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Notícias

Influências no movimento de tradução da Bíblia

A participação crescente da igreja segue uma tendência crucial, ou seja, há avanços impossíveis de se obter sem esse engajamento

Por Raquel Villela Alves

Avanços tecnológicos, alterações geopolíticas e modelo colaborativo de trabalho são algumas tendências contemporâneas que têm impactado o movimento de tradução da Bíblia e que foram abordadas por Stephen Coertze, diretor executivo da Aliança Global Wycliffe (AGW), em conversa com líderes de organizações envolvidas com tradução da Bíblia no Brasil, no final do mês de abril.

Coertze é o líder global da AGW e essa foi sua primeira vez no Brasil. Ele observou que as influências da sociedade são inevitáveis, mas é importante entendê-las através da lente dos fundamentos da organização para então reagir a elas. Considerando que nem todas são universais, Coertze quis conhecer as tendências do Brasil e compartilhar algumas de impacto global.

A influência que vem de fora
Um impacto bastante significativo na tradução da Bíblia, segundo Coertze, veio “como resultado da Covid 19. A maioria dos estrangeiros voltaram para suas terras de origem e as organizações não tiveram muita dificuldade em encontrar pessoas locais para cumprir aquelas funções. Começaram a descobrir que possuem dentro do país os recursos necessários e que há novas possibilidades de financiamento para seus ministérios. Muito daquilo que traziam de fora talvez não fosse realmente necessário para o êxito do ministério”. Ele entende que a agenda de globalização continuará a impactar aquilo que fazemos, mas perdeu força para esse outro fenômeno, que tem levado pessoas e organizações a priorizarem recursos internos para suas atividades.

Ainda como decorrência da pandemia, Coertze citou que as plataformas digitais, como WhatsApp e Zoom, mudaram a forma como lidamos com a parte administrativa. A consultoria de alguns projetos começou a ser feita à distância e, assim, “podemos romper ‘engarrafamentos’ na tradução”. Outros avanços tecnológicos digitais, como a Inteligência Artificial (IA) estão sendo consideradas no contexto da tradução da Bíblia.

A instabilidade geopolítica mundial, a possibilidade de mais conflitos militares e a formação de novas alianças também têm repercutido em organizações da AGW. Um exemplo é a guerra entre Rússia e Ucrânia, que levou a Wycliffe Rússia a liberar seus membros quando o país recrutou a membresia das organizações para o serviço militar. Houve repercussão dentro das famílias também, pois 80% dos membros na Rússia são casados com ucranianas.

No que se refere à estrutura financeira mundial, a instabilidade de recursos deve resultar em dificuldades crescentes para as organizações em projetos dependentes de recursos externos. Pela perspectiva demográfica, considerando que 50% da população mundial está abaixo dos 30 anos de idade, Coertze questiona se “estamos colocando nossos ministérios acessíveis aos jovens para que possam participar deles”. Falou ainda do acentuado movimento de pessoas e povos por todo o mundo, que pode possibilitar contato próximo com representantes de comunidades linguísticas que até então se mantinham completamente isoladas.

Tendências dentro do movimento de tradução
No ambiente interno, o Diretor Executivo falou do esforço maior para traduzir línguas de sinais e suprir ministérios orais com recursos e ferramentas. Apontou a tradução completa da Bíblia como forte tendência, observando que até recentemente “havia uma abordagem missiológica, com o entendimento de que a tradução seria uma ferramenta para levar pessoas a Cristo. Não há nada de errado com a abordagem, mas gerou um processo estratégico onde se via a tradução somente do Novo Testamento”. Isso levou agências financiadoras a só investirem em traduções do NT. Coertze diz que a “Bíblia da Lacuna”, da Jocum, ajudou a mudar essa mentalidade. “O que eles fizeram foi apagar partes do NT que faziam referência ao AT. O resultado é que sobrou menos de 25% do NT.”

A participação crescente da igreja segue uma tendência crucial, ou seja, há avanços impossíveis de se obter sem esse engajamento. É o caso do treinamento de tradutores. “É importante demais. É uma das chaves para ter as Escrituras com qualidade”, avalia Coertze, acrescentando que a interação com a igreja agrega conteúdo, como os aspectos teológicos. O esforço recente em formar consultores continua válido, “mas o trabalho deles será muito menor se os tradutores fizerem o que têm de fazer”. Celebrou a declaração de critérios para consultoria, após vários anos de desenvolvimento em equipe no âmbito do FOBAI (sigla em inglês para Fórum de Agências Bíblicas Internacionais), que teve sua última edição de 9 a 12 de abril no Brasil, organizado pela Sociedade Bíblica do Brasil.



O aspecto de equipe, ou colaboração, foi valorizado repetidas vezes. “É mais do que conversar uns com outros. É uma forma coletiva de crescer em maturidade espiritual para os povos serem abençoados. Cada organização pode contribuir e receber de outras, compartilhando dons e talentos. Colaboração nos leva adiante numa parceria. Em parceria lidamos com contratos e em colaboração lidamos com confiança e amizade, que pode incluir contratos.”

Destaques no Brasil
Stephen Coertze ouviu relatos de líderes brasileiros e demonstrou especial interesse pela atuação colaborativa no âmbito da Aliança Pró-Tradução da Bíblia, da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB). O Brasil foi o primeiro país do mundo a adotar esse modelo, que é semelhante ao das mesas de diálogo, ou apenas Mesas, de outros países da América Latina. Ele vê potencial para esse modelo de funcionamento ser replicado em outras regiões do mundo.

Outro destaque foi a gestão de dados, desde o registro das informações até a forma de apresentá-las, assegurando utilidade para o trabalho na área e para mobilização. O diretor da região das Américas da AGW, David Cárdenas, solicitou apoio do Brasil para que outras Mesas iniciem ou aprimorem seus sistemas de dados. O investimento em recursos para povos de tradição oral foi também observado, assim como o compartilhamento de recursos em treinamentos e a ação dos indígenas na tradução da Bíblia. O Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei) tem participado da construção de soluções semelhantes de colaboração entre lideranças indígenas de outros países.
  • Raquel Villela Alves é membro colaboradora da Missão ALEM, coordenadora de tradução na área de comunicação de COMIBAM, coordenadora da Aliança Pró-Tradução da Bíblia e da intercessão missionária na AMTB e representante no Brasil da Rede de Oração Ethne (formada por organizações comprometidas com povos não alcançados).

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Saiba mais:
» A Igreja: Uma teologia bíblica da missão toda, John Stott e Tim Chester
» Evangelização ou Colonização? – O risco de fazer missão sem se importar com o outro, Analzira Nascimento
» A tradução da Bíblia como meio de preservação de línguas indígenas, por Raquel Villela Alves
» A história do Novo Testamento em Ninam, por Carole Lee Swain, Jacqueline dos Santos e Maria Rosa Monte
» Relato da contribuição do Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics) para a preservação de línguas indígenas, por Sarah Caroline Gudschinsky

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