Opinião
- 01 de setembro de 2008
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Jesus caminha sobre mares perigosos
Derval Dasilio
As ondas bravias, o mar encapelado, a noite escura da vida (Mt 14.22-33), se apresentam a cada passo como obstáculos que podem induzir à insegurança, ao desalento e ao medo do fracasso. Pior ainda: podem induzir-nos a acreditar num Deus silencioso, mas satisfeito com a adoração interesseira. A visão que a Bíblia oferece nos convoca a fazer uma revisão da vida de fé. Ou será que preferiremos manter nossa visão religiosa do mundo, preocupados com afirmações sobre a irreversibilidade do mal, ou sobre a luta entre “Deus e o diabo” (como no cinema que retrata o universo da superstição religiosa no Nordeste brasileiro, impedimento às transformações sociais)?
No evangelho pode-se perguntar sobre o silêncio de Deus a respeito dos esmagamentos do mundo faminto de justiça, triturado nas exclusões e opressões. Deus realmente silencia diante das desigualdades e das injustiças? Os tripulantes do barco em perigo gritam por socorro. Precisam da manifestação de Deus. A tempestade, a noite escura, coisas que místicos e não-místicos experimentam, são perigos e silêncios insuportáveis. Sempre! Jesus, presença de Deus entre os homens, compartilha nossos temores, medos, inseguranças, enquanto instila fé e segurança na ação de Deus. Jesus caminha sobre o mar, desprezando os riscos religiosos, mitológicos, da superstição determinista que cerca o homem e a mulher, o ser criado entregue ao fatalismo e à irreversibilidade do mal.
Os antigos consideravam o mar como o lugar onde habitavam monstros incontroláveis (no Antigo Testamento, freqüentemente Yahweh é encontrado em luta primordial contra monstros draconianos, habitantes do mar. Yahweh se sobrepõe a yammú -- monstro do mar -- em razão das condições precárias, injustiças desde os tempos primordiais, no mundo criado; a Bíblia vai referir-se à necessidade de uma “uma nova criação”, onde o mar não mais existe). Sob contextos mitológicos, fundamentalistas preferem situar essas figuras para identificar realidades do “mundo celestial”, espiritual, literalmente. Com desenvoltura se fala do “diabo”, de “satã”, de “satanás” e seus supostos disfarces.
Crenças ancestrais, dualistas, e suas cosmogonias dominam o universo da superstição no ambiente fundamentalista. A cosmogonia bíblica original, porém, dará considerável importância aos símbolos mitológicos que promovem o caos, ou que minimamente neles estão embutidos. A diferença está num aspecto iniludível: todas essas forças, sem exceção, são derrotadas pelo Filho do homem, e não há que se esperar, de Cristo, qualquer vitória a acrescentar-se sobre as forças do caos. Cristo já reina acima de todos os poderes do mal, diz a Bíblia.
Deus apresenta-se em Jesus Cristo como libertador dos determinismos sociais, políticos, e até dos determinismos biológicos. É um conforto existencial indispensável para homens e mulheres angustiados, inseguros, temerosos. Não podemos exigir mais do que a certeza de um mundo transformado, na manifestação de Deus em Jesus. O ensinamento essencial de Jesus aponta: Deus está no mesmo barco, conosco. Deus está ao lado dos que sofrem violência; dos que são excluídos do mundo privilegiado. Debaixo de um silêncio sutil, somos chamados a buscar forças na fé e na confiança sobre os atos de Deus; somos convidados a lutar contra elementos adversos e a “caminhar sobre as ondas”, como Jesus, debaixo de tempestades, dentro da noite escura do mundo excludente, violento, desigual.
Contudo devemos abrir os olhos e a mente. Jesus caminha por cima das águas bravias que escondem os monstros horripilantes da injustiça, do desrespeito aos direitos fundamentais do homem e da mulher, da fome, da miséria e da violência. Crenças religiosas e superstições sufocam a fé e a confiança na obra salvadora de Deus. Não é uma história boa para se contar às vítimas da monstruosidade explícita no cotidiano da pobreza e da miséria. Esses monstros, longe de estar escondidos nos mares profundos, permanecem à luz do dia como uma terrível ameaça contra o reinado de Deus. Jesus nos convida a navegar sem temor ou tremor sobre os mares da vida.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida e professor do Centro de Formação Teológica Richard Shaull, em Vitória, ES.
As ondas bravias, o mar encapelado, a noite escura da vida (Mt 14.22-33), se apresentam a cada passo como obstáculos que podem induzir à insegurança, ao desalento e ao medo do fracasso. Pior ainda: podem induzir-nos a acreditar num Deus silencioso, mas satisfeito com a adoração interesseira. A visão que a Bíblia oferece nos convoca a fazer uma revisão da vida de fé. Ou será que preferiremos manter nossa visão religiosa do mundo, preocupados com afirmações sobre a irreversibilidade do mal, ou sobre a luta entre “Deus e o diabo” (como no cinema que retrata o universo da superstição religiosa no Nordeste brasileiro, impedimento às transformações sociais)?
No evangelho pode-se perguntar sobre o silêncio de Deus a respeito dos esmagamentos do mundo faminto de justiça, triturado nas exclusões e opressões. Deus realmente silencia diante das desigualdades e das injustiças? Os tripulantes do barco em perigo gritam por socorro. Precisam da manifestação de Deus. A tempestade, a noite escura, coisas que místicos e não-místicos experimentam, são perigos e silêncios insuportáveis. Sempre! Jesus, presença de Deus entre os homens, compartilha nossos temores, medos, inseguranças, enquanto instila fé e segurança na ação de Deus. Jesus caminha sobre o mar, desprezando os riscos religiosos, mitológicos, da superstição determinista que cerca o homem e a mulher, o ser criado entregue ao fatalismo e à irreversibilidade do mal.
Os antigos consideravam o mar como o lugar onde habitavam monstros incontroláveis (no Antigo Testamento, freqüentemente Yahweh é encontrado em luta primordial contra monstros draconianos, habitantes do mar. Yahweh se sobrepõe a yammú -- monstro do mar -- em razão das condições precárias, injustiças desde os tempos primordiais, no mundo criado; a Bíblia vai referir-se à necessidade de uma “uma nova criação”, onde o mar não mais existe). Sob contextos mitológicos, fundamentalistas preferem situar essas figuras para identificar realidades do “mundo celestial”, espiritual, literalmente. Com desenvoltura se fala do “diabo”, de “satã”, de “satanás” e seus supostos disfarces.
Crenças ancestrais, dualistas, e suas cosmogonias dominam o universo da superstição no ambiente fundamentalista. A cosmogonia bíblica original, porém, dará considerável importância aos símbolos mitológicos que promovem o caos, ou que minimamente neles estão embutidos. A diferença está num aspecto iniludível: todas essas forças, sem exceção, são derrotadas pelo Filho do homem, e não há que se esperar, de Cristo, qualquer vitória a acrescentar-se sobre as forças do caos. Cristo já reina acima de todos os poderes do mal, diz a Bíblia.
Deus apresenta-se em Jesus Cristo como libertador dos determinismos sociais, políticos, e até dos determinismos biológicos. É um conforto existencial indispensável para homens e mulheres angustiados, inseguros, temerosos. Não podemos exigir mais do que a certeza de um mundo transformado, na manifestação de Deus em Jesus. O ensinamento essencial de Jesus aponta: Deus está no mesmo barco, conosco. Deus está ao lado dos que sofrem violência; dos que são excluídos do mundo privilegiado. Debaixo de um silêncio sutil, somos chamados a buscar forças na fé e na confiança sobre os atos de Deus; somos convidados a lutar contra elementos adversos e a “caminhar sobre as ondas”, como Jesus, debaixo de tempestades, dentro da noite escura do mundo excludente, violento, desigual.
Contudo devemos abrir os olhos e a mente. Jesus caminha por cima das águas bravias que escondem os monstros horripilantes da injustiça, do desrespeito aos direitos fundamentais do homem e da mulher, da fome, da miséria e da violência. Crenças religiosas e superstições sufocam a fé e a confiança na obra salvadora de Deus. Não é uma história boa para se contar às vítimas da monstruosidade explícita no cotidiano da pobreza e da miséria. Esses monstros, longe de estar escondidos nos mares profundos, permanecem à luz do dia como uma terrível ameaça contra o reinado de Deus. Jesus nos convida a navegar sem temor ou tremor sobre os mares da vida.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida e professor do Centro de Formação Teológica Richard Shaull, em Vitória, ES.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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