Opinião
- 21 de setembro de 2022
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Idolatria em tempos de polarização política
Por Anderson Paz
Imagine o seguinte cenário. Um povo escravizado por anos consegue sair do jugo de um tirano. Esse povo, cheio de alegria, ruma para uma terra de “leite e mel”. O tirano persegue esse povo que vê um milagre: o mar se abre e destrói o tirano. Tudo está bem.
O povo, então, começa a peregrinar no deserto com grande expectativa de chegar à terra prometida. O tempo passa, mas essa terra não é alcançada. Pior. O líder sobe em um monte e passa dias sem comunicar nada ao povo que, por sua vez, só “sobrevive” no deserto.
Tempo, cansaço e o clima hostil do deserto retiram a esperança desse povo. Então, o povo resolve tomar uma atitude: pede que deuses sejam feitos para guiá-lo.
Essa é a história de Israel no deserto:
“Vendo o povo que Moisés tardava em descer do monte, acercou-se de Arão, e disse-lhe: Levanta-te, faze-nos deuses, que vão adiante de nós; porque quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu” (Êxodo 32:1).
“Faze-nos deuses, que vão adiante de nós” é o pedido. Na prática, o que queria o povo de Israel? Ora, se deuses não falam, não andam e não veem, o que o povo de Israel queria era uma liderança política que fosse adiante deles e os guiassem para a terra prometida. O pedido por deuses que não falam era um pedido por líderes políticos que os protegessem das dificuldades do deserto e os guiassem para uma terra de paz.
Essa é uma das histórias bíblicas que podem se repetir em contextos e momentos diferentes.
Na Palavra de Deus existem dezenas de textos que prometem a volta do Messias e um novo céu e uma nova terra. O povo de Deus espera de geração a geração. E nessa espera, o tempo, o cansaço e o clima hostil desse mundo podem retirar a esperança do povo de Deus.
Qual o risco? Pedir por líderes políticos que conduzam o povo para uma terra prometida aqui e agora. O povo de Deus sempre tem de lidar com algum tipo de “faraó” ou “deserto” que lhe ameaça. Na espera pela volta do Messias, porém, o povo de Deus pode cair no engano de colocar sua esperança de redenção na política.
No Brasil de 2022, seja à direita, seja à esquerda, uma polarização permeada por ódio político tem contaminado comunidades e relacionamentos cristãos. Existe um ar de “salvacionismo” por meio da política. Existe um ar de “guerra cultural” e um “clima de violência em nome de Deus” que têm exposto um lado sombrio do evangelicalismo brasileiro.
Política importa para o cristão. Devemos debater sobre política e defender pautas e valores caros à Palavra de Deus. Contudo, essa consciência e cosmovisão cristã na política têm demonstrado uma complacência com pecados de políticos de estimação e um ódio político contra adversários em nome de Deus. Nesse cenário, quantos cristãos têm se parecido mais com seu político admirado do que com Cristo?
A postura cristã, que deveria se assemelhar ao serviço e testemunho de Daniel na Babilônia, tem se tornado uma atitude de domínio do mundo por meio da força do Estado.
A idolatria em tempos de polarização política tem demonstrado algumas consequências:
1) Não-denúncia dos pecados de políticos de estimação;
2) Suavização dos pecados de um polo político;
3) Substituição do amor cristão por ódio político;
4) Apropriação da Palavra de Deus para justificar uma postura puramente agressiva e violenta contra oponentes políticos;
5) Ira contra irmãos que criticam políticos admirados;
6) Redes sociais de alguns líderes ortodoxos que se tornaram um centro de ódio político; e
7) Desejo que o Estado seja o instrumento para implantar o Reino de Deus na terra.
Aqui cabem, pelo menos, três sugestões para evitar o “salvacionismo” político:
1) Desconfie de quem só vê um gume na Palavra de Deus para criticar um lado político;
2) Nunca tenha político de estimação que não possa criticar; e
3) Não esqueça que o Reino de Deus não é deste mundo.
OS CRISTÃOS E O BEM COMUM – O QUE FAZ A VIDA SER BOA PARA TODOS? | REVISTA ULTIMATO
O que é bem comum? É o que faz a vida ser boa. Boa para todos. São os bens que tornam a vida humana rica, as condições apropriadas que permitem o desenvolvimento e a realização de cada membro da comunidade. “Buscar o bem comum em seu sentido mais amplo significa insistir continuamente que as pessoas são de valor infinito – valem mais do que qualquer sistema, instituição ou qualquer causa.”
É disso que trata a matéria de capa da edição de 396 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Fé Cristã e Ação Política, de Pedro Dulci
» A “justiça social” é cristã?
» O problema da pobreza e o papel do Estado
» O problema da pobreza, o Estado e o papel dos cristãos
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O povo, então, começa a peregrinar no deserto com grande expectativa de chegar à terra prometida. O tempo passa, mas essa terra não é alcançada. Pior. O líder sobe em um monte e passa dias sem comunicar nada ao povo que, por sua vez, só “sobrevive” no deserto.
Tempo, cansaço e o clima hostil do deserto retiram a esperança desse povo. Então, o povo resolve tomar uma atitude: pede que deuses sejam feitos para guiá-lo.
Essa é a história de Israel no deserto:
“Vendo o povo que Moisés tardava em descer do monte, acercou-se de Arão, e disse-lhe: Levanta-te, faze-nos deuses, que vão adiante de nós; porque quanto a este Moisés, o homem que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe sucedeu” (Êxodo 32:1).
“Faze-nos deuses, que vão adiante de nós” é o pedido. Na prática, o que queria o povo de Israel? Ora, se deuses não falam, não andam e não veem, o que o povo de Israel queria era uma liderança política que fosse adiante deles e os guiassem para a terra prometida. O pedido por deuses que não falam era um pedido por líderes políticos que os protegessem das dificuldades do deserto e os guiassem para uma terra de paz.
Essa é uma das histórias bíblicas que podem se repetir em contextos e momentos diferentes.
Na Palavra de Deus existem dezenas de textos que prometem a volta do Messias e um novo céu e uma nova terra. O povo de Deus espera de geração a geração. E nessa espera, o tempo, o cansaço e o clima hostil desse mundo podem retirar a esperança do povo de Deus.
Qual o risco? Pedir por líderes políticos que conduzam o povo para uma terra prometida aqui e agora. O povo de Deus sempre tem de lidar com algum tipo de “faraó” ou “deserto” que lhe ameaça. Na espera pela volta do Messias, porém, o povo de Deus pode cair no engano de colocar sua esperança de redenção na política.
No Brasil de 2022, seja à direita, seja à esquerda, uma polarização permeada por ódio político tem contaminado comunidades e relacionamentos cristãos. Existe um ar de “salvacionismo” por meio da política. Existe um ar de “guerra cultural” e um “clima de violência em nome de Deus” que têm exposto um lado sombrio do evangelicalismo brasileiro.
Política importa para o cristão. Devemos debater sobre política e defender pautas e valores caros à Palavra de Deus. Contudo, essa consciência e cosmovisão cristã na política têm demonstrado uma complacência com pecados de políticos de estimação e um ódio político contra adversários em nome de Deus. Nesse cenário, quantos cristãos têm se parecido mais com seu político admirado do que com Cristo?
A postura cristã, que deveria se assemelhar ao serviço e testemunho de Daniel na Babilônia, tem se tornado uma atitude de domínio do mundo por meio da força do Estado.
A idolatria em tempos de polarização política tem demonstrado algumas consequências:
1) Não-denúncia dos pecados de políticos de estimação;
2) Suavização dos pecados de um polo político;
3) Substituição do amor cristão por ódio político;
4) Apropriação da Palavra de Deus para justificar uma postura puramente agressiva e violenta contra oponentes políticos;
5) Ira contra irmãos que criticam políticos admirados;
6) Redes sociais de alguns líderes ortodoxos que se tornaram um centro de ódio político; e
7) Desejo que o Estado seja o instrumento para implantar o Reino de Deus na terra.
Aqui cabem, pelo menos, três sugestões para evitar o “salvacionismo” político:
1) Desconfie de quem só vê um gume na Palavra de Deus para criticar um lado político;
2) Nunca tenha político de estimação que não possa criticar; e
3) Não esqueça que o Reino de Deus não é deste mundo.
- Anderson Paz é advogado e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
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