Apoie com um cafezinho
Olá visitante!
Cadastre-se

Esqueci minha senha

  • sacola de compras

    sacola de compras

    Sua sacola de compras está vazia.
Seja bem-vindo Visitante!
  • sacola de compras

    sacola de compras

    Sua sacola de compras está vazia.

Opinião

Indígenas do Brasil: paradoxos, perdas e desafios

O cenário indígena no Brasil vivencia um paradoxo. Sofre intensas e rápidas transformações e, por outro lado, experimenta angustiante letargia. As transformações resultam, sobretudo, da crescente urbanização. E a letargia é observada nos gritos por mudanças urgentes que jamais chegam.

Hoje, cerca da metade da população indígena nacional vive em centros urbanos fora dos aldeamentos1. As fontes de atração são, em sua maioria, derivadas da limitação do Estado no suprir de necessidades básicas de educação e saúde em terras indígenas. Associada a estas carências a bolsa família, vinculada a idas compulsórias e regulares à cidade mais próxima, orquestra um cenário de urbanização sem planejamento. Não são poucos os indígenas que vivem às margens das cidades sem qualquer assistência que promova adaptação e bem estar social. Alguns poucos ultrapassam as barreiras impostas e conseguem, com graves esforços pessoais, inserir-se na sociedade e, normalmente por meio da profissionalização, usufruir de sua conjuntura social. A maioria, porém, sofre em consequência da falta de trilhos para se estabelecer em uma nova terra sem que se perca a língua, a cultura e a própria dignidade.

Selvagem ou herói?


Para mudarmos as políticas públicas é necessário mudarmos a nós mesmos. No pensamento coletivo brasileiro o indígena ainda é frequentemente visto como selvagem ou herói, ignorante ou puro, não como um ser humano que vivencia diferenças e anseios próprios. Esta visão tacanha resulta de uma projeção da própria sociedade que pinta o quadro como pensa ser em seu imaginário distanciado e romântico – e não como de fato é.

As populações indígenas do Brasil foram marcadas até nossos dias por perdas. Calcula-se que havia 1,5 milhão2 de indígenas no Brasil do século 16, os quais, irreparavelmente, somam hoje não mais de 900 mil. Infelizmente essa realidade etnofágica vai muito além das estatísticas e das palavras, pois é composta por faces, vidas, histórias e culturas milenares, as quais têm sofrido ao longo dos séculos a devassa dos conquistadores, a forte imposição socioeconômica e perdas sociais irreparáveis. A sociedade indígena ainda vive hoje sob o perigo de extinção. Não necessariamente extinção demográfica, mas, igualmente severa, quando se perde língua, história, cultura e direito de ser diferente e pensar diferente convivendo em um território igual.

A vitalidade da identidade étnica tem, como um dos seus sinais, o uso da língua tradicional. O cenário é desolador, pois 27% das línguas sul-americanas não são mais aprendidas pelas crianças3 e, das mais de 1.200 línguas faladas na época da conquista, mais de 80% se perdeu4. A perda da língua está associada a perdas culturais complexas, como a transmissão do conhecimento, formas artísticas, tradições orais, perspectivas ontológicas e cosmológicas. No processo de transição, quando a língua materna cai em desuso, normalmente há fortes – e as vezes irreversíveis – consequências sociais. Nenhuma delas é positiva.

A sociedade evangélica possui como compromisso respeitar e promover o uso das línguas tradicionais indígenas, responder às suas demandas por educação e saúde e buscar cooperação para que tenham uma vida digna, seja em suas terras tradicionais ou nos centros urbanos. Dentro de um amplo universo de ações sociopolíticas a força evangélica missionária se esforça para cooperar especialmente em três áreas: preservação da língua (com a grafia e consequente preservação de diversas línguas); educação (tanto na língua materna quanto na educação formal em apoio a programas governamentais); e saúde (nas aldeias ou em centros clínicos e hospitalares).

Evangelização versus catequese

As ações evangélicas são evangelizadoras, pois é da natureza da Igreja partilhar sua fé. Esta evangelização, seja entre indígenas ou outros segmentos socioculturais, jamais deve ser impositiva ou manipuladora, pois se dá entre salvaguardas de amor e respeito – que são bíblicas. Para tal, deve-se fazer a diferença entre evangelização e catequese5. Por catequese me refiro a qualquer modelo – cristão ou não cristão, católico ou evangélico – que se baseie (1) na imposição dos valores, em lugar de sua exposição, (2) nos códigos de quem transmite e não de quem recebe, (3) na intenção de promover adesão institucional e não transformação pessoal.

Enquanto a evangelização se dá com os códigos do ouvinte (língua materna e cultura), a catequese ocorre com os códigos de quem transmite. A evangelização se concentra na mensagem do Evangelho a ser transmitida, enquanto a catequese se centraliza nos símbolos e estrutura da igreja que o faz. Se por um lado a evangelização tem como alvo o povo e o conhecimento de Cristo, a catequese visa a igreja-instituição e seu fortalecimento político religioso. A evangelização é pessoal e relacional, uma vez que utiliza de processos de conversação, exposição e discipulado, que visa o entendimento e aplicação da mensagem. A catequese é impositiva e distanciada, pois ocorre no ensino unilateral e em um ambiente de transmissão sem conversação, puramente litúrgico.

O evangelho, como encarnado e exposto por Jesus Cristo, jamais será motivo de alienação social ou imposição de credo, seja para indígenas ou não indígenas. Ao contrário, é a verdade que dá sentido à vida, liberta do pecado e reconstrói a esperança.

Notas:
1. Indígenas do Brasil – Relatório da Associação de Missões Transculturais Brasileiras, 2010. www.indigena.org.br.
2. Antropólogos da ALAB falam em até 5 milhões.
3. KRAUSS, Michael. The world's languages in crisis. Language, 68, 6-10. 1992
4. RODRIGUES, Aryon. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. DELTA, v. 9, n.1, p. 83-103. 1993.
5. LIDORIO, Ronaldo. Introdução à Antropologia Missionária. Editora Vida Nova, 2011.

Leia também
“Estamos sofrendo perseguição religiosa”
Indígenas do Brasil – avaliando a missão da igreja
A questão indígena – uma questão desigual

Foto: Elza Fiúza/ABr
Ronaldo Lidório é teólogo e antropólogo, missionário (APMT e WEC) entre grupos pouco ou não evangelizados. É organizador de Indígenas do Brasil -- avaliando a missão da igreja e A Questão Indígena -- Uma Luta Desigual.
  • Textos publicados: 44 [ver]

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.

Ultimato quer falar com você.

A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.

PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.


Leia mais em Opinião

Opinião do leitor

Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta

Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.