Opinião
- 20 de novembro de 2009
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Impureza sexual tem cura? (parte 2)
Além disso, na medida em que estupra a si mesmo o indivíduo não tem mais porque resistir ao estupro do outro; se um corpo humano é instrumentalizado, todos o são igualmente por um princípio de reciprocidade (exatamente da mesma forma como o amor a mim mesmo e o amor ao próximo estão unidos). A afirmação da liberdade humana passa a equivaler assim à instrumentalização generalizada do corpo, com o desenvolvimento de uma nova ética sexual pública (sim, exatamente como o faz atualmente o Estado brasileiro), que pretende plausibilizar a distinção entre pessoa e seu corpo sexual policiando questionamentos públicos dessa distinção (do que a PLC 122/06 é apenas um exemplo). A ética sexual secular é a ética da desonra.
Impureza sexual e desonra na Bíblia
Ora, o que descrevemos acima é o que Paulo diz em Romanos 1. 24-27: que os homens rejeitaram o conhecimento de Deus e foram por isso entregues às concupiscências do seu coração, “para desonrarem os seus corpos entre si”, mudando o modo de suas relações íntimas, praticando coisas contra a natureza etc. Não é por acaso que o apóstolo associa a concupiscência à desonra do próprio corpo e do corpo do outro. É que a concupiscência leva ao desamor; cessa o amor por mim mesmo e pelo meu próximo, e o fim do amor aparece em nossa relação com o símbolo da alma, que é o corpo. A impureza sexual traz dentro de si o desprezo do indivíduo por si mesmo e pelo seu próximo.
É Paulo quem diz de novo: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1Co 6.18).
Graças a Deus por um verso tão claro: a impureza sexual é o pecado do homem contra si mesmo; é a contradição, a desonra do próprio corpo, que deixa de ser tratado como o santuário de Deus, destinado à ressurreição dos mortos. Pois a impureza trata o corpo como um instrumento descartável, como alguns crentes helenistas faziam: “Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele”. Em outras palavras, “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. Não há futuro para o corpo; ele é só uma ferramenta temporária. Por isso alguns dos Coríntios até perderam a fé na ressurreição (1Co 15). Por trás da desonra do corpo está o desespero.
Paulo prossegue, afirmando que aquele que se une à prostituta é uma só carne com ela, e o que se une ao Senhor é um espírito com ele; e que não podemos tornar os membros de Cristo membros de uma meretriz. Ora, tudo isso implica que o corpo não pode ser concebido à parte do eu. O seu destino é o mesmo do eu; as suas relações são as mesmas do eu. Se dou meu corpo à meretriz, dei-lhe também minha alma; se dou a Cristo a minha alma, dei-lhe também o meu corpo. Para Paulo, o hebreu, era inconcebível imaginar que o corpo pudesse ser empregado de qualquer jeito, impunemente, segundo o delírio dos gnósticos. Amar a Deus, amar ao próximo, amar a si -- tudo isso implica honrar o corpo: “Que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra, não com o desejo de lascívia, como os gentios que não conhecem a Deus; e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas coisas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador” (1Ts 4.4-6).
O ensino não permanece consistente? O corpo deve ser honrado; ceder à lascívia é desonra; usar o corpo do outro é desonrá-lo, defraudá-lo reduzindo seu valor. Desonrar o corpo é matar e morrer; é tentar separar o interno e o externo, mas destruir ambos.
Da desonra à consistência através da esperança
O que me impressiona é que o remédio de Paulo para a impureza-desonra do corpo seja escatológico. Ele poderia ter prescrito chás, banhos frios, ou quem sabe uma boa terapia, mas em vez disso lança sobre os pobres fornicadores de Corinto um petardo teológico: “O corpo não é para a impureza, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo. Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará a nós pelo seu poder” (1Co 6.14).
De que modo a ressurreição é uma resposta? Em primeiro lugar, ela é o inverso da desonra do corpo; é a honraria absoluta. Ela significa que o corpo tem um valor singular e eterno -- pois se destina ao próprio Senhor. A doutrina da ressurreição nos diz que o prêmio máximo para o eu é a vitalidade eterna do seu corpo; que a vida espiritual que habita no homem interior finalmente brilhará -- embora, como dissemos, com algum atraso -- através do homem exterior. Portanto, vale a pena amar o corpo e honrá-lo.
Ora, isso é o que chamamos antes de consistência ou integridade. No núcleo da ética sexual cristã deve estar a seguinte doutrina: que o corpo não deve ser o que a alma não pode ser. O corpo e a alma devem estar juntos, e o corpo deve se tornar transparente ao espírito. Ou seja, não posso ser no corpo o que não puder ser no coração. Meu corpo deve se tornar translúcido em minhas relações com o meu próximo. Minha face não pode ser uma máscara a ocultar minhas intenções, mas uma janela para meu homem interior; meu corpo deve ser amado e honrado -- seja ele alto ou baixo, novo ou velho, bonito ou feio, gordo ou magro -- porque o seu valor é o valor da minha alma. Ele é o símbolo, a parte visível daquilo que tem valor incondicional. Devo unir-me ao meu corpo, de modo que o meu coração fique à flor da pele.
Por isso, não posso me relacionar sexualmente com alguém se não puder entregar a minha alma na mesma proporção. Se amo a Deus, amo a mim mesmo. Se amo a mim mesmo, amo ao meu corpo, que é a superfície visível do que eu amo. E se compreendo a natureza do corpo, compreendo que o amor ao próximo é mediado pela sacralidade do seu corpo, e que o seu amor por mim é mediado pela sacralidade do meu próprio corpo. Quem quer instrumentalizar o corpo do outro não o ama, nem se ama; quem aceita ser desonrado pelo outro também não se ama.
E a esperança? É aquilo que abre meus olhos para o valor do meu corpo, e para o desejo de ser consistente.
Se alguém não consegue reconhecer sua própria dignidade, nem pode ver valor em ser consistente, é porque lhe falta a esperança. Ele só vê a morte diante de si. Todo homem que defende a libertinagem sexual só vê a morte diante de si, pois é o desespero o que arranca do homem a integridade e o faz entregar o corpo ao prazer impuro.
Por isso Paulo deu aquela resposta escatológica: “Lembre-se da ressurreição”! Ela é a certeza de que o seu corpo tem valor e deve ser amado, e que o seu corpo e a sua alma não devem ser separados, pois foram feitos um para o outro -- ou melhor, eles foram feitos para ser um só.
E que outra coisa poderia ser a “pureza sexual”?
Não é essa a pureza das crianças?
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Impureza sexual e desonra na Bíblia
Ora, o que descrevemos acima é o que Paulo diz em Romanos 1. 24-27: que os homens rejeitaram o conhecimento de Deus e foram por isso entregues às concupiscências do seu coração, “para desonrarem os seus corpos entre si”, mudando o modo de suas relações íntimas, praticando coisas contra a natureza etc. Não é por acaso que o apóstolo associa a concupiscência à desonra do próprio corpo e do corpo do outro. É que a concupiscência leva ao desamor; cessa o amor por mim mesmo e pelo meu próximo, e o fim do amor aparece em nossa relação com o símbolo da alma, que é o corpo. A impureza sexual traz dentro de si o desprezo do indivíduo por si mesmo e pelo seu próximo.
É Paulo quem diz de novo: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1Co 6.18).
Graças a Deus por um verso tão claro: a impureza sexual é o pecado do homem contra si mesmo; é a contradição, a desonra do próprio corpo, que deixa de ser tratado como o santuário de Deus, destinado à ressurreição dos mortos. Pois a impureza trata o corpo como um instrumento descartável, como alguns crentes helenistas faziam: “Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele”. Em outras palavras, “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. Não há futuro para o corpo; ele é só uma ferramenta temporária. Por isso alguns dos Coríntios até perderam a fé na ressurreição (1Co 15). Por trás da desonra do corpo está o desespero.
Paulo prossegue, afirmando que aquele que se une à prostituta é uma só carne com ela, e o que se une ao Senhor é um espírito com ele; e que não podemos tornar os membros de Cristo membros de uma meretriz. Ora, tudo isso implica que o corpo não pode ser concebido à parte do eu. O seu destino é o mesmo do eu; as suas relações são as mesmas do eu. Se dou meu corpo à meretriz, dei-lhe também minha alma; se dou a Cristo a minha alma, dei-lhe também o meu corpo. Para Paulo, o hebreu, era inconcebível imaginar que o corpo pudesse ser empregado de qualquer jeito, impunemente, segundo o delírio dos gnósticos. Amar a Deus, amar ao próximo, amar a si -- tudo isso implica honrar o corpo: “Que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra, não com o desejo de lascívia, como os gentios que não conhecem a Deus; e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas coisas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador” (1Ts 4.4-6).
O ensino não permanece consistente? O corpo deve ser honrado; ceder à lascívia é desonra; usar o corpo do outro é desonrá-lo, defraudá-lo reduzindo seu valor. Desonrar o corpo é matar e morrer; é tentar separar o interno e o externo, mas destruir ambos.
Da desonra à consistência através da esperança
O que me impressiona é que o remédio de Paulo para a impureza-desonra do corpo seja escatológico. Ele poderia ter prescrito chás, banhos frios, ou quem sabe uma boa terapia, mas em vez disso lança sobre os pobres fornicadores de Corinto um petardo teológico: “O corpo não é para a impureza, mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo. Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará a nós pelo seu poder” (1Co 6.14).
De que modo a ressurreição é uma resposta? Em primeiro lugar, ela é o inverso da desonra do corpo; é a honraria absoluta. Ela significa que o corpo tem um valor singular e eterno -- pois se destina ao próprio Senhor. A doutrina da ressurreição nos diz que o prêmio máximo para o eu é a vitalidade eterna do seu corpo; que a vida espiritual que habita no homem interior finalmente brilhará -- embora, como dissemos, com algum atraso -- através do homem exterior. Portanto, vale a pena amar o corpo e honrá-lo.
Ora, isso é o que chamamos antes de consistência ou integridade. No núcleo da ética sexual cristã deve estar a seguinte doutrina: que o corpo não deve ser o que a alma não pode ser. O corpo e a alma devem estar juntos, e o corpo deve se tornar transparente ao espírito. Ou seja, não posso ser no corpo o que não puder ser no coração. Meu corpo deve se tornar translúcido em minhas relações com o meu próximo. Minha face não pode ser uma máscara a ocultar minhas intenções, mas uma janela para meu homem interior; meu corpo deve ser amado e honrado -- seja ele alto ou baixo, novo ou velho, bonito ou feio, gordo ou magro -- porque o seu valor é o valor da minha alma. Ele é o símbolo, a parte visível daquilo que tem valor incondicional. Devo unir-me ao meu corpo, de modo que o meu coração fique à flor da pele.
Por isso, não posso me relacionar sexualmente com alguém se não puder entregar a minha alma na mesma proporção. Se amo a Deus, amo a mim mesmo. Se amo a mim mesmo, amo ao meu corpo, que é a superfície visível do que eu amo. E se compreendo a natureza do corpo, compreendo que o amor ao próximo é mediado pela sacralidade do seu corpo, e que o seu amor por mim é mediado pela sacralidade do meu próprio corpo. Quem quer instrumentalizar o corpo do outro não o ama, nem se ama; quem aceita ser desonrado pelo outro também não se ama.
E a esperança? É aquilo que abre meus olhos para o valor do meu corpo, e para o desejo de ser consistente.
Se alguém não consegue reconhecer sua própria dignidade, nem pode ver valor em ser consistente, é porque lhe falta a esperança. Ele só vê a morte diante de si. Todo homem que defende a libertinagem sexual só vê a morte diante de si, pois é o desespero o que arranca do homem a integridade e o faz entregar o corpo ao prazer impuro.
Por isso Paulo deu aquela resposta escatológica: “Lembre-se da ressurreição”! Ela é a certeza de que o seu corpo tem valor e deve ser amado, e que o seu corpo e a sua alma não devem ser separados, pois foram feitos um para o outro -- ou melhor, eles foram feitos para ser um só.
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É teólogo, mestre em Ciências da Religião e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, é também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro fundador da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2).
- Textos publicados: 37 [ver]
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