Opinião
- 07 de janeiro de 2009
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Insuficiência da oração e ambivalência da experiência de fé (parte 1)
A maioria das pessoas, quando acometida por um problema de natureza física, não apela a Deus de imediato, mas sim a consultas e tratamentos médicos disponibilizados na era da tecnociência. Isto, a princípio, não significa “negação da fé”, mas deixa perguntas que são relevantes para uma reflexão teológica sobre o tema da oração.
Em épocas remotas, este comportamento, mesmo de crentes, seria considerado um forte indício de apostasia da fé em Yahweh, o Deus que cura todas as enfermidades do seu povo. Hoje, infelizmente, a prática de oração goza de quase nenhuma credibilidade da chamada espiritualidade evangélica brasileira. Será que Deus resolveu se submeter à lógica tecnocrática da sociedade moderna, realizando milagres somente através da demonstração de eficiência da razão tecnocientífica?
Dizer que esta realidade configura uma sociedade atéia, me parece questionável. Na verdade existe fé mesmo neste “admirável mundo novo”. O que parece ter mudado foi o “nome do sujeito proponente” que aquinhoa o objetivo pretendido pela necessidade daqueles que se sentem incapazes de lutar com algo que lhes ultrapassa as próprias forças.
E que mudança foi essa? Erich Fromm responderia, numa penetrante reflexão sobre o advento da sociedade tecnocientífica moderna, que Deus não morreu: só mudou de nome. Passou a se chamar: tecnociência. Afinal, um ser perfeito não pode ser substituído por um ser falível. Fomos convencidos a aceitar este dogma da sociedade tecnocientífica. Para cada problema que surge na sociedade contemporânea, inventa-se uma nova especialidade capaz de exercer sua função hetero-redentiva, saciando o desejo solicitante de quem tem dinheiro para pagar pelo milagre prometido por cada uma delas.
Uma outra variável que se associa à primeira parte de nossa reflexão é a secularização dos ideais de progresso. Crentes e não-crentes, cristãos e ateus, brancos e negros, pobres e ricos, todos parecem estar unidos em um só empreendimento na vida moderna: trabalhar para melhorar as condições socioeconômicas de vida. O trabalho se transformou no ópio da sociedade sem religião. Ele se revestiu de um caráter simbólico capaz de produzir divisões profundas entre os elos de afetividade mais fortes. Um marido desempregado, por exemplo, pode ser desrespeitado pela esposa quando não está trabalhando; um filho pode ser abandonado e mal falado pelo pai ou pela mãe quando não trabalha; um amigo pode ser considerado “descansado” quando, por falta de trabalho, ter que solicitar uma ajuda de seus amigos mais próximos.
Há uma crença calvinista que ainda é valorizada nos dias de hoje e que enobrece o trabalho o homem, e que diz que Deus nada faz por quem não trabalha. Isto é, de acordo com a interpretação da ética calvinista feita por Max Weber: “Deus ajuda quem se ajuda”.
A sociedade do trabalho, no entanto, não enaltece o trabalho em si mesmo, mas sim o resultado que se deseja obter através dele: o progresso econômico, o sucesso profissional, o reconhecimento social, o status quo, etc. Ademais, a psicologia do trabalho produz senso de inclusão nas pessoas, e, por isso mesmo, ela tem um valor terapêutico para todos os que desejam ser identificados como atores sociais produtivos e aptos para o consumo. Mas o trabalho produtivo é aquele que produz grandes quantias de dividendos. Trabalhador virtuoso para a sociedade do trabalho é aquele que se dedica mais, que o funde em sua vida, e faz dele uma atividade permanente que gera capital. Slogans como: “tempo é dinheiro” e “o ambiente do trabalho é um santuário de dedicação” são afirmações que corroboram esta psicologia do trabalho capitalista.
A conseqüência moral desta vida para o trabalho pode ser constatada no escasso tempo que crentes dedicam à oração. Este é sempre pequeno para se encaixar na tumultuada agenda do cotidiano. O excesso de trabalho produz cansaço, stress, muitas responsabilidades e coisas do gênero, o que acaba produzindo, via de regra, o desinteresse pelo desenvolvimento da vida devocional. Continua...
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
Em épocas remotas, este comportamento, mesmo de crentes, seria considerado um forte indício de apostasia da fé em Yahweh, o Deus que cura todas as enfermidades do seu povo. Hoje, infelizmente, a prática de oração goza de quase nenhuma credibilidade da chamada espiritualidade evangélica brasileira. Será que Deus resolveu se submeter à lógica tecnocrática da sociedade moderna, realizando milagres somente através da demonstração de eficiência da razão tecnocientífica?
Dizer que esta realidade configura uma sociedade atéia, me parece questionável. Na verdade existe fé mesmo neste “admirável mundo novo”. O que parece ter mudado foi o “nome do sujeito proponente” que aquinhoa o objetivo pretendido pela necessidade daqueles que se sentem incapazes de lutar com algo que lhes ultrapassa as próprias forças.
E que mudança foi essa? Erich Fromm responderia, numa penetrante reflexão sobre o advento da sociedade tecnocientífica moderna, que Deus não morreu: só mudou de nome. Passou a se chamar: tecnociência. Afinal, um ser perfeito não pode ser substituído por um ser falível. Fomos convencidos a aceitar este dogma da sociedade tecnocientífica. Para cada problema que surge na sociedade contemporânea, inventa-se uma nova especialidade capaz de exercer sua função hetero-redentiva, saciando o desejo solicitante de quem tem dinheiro para pagar pelo milagre prometido por cada uma delas.
Uma outra variável que se associa à primeira parte de nossa reflexão é a secularização dos ideais de progresso. Crentes e não-crentes, cristãos e ateus, brancos e negros, pobres e ricos, todos parecem estar unidos em um só empreendimento na vida moderna: trabalhar para melhorar as condições socioeconômicas de vida. O trabalho se transformou no ópio da sociedade sem religião. Ele se revestiu de um caráter simbólico capaz de produzir divisões profundas entre os elos de afetividade mais fortes. Um marido desempregado, por exemplo, pode ser desrespeitado pela esposa quando não está trabalhando; um filho pode ser abandonado e mal falado pelo pai ou pela mãe quando não trabalha; um amigo pode ser considerado “descansado” quando, por falta de trabalho, ter que solicitar uma ajuda de seus amigos mais próximos.
Há uma crença calvinista que ainda é valorizada nos dias de hoje e que enobrece o trabalho o homem, e que diz que Deus nada faz por quem não trabalha. Isto é, de acordo com a interpretação da ética calvinista feita por Max Weber: “Deus ajuda quem se ajuda”.
A sociedade do trabalho, no entanto, não enaltece o trabalho em si mesmo, mas sim o resultado que se deseja obter através dele: o progresso econômico, o sucesso profissional, o reconhecimento social, o status quo, etc. Ademais, a psicologia do trabalho produz senso de inclusão nas pessoas, e, por isso mesmo, ela tem um valor terapêutico para todos os que desejam ser identificados como atores sociais produtivos e aptos para o consumo. Mas o trabalho produtivo é aquele que produz grandes quantias de dividendos. Trabalhador virtuoso para a sociedade do trabalho é aquele que se dedica mais, que o funde em sua vida, e faz dele uma atividade permanente que gera capital. Slogans como: “tempo é dinheiro” e “o ambiente do trabalho é um santuário de dedicação” são afirmações que corroboram esta psicologia do trabalho capitalista.
A conseqüência moral desta vida para o trabalho pode ser constatada no escasso tempo que crentes dedicam à oração. Este é sempre pequeno para se encaixar na tumultuada agenda do cotidiano. O excesso de trabalho produz cansaço, stress, muitas responsabilidades e coisas do gênero, o que acaba produzindo, via de regra, o desinteresse pelo desenvolvimento da vida devocional. Continua...
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
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