Opinião
- 13 de abril de 2020
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Ficar em casa: as tentações da quarentena
Por João Leonel
Estamos vivendo tempos de risco à saúde mundial, de quebra de bolsas de valores, de corrida aos supermercados, de fechamento de escolas e empresas, de isolamento humano.
Mais do que tudo, a pandemia que enfrentamos afeta nossos valores. Valores humanos. Somos desafiados a nos vermos e nos assumirmos como humanos neste dia sombrio da humanidade.
Lembro-me de Jesus Cristo. De quando, sendo Deus, manteve-se firmado em sua humanidade para enfrentar as investidas do diabo no deserto (Lucas 4.1-13). Sozinho, isolado.
Naquele momento a união com a humanidade que veio salvar estava em jogo. Jesus seria o Cristo se, assumindo plenamente sua natureza humana, vencesse os desejos mais básicos e, ao mesmo tempo, profundos e perversos do coração humano.
Como nós, nestes tempos do novo coronavírus.
Jesus, em quarentena, foi tentado pelo diabo. Não era um tempo de descanso, de férias, de tempo livre.
Não nos enganemos. A reclusão, a quarentena a que estamos submetidos, nada tem de férias. É tempo de tentação.
Mesmo reconhecendo necessário ficarmos isolados, logo começamos a levantar nossas vozes em protesto.
O primeiro deles é referente à nossa subsistência. Vemos em outros países, mas no Brasil também, a preocupação com a estocagem de alimentos. Estamos preocupados com o pão.
Se Jesus foi tentado a transformar pedras em pães “ao final dos quarenta dias”, quando teve fome (4.2), nós, séculos depois, com tecnologia e expertise agropecuárias e uma forte indústria alimentícia, nos primeiros dias de reclusão já pensamos em correr ao supermercado.
Neste momento de crise da humanidade é o pão que nos preocupa!
O segundo protesto se dirige à passividade a que somos relegados. Nós, seres produtivos, pessoas importantes em cargos e atividades sem as quais a sociedade não sobreviverá, certamente concordaríamos e aceitaríamos, de bom grado, que em lugar de lutarmos cotidianamente para obter a “glória dos reinos do mundo” (4.5-6), ela nos fosse dada em um passe de mágica.
>> Conselhos da Itália para florescer no isolamento <<
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Se Jesus não aceitou glória que não fosse aquela advinda da cruz, nós lutamos pela glória pessoal, que se manifesta em nossas relações profissionais, sociais e até familiares.
Mas, agora, somos privados de tais relações!
Por fim, nosso último protesto se dirige a Deus. Afinal, ele é nosso protetor. É ele que se coloca ao nosso lado quando “caem mil ao nosso lado e dez mil à nossa direita” (Sl 91.7). É ele que, segundo o salmo, envia anjos para nos guardarem. Por isso, diz o diabo, Jesus pode se jogar da torre do templo para que todos contemplem como Deus o protegerá.
Somos tentados a, em uma versão distorcida e manipuladora do cuidado que Deus promete nos conceder, deixarmos os cuidados necessários diante da pandemia e assumirmos, por motivos religiosos, posturas egoístas e perigosas para a sociedade.
Os quarenta dias, a quarentena, quando Jesus enfrentou as tentações do diabo, foram tempos de teste de sua humanidade.
O período que devemos permanecer recolhidos em nossas casas testará em profundidade nossa humanidade. Agir em descumprimento das orientações que temos recebido revelará que, diferentemente de Jesus, somos pessoas facilmente vencidas pela tentação.
• João Leonel é professor no Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas (SP), e na graduação e pós-graduação em Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP. É autor dos e-books Perguntas de Quem Sofre: uma leitura do Livro de Jó, Apocalipse para Hoje: aplicação e atualidade da Revelação e, em parceria com Gladir Cabral, O Menino e o Reino: meditações diárias para o Natal, todos pela Editora Ultimato.
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