Opinião
26 de março de 2013
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Freud e Deus

É dispensável comentar que as versões brasileiras posteriores das obras completas, baseadas na versão “Standard” inglesa foram marcadas pelo mesmo viés, acrescido de mais alguns problemas estruturais e semânticos sérios.
Então resolvi investigar algumas obras de Freud no original alemão, principalmente as que falam em religião (agora, para nossa alegria, elas estão em domínio público). E o resultado foi uma série de paralelos que Freud faz entre a psicanálise e a religião, chamando os psicanalistas de “pastores da alma”, por exemplo. Não se contentando em acusar a religião de funcionar com substituto ilegítimo e forçoso da ciência, Freud propõe o inverso: substituir a religião por sua ciência psicanalítica.
O que eu procurei deixar claro em meu artigo não era a questão de Deus em si - se Ele existe ou não -, nem mesmo se Freud acreditava nele ou não, mas somente confirmar o quanto as questões ligadas à alma e ao espírito (erroneamente traduzidas como “mente” em alguns trechos das traduções) são frequentes. Não adianta me dizer que o sentido de “alma” atribuído por Freud não é necessariamente o cristão, mas um conceito filosófico dos gregos; pode até não ser. Mas o que fica claro nos escritos de Freud sobre a religião e a religiosidade é que essas discussões não podem ser reduzidas aos limites estreitos da ciência medicinal e material, pois ela diz respeito ao inconsciente.
Tudo isso me fez revisitar o meu trabalho tradutório de Deus em Questão, do professor e psiquiatra da Universidade de Harvard, Armand Nicholi. Além de apresentar um paralelo entre o percurso espiritual de cada um desses personagens, Nicholi resume o que eles pensavam sobre as grandes questões da vida como sexo, o sentido da vida e principalmente Deus. Isso, de uma forma bem acessível e interessante para aqueles que desejam entender melhor as teses de Freud, confrontadas com as bases da fé cristã, a partir da visão de alguém reconhecido pela comunidade científica. Muitos jovens que se perguntam a cerca da “questão de Deus”, inclusive cristãos, não têm para onde correr e podem encontrar o apoio que precisavam nesse livro.
Mas o grande mérito de Nicholi, além do fato de ele ter se baseado nas cartas de Freud que escaparam em boa parte a esse viés, é que ele demonstrou que a “questão de Deus” era a principal questão com a qual Freud se ocupava. Ela era infinitamente mais importante para ele, do que as questões químico-biológicas e relacionadas ao sexo. E, de acordo com as carta e entrevista de Nicholi com a filha de Freud, Ana Freud, essa questão estava longe de estar resolvida para ele, apesar de suas infinitas investidas contra a existência concreta de Deus, chamando-a de “ilusão”, “delírio” e coisas do gênero. Não vou revelar mais sobre o livro para que o leitor não perca a motivação de lê-lo.
O que eu não disse no artigo, mas acredito piamente, é que a leitura atenta das obras de Freud (e por que não Nietzsche, Lênin e outros?) pode levar uma pessoa “que tenha ouvidos para ouvir” a se fazer a pergunta sobre Deus, com sinceridade. E assim, paradoxalmente, Deus pode usar material contrário à sua própria existência para se manifestar aos sedentos por Ele. E ao invés de jogar pedras em Freud, sem ao menos tê-lo lido, que tal você, que é cristão, estar pronto quando surgir uma oportunidade assim?
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Cartas entre Freud e Pfister
Freud versus Deus
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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