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Opinião

Igrejas do bem comum - Experiências de impacto social realizadas por comunidades evangélicas

Por Lissânder Dias e Phelipe Reis

O evangelho de Jesus arranca os ídolos que ensimesmam nosso coração e nos faz trilhar um novo caminho. É comum ouvirmos em nossas igrejas testemunhos de transformações individuais, que mudam hábitos, costumes e caráter; e isso, por si só, já é lindo. Mas o impacto dessa transformação torna-se extraordinário quando a mudança de vida alcança nossas comunidades por inteiro a ponto de elas também transformarem coletivamente a sociedade. Os atos de amor deixam de ser apenas individuais e tornam-se uma prática do bem comum. Para os cristãos, essa prática tem como fonte o amor do próprio Deus em favor de um povo constituído pela soma das experiências pessoais de cada ser humano tocado pela maravilhosa graça (Ef 2.10).
 
Conheça quatro experiências incríveis da prática do bem comum de comunidades evangélicas no Brasil contadas pelos jornalistas Lissânder Dias (a primeira, a segunda e a terceira) e Phelipe Reis (a quarta).
 
Um Natal para prostitutas
Quarenta homens casados saíram pelas ruas de Vitória da Conquista, BA, em dezembro de 2014 à procura de garotas de programa. A rodovia Rio–Bahia era repleta de oportunidades para isso. Foram vinte carros com duplas de homens abordando e conversando com mulheres em pontos de acesso ao longo da rodovia. Eles as convidavam para uma festa à fantasia, onde teriam que usar máscaras. Vinte mulheres – jovens e mais velhas – entraram nos veículos.
 
Os homens, na verdade, eram cristãos que, com consentimento prévio de suas esposas e muita oração, resolveram oferecer um Natal sem igual para aquelas mulheres. Ao chegarem no local da festa, elas ganharam presentes, buquês de flores, foram servidas pelas “garçonetes” (que, na verdade, eram as esposas daqueles homens) e – mais do que ouvir – puderam ser tocadas pela história do encontro de Jesus com a mulher adúltera (Jo 8.1-11). “A máscara caía do rosto delas e a maquiagem ia sendo desfeita pelas lágrimas dos olhos”, relembra Sinvaldo Queiroz, pastor da Igreja Batista da Cidade, em Vitória da Conquista, e líder do grupo. A emoção foi ainda maior quando as portas do salão foram abertas e toda a igreja entrou para abraçá-las. “A iniciativa nasceu de uma série de sermões sobre histórias de prostitutas na Bíblia. Aprendemos como Deus as usou poderosamente para levar sua mensagem de salvação. Elas estão na genealogia de Jesus”, lembra o pastor.
 
O Natal de 2014 mudou toda aquela comunidade cristã. A Igreja Batista da Cidade tinha apenas um ano de existência. A partir dessa experiência, sua identidade foi forjada como uma igreja que expressava Cristo aos deixados de lado pela sociedade. Uma das esposas disse: “Deus colocou o preconceito debaixo de nossos pés e nós então pudemos desfrutar da graça de Deus”. Desde então, a Igreja Batista da Cidade realiza programas natalinos para grupos marginalizados.
 
Além do Natal, a Igreja Batista da Cidade iniciou outros projetos, como a Casa da Vida, que funciona há cinco anos e já hospedou mais de 4 mil pessoas que chegam à cidade para cuidar de seus familiares internados no Hospital Geral local. “Essa casa talvez seja o maior sinal de como a nossa igreja tem se empenhado na prática do bem comum, lembrando que os hóspedes não se tornam membros de nossa comunidade, já que retornam às suas cidades”, ressalta Sinvaldo.
 
Pais e filhos
Há quase trinta anos, o pastor Paulo Borges Júnior pregou em Uberlândia, MG, um sermão no qual dizia que a experiência com o evangelho é uma experiência de adoção. Naquela época, algumas pessoas haviam iniciado a Igreja Sal da Terra. O tal sermão ecoou na mente e coração de homens e mulheres que se dispuseram a servir a Deus integralmente. Um dos casais foi Rodrigo e Sara Rangel. Anos depois, eles passaram por um sofrimento grande na tentativa de ter um filho. Sara teve dois abortos antes do nascimento de seu filho Lucas, e depois sofreu mais um aborto. A família entrou na fila de adoção de uma criança e então veio Jéssica; as gêmeas Kelly e Kethleen vieram depois. Rodrigo e Sara entenderam como era difícil uma criança ser adotada no Brasil. Lembraram-se daquele sermão de que “o evangelho é uma experiência de adoção” (afinal, todos somos adotados por Deus) e começaram a reunir pais adotivos mensalmente. Há dez anos, nasceu a ação Pontes de Amor, com o objetivo de preparar pais e crianças na jornada antes e depois da adoção. De reuniões mensais com famílias, o projeto cresceu e hoje tem um papel fundamental na pós-adoção, ajudando na diminuição dos índices de devolução de crianças adotadas em Uberlândia e no fortalecimento da rede de apoio de garantia de direitos de crianças e adolescentes da cidade. Após a pandemia, por meio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a Pontes de Amor já beneficiou mais de 6.500 pessoas com um curso aos postulantes para adoção. Ganhou prêmios, destaque em programas de TV (como o Caldeirão do Huck, da TV Globo) e uma conexão incrível com centenas de grupos de apoio à adoção no Brasil.
 
Rodrigo e Sara são pastores e entendem que o que fazem são sinais do reino de Deus. “Não é um projeto social paraeclesiástico. É parte da missio Dei, a missão de Deus. As igrejas evangélicas estão muito ‘templárias’. Meu clamor é envolver a igreja brasileira para a causa da infância”, desabafa Rodrigo. Para ele, bem comum é “tudo aquilo que a gente trabalha e serve ao outro com amor e dedicação continuada, intencional, como se fosse para nós mesmos”.
 
 
O amor é mais
Qual o tamanho da sua igreja? Talvez você responda com números, mas a resposta será incompleta. As dimensões de uma comunidade cristã são medidas pelo nível de engajamento dela com o Evangelho de Jesus Cristo na sociedade. Se assim for, a Igreja Sal da Terra, de Uberlândia, é imensa. Além dos diversos projetos que desenvolve e apoia (como a “Pontes de Amor”), há um trabalho incrível de envolvimento real de mais de 100 voluntários em 12 projetos de impacto social na cidade (metade desses projetos são próprios da igreja e os outros 6 são de outras igrejas ou ministérios). São ações de socorro alimentar, orientação, ensino, acolhimento e tratamento físico e psicológico, entre outras. Mais de 200 famílias de bairros diferentes são beneficiadas mensalmente. Para unir tudo isso, a igreja criou há 12 anos “O Amor É Mais”, uma plataforma social que torna possível o desejo de fazer o bem.

Em termos práticos, “O Amor É Mais” já construiu 26 casas para quem morava em barracões, realiza campanhas de doações de agasalhos e materiais escolares, acompanha adictos, socorre a população de rua, apoia a distribuição de mais de 3 mil marmitas por mês, dá suporte a duas escolas públicas, assiste grávidas e mantém um cadastro de mais de 1.500 famílias carentes que recebem visitas regulares dos voluntários. Nessas visitas, eles entregam as doações, ouvem as pessoas e oram com elas. E por falar em voluntários, eles são, em sua maioria, profissionais (entre eles, médicos, advogados, psicólogos, assistentes sociais, professores) que dedicam horas de sua rotina semanal para ajudar os mais necessitados. Não é raro um médico atender gratuitamente em seu consultório alguma pessoa doente encaminhada pela plataforma. Muitos deles também participam de mutirões de atendimento aos sábados. Os membros da igreja também ajudam com recursos e doações.

Para a pastora Fabiana Cunha, uma das líderes de “O Amor É Mais”, o objetivo é servir ao próximo assim como Jesus servia. “Jesus levava em consideração a necessidade individual das pessoas e as ensinava os valores de se viver no reino. Não era ‘efeito manada’. Não acredito em igreja que não faz ação social, porque a Bíblia nos ensina a fazer parte da resposta ao mundo”.

Igreja em missão contra a corrupção, promovendo o bem comum
A criança fora da escola, o aluno sem merenda escolar, a precariedade ou a ausência de serviço básicos de saúde são violações de direitos diretamente relacionadas com a corrupção. No Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o Brasil aparece com a nota 38, abaixo da média global, de 43 pontos – quanto maior a nota, maior é a percepção de integridade do país1.
 
Estima-se que nos países em desenvolvimento, a quantia de fundos desviados de seus destinos pela corrupção é dez vezes superior à destinada à assistência oficial para o desenvolvimento.2
 
O Projeto Fé Cidadã ataca as raízes da desigualdade socioeconômica, combate a corrupção e promove direitos. Desenvolvido pela Federação das Entidades e Projetos Assistenciais (FEPAS) da Convenção das Igrejas Batistas Independentes do Brasil (CIBI), o projeto acontece em sete cidades nordestinas, envolve 129 voluntários e tem como objetivo sensibilizar igrejas, organizações da sociedade civil e órgãos públicos no enfrentamento à corrupção.
 
Na prática, o projeto oferece treinamento para os mobilizadores com materiais que auxiliam na promoção da cultura de transparência, a partir de princípios como justiça, honestidade, prestação de contas e ética. Os grupos são capacitados para identificar indícios de corrupção observando Diários Oficiais e Portal da Transparência; monitorar e fiscalizar a qualidade da alimentação escolar, com um aplicativo; e realizar oficinas para alunos de escolas municipais com o tema do combate à corrupção.
 
Junto com o projeto Fé Cidadã, as igrejas da CIBI realizam a campanha de oração “Justiça para as crianças”. São produzidos e distribuídos em grupos de WhatsApp boletins mensais com pedidos de oração.
 
Aqueles que fazem parte dos grupos dos mobilizadores entendem sua participação como missão a serviço do reino de Deus. E não poderia ser diferente; afinal, a corrupção impede que as pessoas tenham vida digna e combatê-la é trabalhar para que “a justiça corra como um rio inesgotável” (Am 5.24).



Notas
1. Índice de Percepção da Corrupção 2021. Disponível aqui
2. Corrupção e desenvolvimento. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Disponível aqui.
  • Lissânder Dias é jornalista, blogueiro, poeta e editor de livros. Mantém há dezesseis anos o blog “Fatos e Correlatos”, no Portal Ultimato, e é também colaborador da revista Ultimato. É autor de O Cotidiano Extraordinário: A vida em pequenas crônicas (W4 e Editora Ultimato).
     
  • Phelipe Reis é natural do Amazonas, casado com Luíze e pai de Elis e Joaquim. É missionário, jornalista e colaborador do Portal Ultimato.
Originalmente publicada na edição 396 (julho/agosto de 2022) de Ultimato. 

OS CRISTÃOS E O BEM COMUM – O QUE FAZ A VIDA SER BOA PARA TODOS? (JR 29.7) | REVISTA ULTIMATO
 
O subtítulo da matéria de capa traz uma pergunta crucial: o que faz a vida ser boa para todos? A pergunta é crucial pelas respostas, mas também – e antes de tudo – por causa daqueles que fazem a pergunta. Quem faz este tipo de pergunta pensa além de si e de sua “tribo”. Quem pensa nos outros e se importa com eles compartilha da natureza de seu Pai misericordioso e justo.
 
É disso que trata a matéria de capa da edição de julho-agosto da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.

Saiba mais:
» Os Evangélicos e a Transformação Social (E-BOOK)
» O Reino de Deus e a Transformação Social
» Mais histórias de igrejas do bem comum

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