Opinião
- 06 de abril de 2018
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Fé e razão: novas questões para um antigo debate
Por William Lane
Anos atrás, John Stott escreveu um pequeno livro, porém, muito precioso, intitulado Crer é também pensar. Nele Stott fala da importância do intelecto na vida cristã. Embora ele não aprofunde a discussão sobre a relação entre fé e ciência, o livro aborda a necessidade de nossa fé ser amadurecida pelo intelecto e como também não podemos reduzir a vida cristã a preceitos puramente racionais.
Na discussão entre fé e razão ou Bíblia e ciência, há tipicamente três modos de entender a relação entre elas. A primeira é uma afirmação exclusiva da narrativa bíblica como única perspectiva absoluta do conhecimento sobre todas as coisas que dizem respeito à vida humana e o universo. Isso se dá, geralmente, por uma leitura literalista e compreensão mecânica da inspiração da Bíblia. Sugere que o conhecimento científico é incompatível com a verdade bíblica.
A segunda maneira, oposta a essa, é negar que a Bíblia tenha algo significativo a afirmar sobre a vida humana, o universo e a história, e entender que no máximo a Bíblia apresenta uma versão parcial, limitada e influenciada pelas crenças de seus autores, consequentemente, por uma visão religiosa. Basicamente, reconhece a incompatibilidade da Bíblia com a ciência moderna e admite que em termos de conhecimento das origens do universo e da vida humana precisamos recorrer à ciência moderna, não à Bíblia.
A terceira maneira de compreender a relação entre a Bíblia e ciência é por meio de uma acomodação da linguagem ou afirmações bíblicas aos desenvolvimentos científicos modernos. É uma tentativa de afirmar a veracidade dos dados bíblicos e compatibilizá-los com as descobertas científicas modernas. Típico dessa acomodação, por exemplo, é sustentar que os “dias” da criação foram, na verdade, eras ou períodos a fim de acomodar os bilhões de anos da origem do universo. Apesar de bem intencionada, essa acomodação acaba violando a linguagem e contexto bíblicos e, consequentemente, deixa de escutar a mensagem bíblica sobre a criação.
Os dois primeiros modos, afirmam uma visão e negam a outra. O terceiro modo procura conciliar as duas visões. A discussão é antiga e naturalmente há variações a essas três maneiras sugeridas. Mas por trás dessa questão, há uma questão de base que também influencia o modo como entedemos essa relação. A questão está na interação entre fé e conhecimento. Isso pode ser ilustrado pela diferença entre a epistemologia de dois teólogos medievais: Tomás de Aquino (1225-1274) e Anselmo de Cantuária (1033-1109).
Tomás de Aquino é conhecido por desenvolver argumentos racionais e filosóficos sobre a existência de Deus e articular o que veio a ser posteriormente conhecido por teologia natural. Entendia que pela razão o ser humano pudesse chegar ao conhecimento de Deus, ainda que defendesse também a necessidade da fé.
Anselmo de Cantuária, também conhecido por desenvolver argumentos ontológicos da existência de Deus, é lembrado pela máxima fides quaerens intellectum ("fé em busca de entendimento") que define seu pensamento. Para Anselmo, Deus como verdade absoluta é a base de todo pensamento, conhecimento e razão. Fé e conhecimento não são opostos, porém, também não é o conhecimento que leva à fé, pelo contrário, todo conhecimento tem de partir da fé que busca o entendimento.
Em última instância, a diferença entre esses teólogos medievais, refletem a diferença entre Aristóteles e Platão muito bem representada no gesto das mãos de Aristóteles e Platão no quadro A escola de Atenas do artista italiano renascentista Rafael Sanzio (1483-1520). No quadro, Platão está com o antebraço direito levantado com o dedo indicador apontado para cima. Aristóteles tem o seu braço direito estendido para frente com a palma da mão virada para baixo.
Embora novos avanços nas ciências reascendam antigas discussões sobre fé e razão, revelação e conhecimento, Bíblia e ciência, não se pode concluir que todo o avanço tecnológico moderno resolve ou elimina a necessidade de sentido último da vida nem que a fé dispensa todo conhecimento, ciência e razão humana. É preciso, contudo, encontrar um equilíbrio.
Por isso, penso que há uma quarta maneira de entender a relação entre fé e razão ou Bíblia e ciência. A máxima de Anselmo “a fé em busca de entendimento” pode tanto nos levar a ser cristãos maduros quanto colocar todo o conhecimento humano na perspectiva do Deus absoluto. Todo conhecimento que abdica da fé, particularmente, da crença em Deus, é um conhecimento estéril. De igual modo, toda fé que não leva à busca do entendimento é uma fé estéril.
Imagem: A Escola de Atenas, afresco no Vaticano.
Anos atrás, John Stott escreveu um pequeno livro, porém, muito precioso, intitulado Crer é também pensar. Nele Stott fala da importância do intelecto na vida cristã. Embora ele não aprofunde a discussão sobre a relação entre fé e ciência, o livro aborda a necessidade de nossa fé ser amadurecida pelo intelecto e como também não podemos reduzir a vida cristã a preceitos puramente racionais.
Na discussão entre fé e razão ou Bíblia e ciência, há tipicamente três modos de entender a relação entre elas. A primeira é uma afirmação exclusiva da narrativa bíblica como única perspectiva absoluta do conhecimento sobre todas as coisas que dizem respeito à vida humana e o universo. Isso se dá, geralmente, por uma leitura literalista e compreensão mecânica da inspiração da Bíblia. Sugere que o conhecimento científico é incompatível com a verdade bíblica.
A segunda maneira, oposta a essa, é negar que a Bíblia tenha algo significativo a afirmar sobre a vida humana, o universo e a história, e entender que no máximo a Bíblia apresenta uma versão parcial, limitada e influenciada pelas crenças de seus autores, consequentemente, por uma visão religiosa. Basicamente, reconhece a incompatibilidade da Bíblia com a ciência moderna e admite que em termos de conhecimento das origens do universo e da vida humana precisamos recorrer à ciência moderna, não à Bíblia.
A terceira maneira de compreender a relação entre a Bíblia e ciência é por meio de uma acomodação da linguagem ou afirmações bíblicas aos desenvolvimentos científicos modernos. É uma tentativa de afirmar a veracidade dos dados bíblicos e compatibilizá-los com as descobertas científicas modernas. Típico dessa acomodação, por exemplo, é sustentar que os “dias” da criação foram, na verdade, eras ou períodos a fim de acomodar os bilhões de anos da origem do universo. Apesar de bem intencionada, essa acomodação acaba violando a linguagem e contexto bíblicos e, consequentemente, deixa de escutar a mensagem bíblica sobre a criação.
Os dois primeiros modos, afirmam uma visão e negam a outra. O terceiro modo procura conciliar as duas visões. A discussão é antiga e naturalmente há variações a essas três maneiras sugeridas. Mas por trás dessa questão, há uma questão de base que também influencia o modo como entedemos essa relação. A questão está na interação entre fé e conhecimento. Isso pode ser ilustrado pela diferença entre a epistemologia de dois teólogos medievais: Tomás de Aquino (1225-1274) e Anselmo de Cantuária (1033-1109).
Tomás de Aquino é conhecido por desenvolver argumentos racionais e filosóficos sobre a existência de Deus e articular o que veio a ser posteriormente conhecido por teologia natural. Entendia que pela razão o ser humano pudesse chegar ao conhecimento de Deus, ainda que defendesse também a necessidade da fé.
Anselmo de Cantuária, também conhecido por desenvolver argumentos ontológicos da existência de Deus, é lembrado pela máxima fides quaerens intellectum ("fé em busca de entendimento") que define seu pensamento. Para Anselmo, Deus como verdade absoluta é a base de todo pensamento, conhecimento e razão. Fé e conhecimento não são opostos, porém, também não é o conhecimento que leva à fé, pelo contrário, todo conhecimento tem de partir da fé que busca o entendimento.
Em última instância, a diferença entre esses teólogos medievais, refletem a diferença entre Aristóteles e Platão muito bem representada no gesto das mãos de Aristóteles e Platão no quadro A escola de Atenas do artista italiano renascentista Rafael Sanzio (1483-1520). No quadro, Platão está com o antebraço direito levantado com o dedo indicador apontado para cima. Aristóteles tem o seu braço direito estendido para frente com a palma da mão virada para baixo.
Embora novos avanços nas ciências reascendam antigas discussões sobre fé e razão, revelação e conhecimento, Bíblia e ciência, não se pode concluir que todo o avanço tecnológico moderno resolve ou elimina a necessidade de sentido último da vida nem que a fé dispensa todo conhecimento, ciência e razão humana. É preciso, contudo, encontrar um equilíbrio.
Por isso, penso que há uma quarta maneira de entender a relação entre fé e razão ou Bíblia e ciência. A máxima de Anselmo “a fé em busca de entendimento” pode tanto nos levar a ser cristãos maduros quanto colocar todo o conhecimento humano na perspectiva do Deus absoluto. Todo conhecimento que abdica da fé, particularmente, da crença em Deus, é um conhecimento estéril. De igual modo, toda fé que não leva à busca do entendimento é uma fé estéril.
Imagem: A Escola de Atenas, afresco no Vaticano.
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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