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Guerra (nada) santa na telinha

(ALC) A uma platéia de estudiosos da religião vindos de mais de 30 países para a Conferência sobre o Cristianismo na América Latina e no Caribe, realizada em São Paulo em 2003, o padre e escritor José Oscar Beozzo afirmou: “O crescimento das igrejas pentecostais é o fenômeno mais espetacular no panorama religioso da América Latina nas últimas décadas”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de evangélicos no País – incluídos aí todos os ramos, desde os protestantes históricos até os neopentecostais – passou de 9,05% da população em 1991 para 15,45% no ano 2000. Em números absolutos, de cerca de 13 milhões para aproximadamente 26 milhões de pessoas.

“A religiosidade está em alta no Brasil na alvorada do novo milênio”, atestou um relatório divulgado no ano passado pela Fundação Getúlio Vargas. O estudo “Economia das religiões: mudanças recentes” mostra que pela primeira vez em mais de um século a taxa de participação dos católicos deixou de cair e manteve-se “estável no primeiro quarto de década, com 73,79% em 2003”. Os evangélicos seguem crescendo, mas agora angariando seu público no segmento dos sem-religião – grupo que caiu de 7,4% para 5,1%.

O texto afirma que os dados demonstram claramente que “a velha pobreza brasileira” (como nas áreas rurais do Nordeste) continua católica, enquanto “a nova pobreza” (periferia das grandes cidades) “estaria migrando para as novas igrejas pentecostais e para os chamados segmentos sem religião”. “Discutir política social sem levar em conta a atuação de entidades religiosas é deixar de fora um elemento fundamental”, aponta o estudo.

Não só a periferia e os grandes centros constituem o ringue em que o crescimento evangélico e a reação católica travam seus embates. A luta pelos corações e mentes dos fiéis se dá em diversos campos, inclusive no midiático – terreno, como se sabe, pouco propício à santidade.

Enquanto a mais conhecida das denominações neopentecostais, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), tem construído um verdadeiro império de comunicação, com a TV Record à frente – “vamos ser líderes na comunicação no Brasil”, diz seu fundador, Edir Macedo (veja material seguinte) –, a Igreja Católica também busca alternativas na televisão. Hoje já são quatro as emissoras católicas do País: Rede Vida, TV Século XXI, Rede Canção Nova e TV Aparecida. Seus perfis procuram dar voz às diferentes correntes, das carismáticas às mais ligadas ao engajamento sociopolítico, que formam o rebanho majoritário do cristianismo brasileiro.

Artigos de acadêmicos que pesquisam a presença dos grupos religiosos nos meios de comunicação estão no livro Mídia e religião na sociedade do espetáculo, lançado no final de 2007. O volume traz textos apresentados no I Colóquio de Comunicação Eclesial, promovido pela Cátedra Unesco de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). O livro analisa o crescimento da participação de grupos religiosos na mídia, novo terreno de disputa entre o cristianismo histórico e as igrejas pentecostais

“Enquanto as igrejas históricas – catolicismo e protestantismo – usavam os meios de comunicação de massa como instrumentos de sua mensagem, como transportadores de seus conteúdos, as novas religiões nascem fundidas, geneticamente produzidas pela mídia, particularmente a televisão. O que significa que as segundas correspondem ao bios midiático e as primeiras precisam aprender a ser para assim sobreviver”, escreve Christa Berger, docente da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, Rio Grande do Sul.

Para ela, do ponto de vista da comunicação, “as religiões integram a sociedade midiática do espetáculo”. Vários são os textos, por sinal, que fazem referência a Guy Debord e seu clássico A sociedade do espetáculo que, já em 1967, dizia que “a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos”.

Professor da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e vice-presidente para a América Latina da Associação Mundial para Comunicação Cristã, Luciano Sathler, por sua vez, cita Peter Burke para dizer que a concentração de poder na mídia no século 20 embaralhou as possíveis linhas divisórias entre informação e entretenimento, inclusive com as influências mútuas entre política, mídia, economia e religião. Já o complicado quadro das concessões de televisão que misturam interesses políticos e religiosos é analisado por Alexandre Brasil Fonseca, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Características do cenário pós-moderno – como vazios de sentido, supervalorização do consumo, um “misticismo shoppingcenter” temperado pelo pensamento mágico – são abordadas em diversos textos do volume. Para vários autores, o tema do reencantamento é fundamental. Como define o teólogo Jung Mo Sung, professor de Ciências da Religião da Umesp, citado num dos artigos, trata-se de empreender uma busca por encontrar nas coisas, atividades e pessoas valores que transcendam o econômico “e revelem um sentido de vida que seja muito mais humano e profundo que simplesmente acumular riquezas e ostentar bens de consumo”.

Karla Pereira Patriota, doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Pernambuco, alerta que “não podemos esquecer que na pós-modernidade praticamente tudo passa pela mídia”. Ela é receptora dos discursos da sociedade e deles também se alimenta. Portanto, diz a pesquisadora, se os grupos religiosos estão alcançando sucesso nessa seara é porque, segundo a lógica da propaganda e do mercado, “têm o que o público precisa”. E como lembra Angela Maria Lucas Quintiliano, mestranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, citando Durkheim: “Não existe religião alguma que seja falsa, todas elas respondem de formas diferentes a condições dadas de existência.”

Fonte: www.alcnoticias.org.br

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