criação. Quase como se tivesse se arrependido de ter dotado o ser humano com tanta inteligência. "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal." (Gn 3.5). Fake news permeia a Bíblia de capa a capa e prova um elemento muito presente na natureza humana, nossa necessidade de acreditar em fatos, não a partir de evidências, mas a partir do que queremos ouvir, a partir do que o nosso coração pede. Somos todos vulneráveis à notícias falsas, desde o começo. Ao mesmo tempo em que somos vulneráveis, não acreditamos em tudo o que ouvimos, por isso desenvolvemos muitos sistemas de defesa para averiguar a veracidade das informações. Com o surgimento da imprensa e sua incrível capacidade de veicular informações, criamos leis para impor certas responsabilidades sobre quem detém o poder de influenciar outros com suas informações. Em resumo, desenvolvemos, ao longo da história humana, vários mecanismos de defesa contra a inverdade. O que considero novo é a revolução tecnológica pela qual transitamos e que nos permite veicular um "boato" com a mesma velocidade e alcance que uma notícia transmitida pelos tradicionais veículos de comunicação. Temos a capacidade tecnológica, mas não temos os mecanismos de defesa ainda instalados em nossa cultura. E por isto, a nossa vulnerabilidade aumentou.
>> Pós-verdade: Por que a palavra do ano escolhida pelo dicionário de Oxford em 2016 importa <<
Quais os principais desafios para um jornalista cristão em tempos de pós-verdade?
Laurentino Gomes: Os nossos grandes desafios no Jornalismo sempre foram o compromisso com verdade, o que envolve rigor na apuração das informações, discernimento no relacionamento com as fontes e respeito pelas pessoas que vão consumir o produto do nosso trabalho, sejam leitores, ouvintes, internautas ou telespectadores. Ou seja, nós temos o dever de sermos honestos, éticos e cuidadosos no exercício da nossa profissão. O jornalista é por natureza um formador de opinião pública. Portanto, tem responsabilidade enorme na maneira pela qual a sociedade é informada e reage às informações. As novas tecnologias, como a internet e, em especial, as redes sociais, tornaram o nosso trabalho mais complexo. Hoje, a informação é gerada e distribuída com velocidade infinitamente maior do que duas ou três décadas atrás. Isso exige que sejamos ainda mais criteriosos e responsáveis na apuração e na distribuição da informação.
Marília de Camargo: Ser ainda mais criterioso no trabalho de apuração e checagem das informações, ir atrás de fontes idôneas e de preferência sem agendas ocultas, apresentar sempre o outro lado, mesmo que este o incomode, ou seja, tentar ser um profissional ainda mais atento e cada vez menos ingênuo.
Carlos Fernandes: Trabalhar com os critérios básicos de checagem de informações, verificação de fontes, cotejamento de dados e honestidade intelectual. Isso, aliás, são desafios de todo jornalista. No caso do jornalista que é cristão (não gosto muito da classificação "jornalista cristão", já que as duas características não se complementam necessariamente), a responsabilidade ainda é maior, já que, por profissão de fé, quem crê em Cristo precisa seguir rigores que esta condição lhe traz – sobretudo, o compromisso com a verdade. No caso daqueles que se dedicam prioritariamente ao segmento cristão, como, aliás, é o meu caso, um desafio adicional é romper a barreira do “chapabranquismo”, engajamento e alinhamento que se espera, tacitamente, de um veículo de orientação cristã. Quebrar a ideia de que a circulação de informação no meio evangélico deve ter como objetivos o proselitismo, a promoção de líderes e o fortalecimento de instituições. Mormente nestes tempos de pós-verdade, quando o que vale mais é a abordagem, e não o fato, o jornalista que é cristão deve ter a noção de que vai nadar contra a corrente e que lhe cabe um papel praticamente redentor. Afinal, a verdade liberta.
Elsie Gilbert: O trabalho para o jornalista cristão é duplo: por um lado, ele precisa continuar a tradição de apurar fatos e se abster de reproduzir boatos, mas por outro lado, ele precisa ajudar o leitor a interpretar tais fatos sempre que possível. E para isto, ele precisa dominar a meta-narrativa cristã. Em outras palavras, ele precisa ajudar o leitor a compreender a relevância dos fatos a partir de sua cosmovisão cristã, sem medo de ofender ninguém. O jornalista não é neutro, nunca foi. Toda peça jornalística está inserida em alguma meta-narrativa que conduz o olhar de quem a criou. Se não ajudarmos as pessoas a perceber a relevância das notícias que veiculamos, ajudamos o inimigo da verdade a oferecer outra interpretação para as mesmas, assim como ele sempre fez, desde o jardim do Éden.
>> Engolidos Pela Cultura Pop – Arte, mídia, e consumo: uma abordagem cristã <<
Como glorificar a Deus por meio do jornalismo?
Laurentino Gomes: Acredito que o bom Jornalismo pode ser também um exercício de misericórdia e compaixão para com os nossos semelhantes. O tsunami de informação hoje é tão avassalador que deixa as pessoas assustadas e inseguras. Em vez de tornar a sociedade mais consciente e bem informada, produz ansiedade, intolerância e sofrimento. Por essa razão, nós, jornalistas, precisamos ser também curadores da informação. É preciso que, nesse mundo afogado em informação, os jornalistas sejam um ponto de referência de credibilidade e sensatez. Se somos pessoas de boa fé, devemos ter cuidado com o que espalhamos, ou deixamos de espalhar, nas redes sociais, especialmente em ano de eleições, como este. Não nos deixemos manipular pelas fake news.
Marília de Camargo: Os ambientes de redação costumam ser lugar de trabalho de pessoas mais céticas, intelectualizadas e racionais. Não é muito comum encontrar cristãos dedicados ali, mas não é impossível. Glorifica a Deus, acredito, tentarmos transmitir o amor de Deus sem usar palavras, apenas se for preciso, como disse São Francisco de Assis. E também tentar nos aproximar cada dia mais da pessoa que Ele sonhou que nós fôssemos, desenvolvendo nossos talentos com esforço e dedicação. Às vezes gosto da imagem de um jornalista como um escriba, dos tempos bíblicos, que registravam os fatos importantes da época e que foram eternizados pelas Escrituras. Ter essa dimensão deveria nos encher ainda de responsabilidade.
Carlos Fernandes: Da mesma forma como se pode glorificar a Deus através da varrição de ruas, da medicina, do telemarketing ou do direito: atuando com honestidade, motivações corretas e cuidado com o outro. A glória ao nome do Senhor será mais forte, no caso dos jornalistas, quanto menos clichês evangélicos forem necessários na transmissão da informação e mais os nossos textos, posts ou artigos tocarem a mente e o coração do leitor. E, a meu ver, isso se consegue à medida em que lhe oferecermos conteúdos de qualidade técnica, relevância informativa e responsabilidade editorial – de modo que, conforme Cristo previu e foi registrado em Mateus 5, as pessoas verão o nosso trabalho e glorificarão a nosso Pai.
*****
• Marilia de Camargo Cesar é jornalista e escritora. Trabalha no Valor Econômico como editora-assistente.
• Laurentino Gomes é jornalista com mais de 40 anos no exercício da profissão, autor dos livros ‘1808’, ‘1822’ e ‘1889’, todos ganhadores do Prêmio Jabuti de Literatura, e ‘O Caminho do Peregrino: seguindo os passos de Jesus na Terra Santa’, escrito em parceria com o pastor Osmar Ludovico da Silva.
• Carlos Eduardo Fernandes é jornalista há 27 anos, com atuação em revistas cristãs de informação (Vinde, Eclésia, Seara, Vida Cristã, Igreja, Cristianismo Hoje, Ultimato) e no segmento editorial evangélico, como editor e preparador de texto.
• Elsie B. C. Gilbert é jornalista e mestre em comunicação pela Wheaton College, Wheaton IL. Trabalha no Brasil como missionária enviada pela Equip Inc. Atualmente é responsável pela plataforma de comunicação da Rede Mãos Dadas.
Leia mais
>> As redes sociais estão manchadas de sangue
>> Sola Scriptura em tempos de pós-verdade
>> Boa semente em solo fértil
Por que as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos?
Laurentino Gomes: Boatos, rumores e notícias falsas sempre existiram e não são exclusivas do ambiente evangélico. No livro 1889, eu cito, por exemplo, uma fake news relacionada à Proclamação da República. No dia 14 de novembro de 1889, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro do escritor Euclides da Cunha, espalhou no Rio de Janeiro o boato de que o marechal Deodoro da Fonseca seria preso pelo governo imperial. Era mentira. Mas precipitou a queda da monarquia porque na madrugada seguinte o exército estava na rua para depor o gabinete do Visconde de Ouro Preto, o “primeiro-ministro” de Dom Pedro II. Hoje, as fake news se tornaram um problema bastante grave porque são rapidamente disseminadas pelas redes sociais, geralmente com o propósito deliberado de manipular a opinião pública. Há provas de que isso interferiu de forma decisiva, por exemplo, na eleição do último presidente americano, em 2016. Ou seja, fake news tem consequência política e pode mudar os rumos da história de um país.
Marília de Camargo: Não apenas entre evangélicos, mas entre brasileiros em geral. Nossa baixa formação educacional e pequeno senso crítico nos levam a não ter o hábito de questionar as informações, de checá-las. Não creio que isso seja mais forte entre evangélicos.
Carlos Fernandes: Penso que as fake news se espalham entre os evangélicos com a mesma velocidade e abrangência com que se disseminam entre todas as pessoas - afinal, os chamados crentes em Jesus estão nas mesmas redes sociais e consomem as mesmas notícias que quaisquer outros. A diferença, a meu ver, é no trato que é dado a elas. Parece que, entre os evangélicos, disseminar informes assume um caráter de missão, de obrigação; aquela coisa de alcançar o outro, com um inegável viés proselitista. Refiro-me, neste momento, a notícias de cunho essencialmente religioso, como: “pastor diz que o fim do mundo acontece no próximo Natal”, “astro pop declara que se encontrou com Cristo e resolveu virar eremita” ou “descoberta no Himalaia ossada que pode ser de Moisés”. Por mais absurdas que sejam, tais mensagens são repassadas adiante numa tentativa de, talvez, mostrar aos outros a realidade da Bíblia ou da fé evangélica. Mas isso, em todo caso, tem pouca relevância e tende a ser esquecido pelo leitor dali a um minuto e meio. O pior, e mais deletério, é a divulgação de fake news de conteúdo calunioso, capcioso ou político. Evangélicos têm sido vítimas fáceis do disse-me-disse virtual, e o corredor de igreja – aquele espaço onde, tradicionalmente, os evangélicos trocam ideias – tornou-se público e aberto a todos que estejam dispostos a um clique de mouse. Figurões do segmento, hábeis na manipulação com interesses particulares, aproveitam-se disso e lançam balões de ensaio que são contemplados e reproduzidos no ciberespaço pela boiada gospel. Em todos os casos (seja no das fake news inconsequentes; seja no das ações calculadas e plantadas), a repercussão ocorre pela falta de senso crítico e educação da massa evangélica, acostumada que está, historicamente, a crer em tudo que se diz, supostamente, em nome de Deus ou seguir toda orientação que vem do púlpito. Então, para sintetizar a resposta, as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos porque lhes falta discernimento - e aí pode-se incluir tanto o cognitivo quanto o espiritual.
Elsie Gilbert: Fake news é coisa tão antiga quanto a história humana. Começa com a “notícia” de que Deus, ao invés de Criador bondoso, tem na verdade uma relação ambivalente com o ser humano, obra prima de sua criação. Quase como se tivesse se arrependido de ter dotado o ser humano com tanta inteligência. "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal." (Gn 3.5). Fake news permeia a Bíblia de capa a capa e prova um elemento muito presente na natureza humana, nossa necessidade de acreditar em fatos, não a partir de evidências, mas a partir do que queremos ouvir, a partir do que o nosso coração pede. Somos todos vulneráveis à notícias falsas, desde o começo. Ao mesmo tempo em que somos vulneráveis, não acreditamos em tudo o que ouvimos, por isso desenvolvemos muitos sistemas de defesa para averiguar a veracidade das informações. Com o surgimento da imprensa e sua incrível capacidade de veicular informações, criamos leis para impor certas responsabilidades sobre quem detém o poder de influenciar outros com suas informações. Em resumo, desenvolvemos, ao longo da história humana, vários mecanismos de defesa contra a inverdade. O que considero novo é a revolução tecnológica pela qual transitamos e que nos permite veicular um "boato" com a mesma velocidade e alcance que uma notícia transmitida pelos tradicionais veículos de comunicação. Temos a capacidade tecnológica, mas não temos os mecanismos de defesa ainda instalados em nossa cultura. E por isto, a nossa vulnerabilidade aumentou.
>> Pós-verdade: Por que a palavra do ano escolhida pelo dicionário de Oxford em 2016 importa <<
Quais os principais desafios para um jornalista cristão em tempos de pós-verdade?
Laurentino Gomes: Os nossos grandes desafios no Jornalismo sempre foram o compromisso com verdade, o que envolve rigor na apuração das informações, discernimento no relacionamento com as fontes e respeito pelas pessoas que vão consumir o produto do nosso trabalho, sejam leitores, ouvintes, internautas ou telespectadores. Ou seja, nós temos o dever de sermos honestos, éticos e cuidadosos no exercício da nossa profissão. O jornalista é por natureza um formador de opinião pública. Portanto, tem responsabilidade enorme na maneira pela qual a sociedade é informada e reage às informações. As novas tecnologias, como a internet e, em especial, as redes sociais, tornaram o nosso trabalho mais complexo. Hoje, a informação é gerada e distribuída com velocidade infinitamente maior do que duas ou três décadas atrás. Isso exige que sejamos ainda mais criteriosos e responsáveis na apuração e na distribuição da informação.
Marília de Camargo: Ser ainda mais criterioso no trabalho de apuração e checagem das informações, ir atrás de fontes idôneas e de preferência sem agendas ocultas, apresentar sempre o outro lado, mesmo que este o incomode, ou seja, tentar ser um profissional ainda mais atento e cada vez menos ingênuo.
Carlos Fernandes: Trabalhar com os critérios básicos de checagem de informações, verificação de fontes, cotejamento de dados e honestidade intelectual. Isso, aliás, são desafios de todo jornalista. No caso do jornalista que é cristão (não gosto muito da classificação "jornalista cristão", já que as duas características não se complementam necessariamente), a responsabilidade ainda é maior, já que, por profissão de fé, quem crê em Cristo precisa seguir rigores que esta condição lhe traz – sobretudo, o compromisso com a verdade. No caso daqueles que se dedicam prioritariamente ao segmento cristão, como, aliás, é o meu caso, um desafio adicional é romper a barreira do “chapabranquismo”, engajamento e alinhamento que se espera, tacitamente, de um veículo de orientação cristã. Quebrar a ideia de que a circulação de informação no meio evangélico deve ter como objetivos o proselitismo, a promoção de líderes e o fortalecimento de instituições. Mormente nestes tempos de pós-verdade, quando o que vale mais é a abordagem, e não o fato, o jornalista que é cristão deve ter a noção de que vai nadar contra a corrente e que lhe cabe um papel praticamente redentor. Afinal, a verdade liberta.
Elsie Gilbert: O trabalho para o jornalista cristão é duplo: por um lado, ele precisa continuar a tradição de apurar fatos e se abster de reproduzir boatos, mas por outro lado, ele precisa ajudar o leitor a interpretar tais fatos sempre que possível. E para isto, ele precisa dominar a meta-narrativa cristã. Em outras palavras, ele precisa ajudar o leitor a compreender a relevância dos fatos a partir de sua cosmovisão cristã, sem medo de ofender ninguém. O jornalista não é neutro, nunca foi. Toda peça jornalística está inserida em alguma meta-narrativa que conduz o olhar de quem a criou. Se não ajudarmos as pessoas a perceber a relevância das notícias que veiculamos, ajudamos o inimigo da verdade a oferecer outra interpretação para as mesmas, assim como ele sempre fez, desde o jardim do Éden.
>> Engolidos Pela Cultura Pop – Arte, mídia, e consumo: uma abordagem cristã <<
Como glorificar a Deus por meio do jornalismo?
Laurentino Gomes: Acredito que o bom Jornalismo pode ser também um exercício de misericórdia e compaixão para com os nossos semelhantes. O tsunami de informação hoje é tão avassalador que deixa as pessoas assustadas e inseguras. Em vez de tornar a sociedade mais consciente e bem informada, produz ansiedade, intolerância e sofrimento. Por essa razão, nós, jornalistas, precisamos ser também curadores da informação. É preciso que, nesse mundo afogado em informação, os jornalistas sejam um ponto de referência de credibilidade e sensatez. Se somos pessoas de boa fé, devemos ter cuidado com o que espalhamos, ou deixamos de espalhar, nas redes sociais, especialmente em ano de eleições, como este. Não nos deixemos manipular pelas fake news.
Marília de Camargo: Os ambientes de redação costumam ser lugar de trabalho de pessoas mais céticas, intelectualizadas e racionais. Não é muito comum encontrar cristãos dedicados ali, mas não é impossível. Glorifica a Deus, acredito, tentarmos transmitir o amor de Deus sem usar palavras, apenas se for preciso, como disse São Francisco de Assis. E também tentar nos aproximar cada dia mais da pessoa que Ele sonhou que nós fôssemos, desenvolvendo nossos talentos com esforço e dedicação. Às vezes gosto da imagem de um jornalista como um escriba, dos tempos bíblicos, que registravam os fatos importantes da época e que foram eternizados pelas Escrituras. Ter essa dimensão deveria nos encher ainda de responsabilidade.
Carlos Fernandes: Da mesma forma como se pode glorificar a Deus através da varrição de ruas, da medicina, do telemarketing ou do direito: atuando com honestidade, motivações corretas e cuidado com o outro. A glória ao nome do Senhor será mais forte, no caso dos jornalistas, quanto menos clichês evangélicos forem necessários na transmissão da informação e mais os nossos textos, posts ou artigos tocarem a mente e o coração do leitor. E, a meu ver, isso se consegue à medida em que lhe oferecermos conteúdos de qualidade técnica, relevância informativa e responsabilidade editorial – de modo que, conforme Cristo previu e foi registrado em Mateus 5, as pessoas verão o nosso trabalho e glorificarão a nosso Pai.
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• Marilia de Camargo Cesar é jornalista e escritora. Trabalha no Valor Econômico como editora-assistente.
• Laurentino Gomes é jornalista com mais de 40 anos no exercício da profissão, autor dos livros ‘1808’, ‘1822’ e ‘1889’, todos ganhadores do Prêmio Jabuti de Literatura, e ‘O Caminho do Peregrino: seguindo os passos de Jesus na Terra Santa’, escrito em parceria com o pastor Osmar Ludovico da Silva.
• Carlos Eduardo Fernandes é jornalista há 27 anos, com atuação em revistas cristãs de informação (Vinde, Eclésia, Seara, Vida Cristã, Igreja, Cristianismo Hoje, Ultimato) e no segmento editorial evangélico, como editor e preparador de texto.
• Elsie B. C. Gilbert é jornalista e mestre em comunicação pela Wheaton College, Wheaton IL. Trabalha no Brasil como missionária enviada pela Equip Inc. Atualmente é responsável pela plataforma de comunicação da Rede Mãos Dadas.
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