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Opinião

Filosofia da religião – uma introdução

Por Davi Bastos

Resenha: Filosofia da religião – uma introdução

“Que livro maravilhoso! Qualquer um consegue ler e entender, mesmo o assunto sendo bem abstrato.” Esse foi o feedback que recebi de um professor universitário sobre Filosofia da religiãouma introdução, de William Rowe. A clareza, simplicidade e concisão, assim como a atenção à história da filosofia, fazem desse livro a principal introdução à filosofia da religião no mundo.¹ A presente tradução brasileira foi feita a partir da quarta edição anglófona, de 2006, com vários acréscimos e melhorias em relação à primeira edição de 1978. Rowe faleceu em 2015, de modo que essa é provavelmente a última edição que será feita – seria muito difícil para qualquer filósofo emular a fluida e informativa escrita de Rowe em capítulos adicionais.

O núcleo do livro é a discussão filosófica sobre a existência ou inexistência de Deus. Primeiro, Rowe caracteriza (no capítulo 1) a noção de Deus a ser investigada filosoficamente. Ele afirma que o que explorará no livro é a existência ou inexistência do Deus teísta: isto é, um “ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno […] e autoexistente”.² Teísmo é a crença na existência de um ser com essas características, e ateísmo é a crença na inexistência de um ser com essas características.³ Esse uso regimentado de “teísmo” e “ateísmo” se distingue do uso comum no dia a dia: na terminologia de Rowe, “o teólogo protestante Tillich é ateísta, pois rejeitava a crença no que chamamos de Deus teísta”, ainda que, no uso corrente da expressão, Tillich fosse “teísta, porque acreditava em uma realidade divina, embora diferente do Deus teísta.”⁴

Esclarecida a questão acerca de que tipo de ser é esse que se quer saber se existe ou não (ou que se quer saber se há boa base filosófica para defender sua existência ou inexistência), Rowe passa a discutir os argumentos favoráveis à existência de Deus que partem puramente do raciocínio filosófico, independentemente de qualquer texto ou tradição revelada. Ele inicia com o argumento cosmológico (capítulo 2) que defende que todo evento possui uma causa, então, deve haver uma primeira causa de tudo que não seja ela mesma causada por nada, e que seja distinta de si mesma. Rowe evita a linguagem causal, contudo, atendo-se à noção de explicação. Esse movimento provavelmente é fruto da terminologia filosófica analítica que, seguindo David Hume, opta majoritariamente por separar o termo causa apenas para “causas eficientes”, isto é, grosso modo, causas do domínio da física.⁵ As outras causas de Aristóteles adotadas na filosofia medieval seriam, na verdade, tipos de explicação (causas material, formal e final).⁶ Nenhuma dessas complicações do pano de fundo, contudo, são apresentadas para o leitor, que pode seguir a leitura fluidamente entendendo o argumento cosmológico como um argumento acerca de seres explicados por outros seres, seres não explicados por outros e seres explicados por si próprios. Rowe explica e analisa cada premissa pormenorizadamente, de forma a elucidar o que está em jogo aqui, e também apresenta as forças e fraquezas desse argumento.

A mesma atenção recebida pelo argumento cosmológico é dada ao argumento ontológico (capítulo 3) e ao argumento do projeto (capítulo 4). Talvez o leitor conheça o argumento do projeto pela alcunha de “argumento do design”. Como editor da série Filosofia e Fé Cristã, da qual este livro é parte, creio que cabe aqui uma explicação editorial. Sou o culpado por essa tradução de “design” por “projeto”. Em primeiro lugar, simplesmente deixar a palavra “design” em inglês deveria ser um último recurso. Ainda que tenha sido uma opção amplamente adotada em traduções para o português, não é uma tradução, e, tendo boas opções, não vejo por que seria necessário apegar-se a essa tradição de tradução. Em segundo lugar, a palavra é ambígua e cheia de nuances em inglês, o que muitas vezes gera confusões em português por não conhecermos as nuances da palavra. É perfeitamente plausível, em inglês, que um ateu afirme que o universo manifesta design. Essa afirmação não o compromete com a tese de que há um designer, um projetista do universo. Por que não? Porque ele não está usando a palavra design no sentido de que há um projeto, mas de que há uma ordem ou funcionalidade na natureza. O argumento do design não é um argumento de que há ordem ou regularidade na natureza, mas sim um argumento de que a melhor explicação para tal ordem é a existência de projetistas (ou um único projetista) que ordenaram a natureza de acordo com seu projeto. Não é um argumento da ordem, portanto, mas um argumento do projeto. Isso é importante porque, por vezes, uma falácia de equivocação é usada para dizer que alguém se comprometeu com a existência de Deus: se alguém concede que há design, então concede que há um designer.⁷ Isso seria uma falácia se a pessoa em questão não estiver usando o termo design no sentido de projeto, mas sim no sentido de ordem. Para benefício do leitor, portanto, optamos por traduzir design ora por projeto, ora por ordem ou funcionalidade. Deixamos marcado entre colchetes, contudo, todas as principais ocorrências de “design”.



Após passar pelos três principais argumentos a favor da existência de Deus, Rowe avalia se experiências religiosas poderiam servir como evidências da existência de Deus (capítulo 5). Ele avalia diferentes tipos de experiências religiosas, mas foca em experiências místicas, principalmente experiências místicas introvertidas, nas quais alguém “volta-se para dentro e encontra a realidade divina na parte mais profunda do ser”.⁸ E, embora entenda que pessoas que têm tais experiências possam estar justificadas a tomá-las como verídicas, ressalta que as experiências não oferecem, em nenhum de seus relatos, uma percepção clara do divino como o Deus teísta caracterizado por Rowe, isto é, um ser supremamente bom, criador do mundo, mas separado e independente do mundo, onipotente, onisciente, eterno e autoexistente. As experiências místicas podem servir como confirmação de que há uma realidade divina, mas não oferecem nenhuma base para a crença no Deus teísta – isto é, essas exatas propriedades não são autoevidentes nas experiências analisadas. Em minha opinião, contudo, o ponto forte deste capítulo são as descrições das experiências místicas e a análise de Rowe de suas características. Vale a pena conhecer.

O capítulo 6 discute fé e razão: a fé é irracional? A razão pode suportar a fé? Ou crenças suportadas pela razão não são crenças da fé? Rowe apresenta rapidamente a visão de Tomás de Aquino e concentra-se no debate Clifford-James, isto é, entre William Clifford e William James. Para Clifford, crer sem evidências suficientes é moralmente errado, enquanto James defende a razoabilidade e permissividade moral da crença não embasada em evidências (ou mal embasada). À primeira vista, pode parecer que Clifford tem toda a razão, mas a famosa defesa de James é surpreendentemente bem montada e tem sido usada para defender a crença não evidencial, especialmente a fé religiosa.

O tratamento de Rowe sobre o problema do mal (capítulo 7) pode ser um tanto desalentador para alguns teístas. Afinal, o próprio Rowe deixou o cristianismo e tornou-se ateu, sendo um dos principais proponentes e defensores contemporâneos do argumento do mal contra a existência de Deus. Não é de se espantar que, apesar da máxima neutralidade que busca assumir no livro, ele termina os capítulos dos argumentos em favor da crença em Deus cético quanto a sua eficácia, enquanto termina o capítulo sobre o problema do mal defendendo a razoabilidade do problema e rejeitando as soluções propostas. Por que eu, um cristão, escolheria um livro de um ateu para introduzir a filosofia da religião? A resposta é simples: porque é o melhor livro que há, e porque o ateísmo de Rowe é quase imperceptível no livro. O livro é intelectualmente honesto, argumentativamente sólido e incrivelmente acessível. Não há motivo para o leitor se desesperar com o tratamento do autor quanto ao problema do mal. Certamente esse é o maior desafio filosófico para a crença em Deus, mas temos hoje muitas propostas de respostas possíveis, bem construídas e detalhadas, com muitas virtudes. Destaco especialmente o teísmo cético: a crença de que o intelecto de Deus é tão distante do nosso que é de se esperar que sejamos incapazes de julgar e avaliar os motivos que Deus pode ter para permitir o mal. Não deixe de ler este capítulo, que é bem escrito e simples de entender. É nele, também, que Rowe distingue quatro posições muito interessantes: o teísmo amigável (crê que é racional para si acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa, dadas as evidências de que ela dispõe), o teísmo hostil (crê que sempre é irracional não acreditar em Deus), o ateísmo amigável (crê que é racional para si não acreditar em Deus, mas pode ser irracional para outra pessoa) e o ateísmo hostil (crê que sempre é irracional acreditar em Deus).

Se o livro fosse dividido em duas partes, os capítulos de 8 a 11 constituiriam a segunda. O capítulo 8, por exemplo, sobre milagres, não busca saber se milagres podem ser boas evidências da existência de Deus, mas busca saber se é razoável crer em milagres (e Rowe conclui que sim, pode ser razoável crer em milagres se já tivermos bons motivos para crer em Deus). Aqui temos um desvio da direção do livro: não mais considerações filosóficas sobre a existência ou inexistência do Deus teísta, mas considerações sobre outras teses defendidas por diversas religiões. A discussão de vida após a morte (capítulo 9) foca em relatos de médiuns, mas explica a relevância da crença teísta para suportar a crença na vida após a morte. A discussão sobre presciência divina e liberdade humana (capítulo 10) apresenta quatro posturas possíveis diante do problema e conclui que este não é insolúvel para o teísmo. Rowe entende que a melhor opção para o teísta é defender que a presciência de Deus é compatível com a capacidade humana de escolher agir de uma forma ou de outra. Por fim, o último capítulo discute qual deve ser nossa postura diante das muitas religiões: ceticismo, dogmatismo exclusivista, dogmatismo inclusivista ou pluralismo? Ele apresenta problemas para o exclusivismo e para o pluralismo, mostrando-se mais inclinado para o inclusivismo. Esse capítulo é muito relevante para as discussões populares hoje sobre tolerância religiosa e laicidade estatal, na medida em que explica como a tolerância é possível de um ponto de vista doutrinário (a partir do inclusivismo) e como o pluralismo não é uma opção razoável do ponto de vista filosófico.

Certamente o escopo do livro não agradará a muitos: não há exposições e investigações de tradições religiosas marginais ao monoteísmo, não há explicação ou discussão da doutrina da simplicidade divina, não é dada grande atenção à epistemologia reformada, não se discute metaética, ética, política ou outros assuntos de filosofia prática, não discute (supostos) conflitos entre ciência e religião etc. Tudo o que é exposto aqui, contudo, é relevante para todos esses outros temas, e possui caráter fundamental para o pensamento religioso: quem é Deus? Que motivos temos para crer que ele existe? Ele é compatível com o mal, a liberdade e as muitas religiões? Sem ter ao menos uma noção sobre esses assuntos fundamentais, debates sobre política e religião nunca serão de fato eficazes, porque nunca contemplarão o pensamento religioso em si – o que fica manifesto em muitas supostas defesas da laicidade que são, na verdade, defesas do secularismo. Por esse e outros motivos, o livro Filosofia da religião – uma introdução é relevante para o cenário religioso e político brasileiro, e tem também muito a contribuir com o cenário filosófico e acadêmico.

Artigo publicado originalmente no site Unus Mundus. Reproduzido com permissão.

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Saiba mais:
» Filosofia da Religião – Uma introdução, William L. Rowe
Davi Bastos é casado com Samara e pai de Moisés, Anastácia (in memoriam) e Irene. É editor da série de livros Filosofia e Fé Cristã (Editora Ultimato) e doutorando em filosofia na Unicamp.
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