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- 18 de junho de 2021
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Gunnar Vingren e Daniel Berg: os pioneiros das Assembleias de Deus
Por Elben César
*Artigo publicado originalmente na edição 331 da revista Ultimato.
Da Suécia para os Estados Unidos e daí para o Brasil
Gunnar Vingren e Daniel Berg nasceram em uma época difícil na história da Suécia. Entre 1867 e 1886, quase 450 mil suecos deixaram o país por causa da escassez de alimentos e de empregos. A maioria imigrou para o meio-oeste dos Estados Unidos.
Era a chamada “febre dos Estados Unidos”. Embora a situação tivesse melhorado, Daniel viajou para lá em 1902, com 18 anos, e Gunnar, no ano seguinte, com 24. Os dois se conheceram em uma igreja sueca em Chicago, no ano de 1909, dez anos depois da morte do famoso evangelista Dwight L. Moody, que viveu naquela cidade. A essa altura, Gunnar já tinha feito teologia em um seminário batista sueco e pastoreava uma igreja em Menominee, no Michigan, e Daniel trabalhava em uma quitanda em Chicago. Em uma conferência realizada na Primeira Igreja Batista Sueca de Chicago, Gunnar passou pela experiência do chamado batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. A partir daí, começou a pregar a doutrina pentecostal; porém, metade da igreja de Menominee não o quis mais como pastor. Assumiu, então, o pastorado de outra igreja batista sueca, dessa vez em South Bend, na fronteira de Indiana com Michigan, e a transformou em uma igreja pentecostal. Uma de suas ovelhas era Adolf Ulldin, que, pouco depois, anunciou-lhe o que ouvira da parte de Deus a respeito de seu ministério além-mar. Por inspiração do Espírito Santo, Daniel foi visitar Gunnar em South Bend e ali ouviu a mesma profecia, que também foi dirigida a ele. Em obediência à orientação recebida, ambos viajaram para Nova York e lá encontraram, de fato, o navio Clement, que sairia na data indicada por Adolf: 5 de novembro de 1910. Por falta de recursos, compraram uma passagem de terceira classe. Duas semanas depois, com miseráveis 90 dólares no bolso, desembarcaram em Belém do Pará, sem saber uma palavra em português e sem alguém para recebê-los no porto. Assim começou a obra das Assembleias de Deus no Brasil.
Verão de janeiro a dezembro
Enquanto as denominações protestantes históricas começaram seu trabalho na região Sudeste (congregacionais, presbiterianos, metodistas e salvacionistas), no Rio Grande do Sul (luteranos e episcopais) e na Bahia (batistas), a Assembleia de Deus começou no extremo Norte do país. Os missionários pioneiros eram todos suecos, ao contrário do que acontecia da Bahia para o Sul, onde quase todos eram americanos e britânicos.
O Pará é 2,7 vezes maior que a Suécia, que tinha, na época, mais de 5,5 milhões de habitantes. Em vez das precisas quatro estações, com as quais estavam acostumados, Gunnar e Daniel encontraram aqui um verão contínuo. Na Suécia, eles adoravam participar da festa que celebrava a volta do verão, entre os dias 19 e 26 de junho, dançando a noite toda ao redor de mastros com enfeites coloridos. Os dois jovens missionários chegaram ao Pará exatamente quando começou o declínio da economia na Amazônia, devido à queda da produção de borracha, provocada pelos mercados asiáticos.
Gunnar e Daniel eram muito diferentes no aspecto físico e nos dotes pessoais. Cinco anos mais jovem, Daniel tinha muita saúde e resistência física. Era “um ganhador de almas incomum”, como diz Geziel Gomes. Praticava com sucesso a colportagem (venda de Bíblias) e o evangelismo pessoal de casa em casa, quase de ilha em ilha, e “de enfermaria em enfermaria”, quando já tinha 78 anos e estava internado em um hospital na Suécia. Além da mala cheia de Bíblias e folhetos, carregava sempre o violão, ao som do qual cantava hinos em português e em sueco para evangelizar. Em compensação, Gunnar era mais preparado e se tornou, naturalmente, o líder do trabalho. Ele era quem mais pregava, quem mais batizava e quem ia consolidando e ampliando a obra com a organização de novos pontos de pregação e congregações. Morreu trinta anos antes de Daniel, quando faltava um mês e meio para completar 54 anos.
“A mensagem completa do evangelho”
Os missionários evangélicos do século 19 foram, em parte, beneficiados pela chamada pré-evangelização, realizada pela Igreja Católica Romana nos 300 anos anteriores à sua chegada ao Brasil (de 1549 a 1855). Os missionários pentecostais foram muito beneficiados pela evangelização realizada pelos missionários evangélicos nos 55 anos anteriores ao início de seu trabalho (de 1855 a 1910). Em alguns poucos casos, o trabalho das Assembleias de Deus começava com a pentecostalização de uma igreja evangélica já existente, como aconteceu com a Igreja Batista Sueca de South Bend, no início de 1910. Em outros casos, começava com alguns crentes que deixavam suas congregações de origem para abraçar a “novidade” pentecostal. Foi o que aconteceu em Belém do Pará e em muitos lugares por esse Brasil afora, especialmente nos primeiros anos. Todavia, a maior parte da membresia das Assembleias de Deus procedia das trevas da ignorância religiosa e das trevas do pecado e da incredulidade.
Gunnar Vingren, Daniel Berg e a geração de pastores nacionais que surgiu com eles não anunciavam apenas Jesus. Pregavam “a salvação em Jesus e o batismo com o Espírito Santo”. Esta era “a mensagem completa do evangelho”. Tal pregação certamente encontrava guarida entre os cristãos que, à semelhança dos discípulos de Éfeso, nem sequer sabiam da existência do Espírito Santo (At 19.2), por culpa da omissão de seus pastores. Encontrava guarida também entre os cristãos cujos pastores atribuíam toda honra ao Espírito Santo sem, contudo, usar a nomenclatura teológica dos pentecostais.
O folheto de 27 páginas de Raimundo Nobre
Por certo período houve muito desgaste emocional e de tempo por causa do atrito entre as denominações plantadas na segunda metade do século 19 e as Assembleias de Deus. Houve atitudes precipitadas, exageros e falta de amor de ambas as partes. O encarregado da congregação batista de Belém, Raimundo Nobre, acolheu os dois suecos no porão de sua casa e permitiu a participação deles nos cultos, o que redundou na divisão da igreja. Aborrecido e preocupado com a situação, Raimundo escreveu um folheto de 27 páginas contra a pregação de Gunnar e Daniel, e mandou imprimir 20 mil exemplares, que foram enviados para as igrejas evangélicas de todo o Brasil. Gunnar ensinava que a prova do batismo com o Espírito Santo era falar em línguas. Anos depois, a declaração de fé oficial das Assembleias de Deus amenizou a questão, afirmando que falar em outras línguas conforme a vontade soberana de Deus é evidência do batismo com o Espírito. Da parte dos pentecostais, havia muita ênfase em línguas, revelações, curas e milagres. Daniel chamou de milagre o fato de um peixe ter pulado para dentro do barco quando os passageiros estavam com muita fome.
Cem mil batizados em 36 anos
A primeira igreja pentecostal foi organizada há exatos cem anos, em 18 de junho de 1911, seis meses depois da chegada dos dois suecos ao Pará, com o nome de Missão da Fé Apostólica, o mesmo nome dado por William Seymour à igreja da rua Azuza, em Chicago, cinco anos antes. O nome Assembleia de Deus foi adotado seis anos e meio depois, em janeiro de 1918.
Nenhuma denominação evangélica experimentou um crescimento tão rápido e tão grande como as Assembleias de Deus. Nos quatro primeiros anos (1911-1914) houve 384 batismos “nas águas”. No final da primeira década, a nova denominação estava estabelecida em sete estados das regiões Norte (Pará e Amazonas) e Nordeste (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas). Na década de 20, os assembleianos ocuparam os demais estados do Norte e Nordeste e começaram o trabalho nas regiões Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e Sul (Paraná e Rio Grande do Sul). Em 33 anos de história (de 1911 a 1944), já estavam instalados em todos os estados da Federação. Na ocasião da 8ª Convenção Nacional das Assembleias de Deus, realizada em São Paulo, em 1947, o Brasil já era contado como o terceiro país em número de crentes pentecostais em todo o mundo, com 100 mil fiéis batizados.
*Artigo publicado originalmente na edição 331 da revista Ultimato.
Da Suécia para os Estados Unidos e daí para o Brasil
Gunnar Vingren e Daniel Berg nasceram em uma época difícil na história da Suécia. Entre 1867 e 1886, quase 450 mil suecos deixaram o país por causa da escassez de alimentos e de empregos. A maioria imigrou para o meio-oeste dos Estados Unidos.
Era a chamada “febre dos Estados Unidos”. Embora a situação tivesse melhorado, Daniel viajou para lá em 1902, com 18 anos, e Gunnar, no ano seguinte, com 24. Os dois se conheceram em uma igreja sueca em Chicago, no ano de 1909, dez anos depois da morte do famoso evangelista Dwight L. Moody, que viveu naquela cidade. A essa altura, Gunnar já tinha feito teologia em um seminário batista sueco e pastoreava uma igreja em Menominee, no Michigan, e Daniel trabalhava em uma quitanda em Chicago. Em uma conferência realizada na Primeira Igreja Batista Sueca de Chicago, Gunnar passou pela experiência do chamado batismo com o Espírito Santo e falou em línguas. A partir daí, começou a pregar a doutrina pentecostal; porém, metade da igreja de Menominee não o quis mais como pastor. Assumiu, então, o pastorado de outra igreja batista sueca, dessa vez em South Bend, na fronteira de Indiana com Michigan, e a transformou em uma igreja pentecostal. Uma de suas ovelhas era Adolf Ulldin, que, pouco depois, anunciou-lhe o que ouvira da parte de Deus a respeito de seu ministério além-mar. Por inspiração do Espírito Santo, Daniel foi visitar Gunnar em South Bend e ali ouviu a mesma profecia, que também foi dirigida a ele. Em obediência à orientação recebida, ambos viajaram para Nova York e lá encontraram, de fato, o navio Clement, que sairia na data indicada por Adolf: 5 de novembro de 1910. Por falta de recursos, compraram uma passagem de terceira classe. Duas semanas depois, com miseráveis 90 dólares no bolso, desembarcaram em Belém do Pará, sem saber uma palavra em português e sem alguém para recebê-los no porto. Assim começou a obra das Assembleias de Deus no Brasil.
Verão de janeiro a dezembro
Enquanto as denominações protestantes históricas começaram seu trabalho na região Sudeste (congregacionais, presbiterianos, metodistas e salvacionistas), no Rio Grande do Sul (luteranos e episcopais) e na Bahia (batistas), a Assembleia de Deus começou no extremo Norte do país. Os missionários pioneiros eram todos suecos, ao contrário do que acontecia da Bahia para o Sul, onde quase todos eram americanos e britânicos.
O Pará é 2,7 vezes maior que a Suécia, que tinha, na época, mais de 5,5 milhões de habitantes. Em vez das precisas quatro estações, com as quais estavam acostumados, Gunnar e Daniel encontraram aqui um verão contínuo. Na Suécia, eles adoravam participar da festa que celebrava a volta do verão, entre os dias 19 e 26 de junho, dançando a noite toda ao redor de mastros com enfeites coloridos. Os dois jovens missionários chegaram ao Pará exatamente quando começou o declínio da economia na Amazônia, devido à queda da produção de borracha, provocada pelos mercados asiáticos.
Gunnar e Daniel eram muito diferentes no aspecto físico e nos dotes pessoais. Cinco anos mais jovem, Daniel tinha muita saúde e resistência física. Era “um ganhador de almas incomum”, como diz Geziel Gomes. Praticava com sucesso a colportagem (venda de Bíblias) e o evangelismo pessoal de casa em casa, quase de ilha em ilha, e “de enfermaria em enfermaria”, quando já tinha 78 anos e estava internado em um hospital na Suécia. Além da mala cheia de Bíblias e folhetos, carregava sempre o violão, ao som do qual cantava hinos em português e em sueco para evangelizar. Em compensação, Gunnar era mais preparado e se tornou, naturalmente, o líder do trabalho. Ele era quem mais pregava, quem mais batizava e quem ia consolidando e ampliando a obra com a organização de novos pontos de pregação e congregações. Morreu trinta anos antes de Daniel, quando faltava um mês e meio para completar 54 anos.
“A mensagem completa do evangelho”
Os missionários evangélicos do século 19 foram, em parte, beneficiados pela chamada pré-evangelização, realizada pela Igreja Católica Romana nos 300 anos anteriores à sua chegada ao Brasil (de 1549 a 1855). Os missionários pentecostais foram muito beneficiados pela evangelização realizada pelos missionários evangélicos nos 55 anos anteriores ao início de seu trabalho (de 1855 a 1910). Em alguns poucos casos, o trabalho das Assembleias de Deus começava com a pentecostalização de uma igreja evangélica já existente, como aconteceu com a Igreja Batista Sueca de South Bend, no início de 1910. Em outros casos, começava com alguns crentes que deixavam suas congregações de origem para abraçar a “novidade” pentecostal. Foi o que aconteceu em Belém do Pará e em muitos lugares por esse Brasil afora, especialmente nos primeiros anos. Todavia, a maior parte da membresia das Assembleias de Deus procedia das trevas da ignorância religiosa e das trevas do pecado e da incredulidade.
Gunnar Vingren, Daniel Berg e a geração de pastores nacionais que surgiu com eles não anunciavam apenas Jesus. Pregavam “a salvação em Jesus e o batismo com o Espírito Santo”. Esta era “a mensagem completa do evangelho”. Tal pregação certamente encontrava guarida entre os cristãos que, à semelhança dos discípulos de Éfeso, nem sequer sabiam da existência do Espírito Santo (At 19.2), por culpa da omissão de seus pastores. Encontrava guarida também entre os cristãos cujos pastores atribuíam toda honra ao Espírito Santo sem, contudo, usar a nomenclatura teológica dos pentecostais.
O folheto de 27 páginas de Raimundo Nobre
Por certo período houve muito desgaste emocional e de tempo por causa do atrito entre as denominações plantadas na segunda metade do século 19 e as Assembleias de Deus. Houve atitudes precipitadas, exageros e falta de amor de ambas as partes. O encarregado da congregação batista de Belém, Raimundo Nobre, acolheu os dois suecos no porão de sua casa e permitiu a participação deles nos cultos, o que redundou na divisão da igreja. Aborrecido e preocupado com a situação, Raimundo escreveu um folheto de 27 páginas contra a pregação de Gunnar e Daniel, e mandou imprimir 20 mil exemplares, que foram enviados para as igrejas evangélicas de todo o Brasil. Gunnar ensinava que a prova do batismo com o Espírito Santo era falar em línguas. Anos depois, a declaração de fé oficial das Assembleias de Deus amenizou a questão, afirmando que falar em outras línguas conforme a vontade soberana de Deus é evidência do batismo com o Espírito. Da parte dos pentecostais, havia muita ênfase em línguas, revelações, curas e milagres. Daniel chamou de milagre o fato de um peixe ter pulado para dentro do barco quando os passageiros estavam com muita fome.
Cem mil batizados em 36 anos
A primeira igreja pentecostal foi organizada há exatos cem anos, em 18 de junho de 1911, seis meses depois da chegada dos dois suecos ao Pará, com o nome de Missão da Fé Apostólica, o mesmo nome dado por William Seymour à igreja da rua Azuza, em Chicago, cinco anos antes. O nome Assembleia de Deus foi adotado seis anos e meio depois, em janeiro de 1918.
Nenhuma denominação evangélica experimentou um crescimento tão rápido e tão grande como as Assembleias de Deus. Nos quatro primeiros anos (1911-1914) houve 384 batismos “nas águas”. No final da primeira década, a nova denominação estava estabelecida em sete estados das regiões Norte (Pará e Amazonas) e Nordeste (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas). Na década de 20, os assembleianos ocuparam os demais estados do Norte e Nordeste e começaram o trabalho nas regiões Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e Sul (Paraná e Rio Grande do Sul). Em 33 anos de história (de 1911 a 1944), já estavam instalados em todos os estados da Federação. Na ocasião da 8ª Convenção Nacional das Assembleias de Deus, realizada em São Paulo, em 1947, o Brasil já era contado como o terceiro país em número de crentes pentecostais em todo o mundo, com 100 mil fiéis batizados.
Elben Magalhães Lenz César foi o fundador da Editora Ultimato e redator da revista Ultimato até a sua morte, em outubro de 2016. Fundador do Centro Evangélico de Missões e pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Viçosa (IPV), é autor de, entre outros, Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero?, Refeições Diárias com Jesus, Mochila nas Costas e Diário na Mão, Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Conversas com Lutero, Refeições Diárias com os Profetas Menores, A Pessoa Mais Importante do Mundo, História da Evangelização do Brasil e Práticas Devocionais. Foi casado por sessenta anos com Djanira Momesso César, com quem teve cinco filhas, dez netos e quatro bisnetos.
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