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Opinião

Igrejas poderosas. Deus redundante

O Cristianismo está menos europeu, dizem as pesquisas da religião. Mas o que gerou isso? E mais importante: o que as igrejas cristãs brasileiras podem aprender com os erros das igrejas cristãs europeias? Conversamos sobre este e outros assuntos com o holandês Evert-Jan Ouweneel, Consultor Sênior da Visão Mundial Internacional, que esteve no Brasil em junho deste ano. Ouweneel atua, entre outras coisas, no diálogo entre a sociedade ocidental e outros continentes. Ele é um palestrante requisitado nas igrejas e organizações cristãs e tem refletido sobre os chamados “desigrejados” e sobre o papel público da fé cristã. Confira.

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Se por um lado há o surgimento dos chamados “desigrejados”, por outro lado você afirma que “o mundo está se tornando mais religioso”. Como explicar isso?

De acordo com o Centro de Pesquisas Pew, a percentagem de pessoas religiosas no mundo irá aumentar dos atuais 84% para 87% em 2050. Isso não significa que alguns lugares do mundo se tornarão menos religiosos. De acordo com o mesmo Centro, haverá 100 milhões a mais de pessoas seculares no mundo até 2050. Mas a quantidade de pessoas religiosas terá chegado a mais de 2 bilhões até lá.

Sobre os “desigrejados” (cristãos que não são membros de uma igreja), podemos ver que essa quantidade cresce em países secularizados, mas também em cidades maiores de países que ainda possuem uma maioria cristã, como o Brasil. Nosso desafio será manter os dois grupos juntos, membros de igreja e desigrejados. Uma forma de fazer isso é ter um foco conjunto no bem estar da cidade em que vivemos. Afinal de contas, o que nos une enquanto cristãos não é uma instituição religiosa, mas uma pessoa: Jesus Cristo. E essa única pessoa pode nos inspirar a sermos construtores da paz em um mundo turbulento e violento.

Em tempos pós-modernos, a relevância da religião é limitada a ambientes privados e subjetivos. No entanto, ao mesmo tempo a religião está presente em conflitos culturais no mundo ocidental (refugiados, ataques terroristas). A Religião (e aqui focando o Cristianismo) tem realmente uma importância pública? Caso afirmativo, qual?

A religião organizada pode ser uma força enorme para o bem e uma força enorme para o mal. Tudo depende de como o poder da fé é aplicado e com qual objetivo. A grande força de líderes religiosos é que eles podem falar diretamente ao coração das pessoas, e ao fazê-lo mobilizam comunidades inteiras. No entanto, quanto mais poder eles têm, maior é o dano quando eles falham. Líderes cristãos, portanto, precisam ter certeza do que estão fazendo quando procuram influenciar a sociedade. O que está em jogo não é apenas a reputação deles, mas a reputação de Jesus Cristo.

Nós, definitivamente, vivemos em um mundo globalizado, com cada vez menos distância em termos de informação. Como a globalização pode modificar a Igreja Cristã?
A globalização significa que a credibilidade do Evangelho é decidida não apenas pela vida e atitude dos cristãos em seu próprio país, mas de cristãos em qualquer lugar do mundo. As pessoas saberão quando alguém, em algum lugar, agir de forma inadequada em nome de Jesus. É, portanto, importante que comecemos a focar no bem estar da Igreja como um todo. Vamos nos unir e nos apoiar além das fronteiras, de forma a manter em forma todo o Corpo de Cristo, por amor a Deus.

Você é europeu, mas trabalha em uma organização global. Que diferenças você vê entre as igrejas cristãs europeias e as igrejas cristãs de outros continentes? E quais semelhanças?

Durante 1.200 anos, a Europa foi o continente mais cristão do planeta. Levou 50 anos para perdermos esse posto. Precisamos conviver com esse fato. Em outros continentes eu ainda escuto muito “sim, nós podemos” entre os cristãos, uma forte ambição para fazer a diferença na sociedade. Na Europa, nós primeiramente enfrentamos o “não, nós não podemos”. Nós tínhamos todo o poder e influência que poderíamos sonhar e agimos de forma muito errada, tanto em nosso continente como no mundo. Isso está nos deixando “mais tristes e mais sábios”. Mas nunca desista de uma Igreja que está de joelhos. Apesar de ainda haver muito que precisamos desaprender na Europa (velhos hábitos são difíceis de mudar, especialmente após 1.200 anos), uma Igreja diferente está surgindo. Uma comunidade de pessoas maravilhadas com a misericórdia e a graça de Deus. Uma comunidade celebrando a unidade e a fraternidade entre cristãos como um objetivo comum. Uma comunidade buscando a paixão e a compaixão de Deus aos buscar ser inspirada por Deus por amor a Ele.

A Visão Mundial é uma organização cristã que está presente em diversos espaços religiosos. Como uma pessoa pode respeitar e cooperar com outras religiões sem perder sua própria identidade cristã?


A única forma de a Visão Mundial trabalhar com organizações e comunidades de outra fé é sendo clara sobre quem nós somos. É exatamente isso que muitos líderes mulçumanos valorizam quando trabalham conosco: nós não tentamos nos adaptar ao Islamismo, mas permanecemos comprometidos com a nossa própria identidade cristã. Mas a diversidade de nossa equipe e os diferentes contextos nos quais trabalhamos fazem necessário que continuemos a nos perguntar o que significa ser uma organização cristã. Quais são os nossos pontos não negociáveis?

Nós não queremos nos limitar a trabalhar com cristãos e para cristãos, visto que isso significaria que não poderíamos alcançar as pessoas mais vulneráveis em locais onde quase não existem cristãos. Nós acreditamos que nosso dever perante Deus e perante os pobres é trabalhar com todos e para todos. Assim, nossa identidade cristã está sendo continuamente desafiada. Aceitar essa missão mais difícil é justamente o que eu acho tão cristão acerca da Visão Mundial.

Você esteve recentemente no Brasil falando em Igrejas de São Paulo, Curitiba, Fortaleza e Recife. O que você gostaria de dizer para os cristãos brasileiros nesse momento de crise econômica, social e política que estamos vivendo?
Não cometam os erros que cometemos na Europa. Não sejam tão apressados em acreditar que se verdadeiros cristãos governassem o país tudo ficaria bem. Após 1.200 anos de “governo cristão” na Europa, temos que admitir com pesar: o poder corrompe os cristãos da mesma forma que corrompe as demais pessoas. Por essa razão, isso é o que europeus secularizados não podem suportar quando pensam em religião (organizada): hipocrisia, doutrinas violentas e abuso de poder. A grande pergunta é: que tipo de igreja se refere à força de Deus ao invés da sua própria força? Talvez seja apenas uma questão de simplesmente tentarmos ser bons humanos e uma expressão viva da esperança e amor de Deus para qualquer um que se tornar o nosso próximo. Um Brasil transformado requer comunidades transformadas que possam ser um exemplo inspirador na sociedade. E comunidades transformadas requerem indivíduos transformados, que somos nós.

A desigualdade social é um dos piores problemas no mundo, especialmente no Brasil. O que Jesus ensinou sobre a igualdade?
Mateus 20.16: “os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.” Jesus não se impressiona com os “vencedores econômicos”, nem mesmo se eles “receberem o que merecem” enquanto empreendedores (ou crentes devotos). Por que ele não se impressiona? Porque ninguém é dono do mundo e de seus recursos. Nós somos mordomos em um planeta que não nos pertence, o que torna a desigualdade uma questão de má administração. Quem ganha riquezas é chamado para beneficiar a comunidade. E visto que a desigualdade se tornou uma questão global, revelando causas sistêmicas na economia mundial, nós somos chamados a desafiar esses sistemas e encontrar uma forma internacional de fazer com que todo o planeta se beneficie de qualquer riqueza que for adquirida.

A luta pela justiça é uma causa que faz parte da fé cristã. Considerando sua experiência nesse assunto, quais as tentações que os cristãos que lutam por justiça podem enfrentar?
A luta pela justiça requer influência, mas quanto mais influência as igrejas têm, maior é o risco das pessoas começarem a confiar nessas igrejas mais do que confiam em Deus. Foi exatamente isso o que aconteceu na Europa. As igrejas tinham tanto poder que, para elas, Deus se tornou redundante. E assim, quando as pessoas começaram a deixar as igrejas nos últimos 50 anos, muitas também se afastaram de Deus, visto que elas sabiam apenas como confiar na igreja.

A responsabilidade humana é uma questão delicada no Reino de Deus, visto que pode mudar de forma silenciosa a fé das pessoas no trabalho de Deus para que elas passem a confiar no trabalho dos homens. Quanto mais a Igreja na Europa se sentia responsável pela salvação e bem-estar das pessoas, mais ficava tudo relacionado à Igreja. Hoje nós simplesmente não dispomos dos meios necessários para continuar nesse caminho. A Igreja atual na Europa pode avançar apenas se devolver todo o mundo para Deus e se oferecer ao Mestre com a oração de São Francisco: “Senhor, me faça um instrumento da Sua paz.”

Quanto mais poderosa a igreja, mais necessária é a referência a Deus e a reverência a Deus de forma a manter a igreja fora do centro das atenções. Além disso, a “linguagem corporal” de uma igreja (o impacto não verbal de seu prédio, seus cultos e suas quantidades) precisa ser constantemente equilibrada através da mansidão e amabilidade. É quase uma equação matemática: se a igreja cresce de forma linear, sua humildade precisa crescer de forma exponencial para compensar o tamanho.

Sobre Evert-Jan Ouweneel
Evert-Jan Ouweneel (*1972) é holandês, casado há 21 anos com Anikó e pai de 3 filhos (19, 16 e 14 anos de idade). Desde 2009 Evert trabalha como Consultor Sênior nos escritórios de captação de recursos da Visão Mundial. Seu papel atual é informar as pessoas das sociedades ocidentais sobre a necessidade da “alfabetização da fé” (compreender pessoas que professem outra fé) e a importância de colaborar com líderes religiosos rumo à construção de um mundo mais próspero e pacífico. Estudou Sociologia, Psicologia e se formou em Filosofia pela Free University, em Amsterdã. Escreveu mais de 60 artigos em holandês e alguns artigos em inglês sobre diversos temas. Evert é um palestrante reconhecido na Holanda, conhecido por suas palestras sobre temas relevantes como história mundial, religiões mundiais e tendências mundiais. Ele também fala regularmente em igrejas, organizações cristãs e eventos cristãos.

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