Opinião
- 02 de junho de 2010
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Ezequias reloaded
Karl Heinz Kienitz
“Estude ... e leia, especialmente biografias” é uma recomendação dada a líderes por Stephen Lorenz, general dos Estados Unidos que deixa o serviço ativo da sua força aérea por estes dias. Na busca de conhecimento de liderança, o “enfoque biográfico” é interessante: enfatiza a prática. Ao cristão que o adota chama atenção a história de Ezequias – entre outras certamente. Ele esteve à frente do povo de Judá numa época conturbada, obtendo êxitos expressivos a despeito das grandes dificuldades que enfrentou. Como que para enfatizar o caso Ezequias, sua história é assunto relativamente extenso de três autores bíblicos1.
Ezequias assumiu o governo de um país em ruínas; as perspectivas do reino de Judá eram as piores possíveis. Em batalha desastrada, seu pai Acaz havia conduzido multidões à morte num só dia. Mulheres e crianças chegaram a ser deportadas. O templo estava fechado e “despachos” eram feitos por toda Jerusalém. Mas lemos sobre Ezequias: “Tinha vinte e cinco anos de idade quando começou a reinar, e vinte e nove anos reinou em Jerusalém... No Senhor Deus de Israel confiou, de maneira que depois dele não houve quem lhe fosse semelhante entre todos os reis de Judá, nem entre os que foram antes dele. Porque se chegou ao Senhor, não se apartou dele ... para onde quer que saía se conduzia com prudência...”
Como o jovem Ezequias pode “dar a volta por cima”? O texto bíblico apresenta dois fundamentos para a atuação de Ezequias: uma decisão pessoal genuína em resposta à chamada de Miqueias ao arrependimento, e um relacionamento de fé (confiança) com Deus. Mais tarde o rei Josias seria apresentado como o rei mais fervoroso, porém o que lemos sobre Ezequias não deixa dúvida sobre seu pragmatismo confiante, fruto de uma fé madura.
Alicerçado em sua experiência pessoal, e apesar de todas as mazelas econômicas e militares da nação, Ezequias elegeu como primeira prioridade uma reorientação espiritual e de valores do seu povo: “... no primeiro ano do seu reinado, no primeiro mês, abriu as portas da casa do Senhor”. Inicialmente o jovem rei convocou os líderes do povo a um recomeço; infundiu-lhes dedicação e entusiasmo; soube vencer a inércia de alguns; e alavancado no apoio dos líderes reformou sua nação. As chaves para o sucesso desse processo foram: o “treinamento” de líderes; a ação pastoral de Ezequias; a bênção de Deus; e a manutenção de uma vida espiritual equilibrada.
Sob Ezequias a vida espiritual em Judá distinguiu-se por uma espiritualidade autêntica. Durante todo seu governo homens como Isaías, Miqueias e Oseias chamaram ao arrependimento, anunciaram a esperança do Messias e exortaram o povo a viver nos padrões de Deus. Os Provérbios transcritos pelos homens de Ezequias (Pv 25-29) documentam a qualidade do ambiente espiritual e social em Judá. Eis dois exemplos: “Se o seu inimigo estiver com fome, dê comida a ele; se estiver com sede, dê água”; “Um país sem a orientação de Deus é um país sem ordem. Quem guarda a lei de Deus é feliz”.
O ambiente em Judá refletia a qualidade da vida espiritual e o conhecimento do rei. Ezequias aprendeu que Deus cumpre o que promete, que tudo coopera para o bem de quem ele ama e que seu perdão é definitivo. Ezequias o expressou da seguinte forma: “Que direi? Como me prometeu, assim o fez... Eis que foi para a minha paz que tive grande amargura, mas a ti agradou livrar a minha alma da cova da corrupção; porque lançaste para trás das tuas costas todos os meus pecados”.
Da atenção à primeira prioridade resultou estabilidade individual e coletiva, viabilizando significativas realizações. Ezequias fortificou cidades, reaparelhou o exército e fortaleceu a segurança derrotando os filisteus. Em Jerusalém mandou construir um aqueduto através de rocha maciça, conhecido como o aqueduto de Ezequias e tido como uma das admiráveis obras de engenharia da Antiguidade.
Imprevistos desafiadores não tardaram. “Depois destas coisas e destes atos de fidelidade, veio Senaqueribe, rei da Assíria, e... acampou-se contra as cidades fortes, a fim de apoderar-se delas.” A reação de Ezequias mostra sua confiança incondicional em Deus e seu motivo para pedir intervenção divina é aprovado. Durante a crise, Ezequias continuou buscando conselho e valendo-se de trabalho em grupo. Assim como no início do seu reinado, o apoio dos líderes foi fundamental e o contato com a comunidade evitou a histeria coletiva quando tudo parecia perdido.
Um segundo imprevisto grave ocorreu mais ou menos à mesma época. “Naqueles dias Ezequias adoeceu de uma enfermidade mortal...” A doença levou Ezequias novamente a refugiar-se em Deus e levar a ele sua grande consternação. O texto bíblico não detalha os motivos da tristeza de Ezequias. Conjecturo que além da perplexidade pessoal com a morte iminente, havia pelo menos mais outra razão: o rei percebeu o grande risco da sua falta para a estabilidade da nação – não tinha então sucessor. Sua humildade e fé madura o levaram a reconhecer após sua convalescença: “Eu sei que foi para o meu próprio bem que sofri tanta aflição”.
Praticamente na sequência Ezequias é submetido a outra provação com propósito bem específico: “... quando vieram embaixadores de Babilônia, para se informarem do milagre da sua cura, Deus deixou-o agir sozinho, sem interferir, para que se revelasse inteiramente o seu caráter”. Durante a visita dos embaixadores, Ezequias agiu com um misto de credulidade, precipitação e orgulho, mas reconheceu seu erro ao ser interpelado por Isaías. Infelizmente o dano já estava feito e a resposta dada pelo rei a Isaías sugere que saúde e conforto fizeram Ezequias perder a visão além do horizonte da própria vida, algo que no momento da sua enfermidade parecia ser diferente. Essa negligência culminou em uma sucessão desastrosa. A diretriz colocada por Ezequias, “... o pai aos filhos faz notória a tua verdade”, não foi implementada com sucesso na educação do seu filho e sucessor Manassés. Judá passaria por momentos tenebrosos nas mãos de Manassés que, tão somente pela graça de Deus, acabaria se voltando à fé de seu pai após muita dor. Assim a parte final da história de Ezequias fornece impulsos importantes para refletir sobre um assunto atualíssimo: liderança, sucessão e continuidade institucional.
Eis um sumário de algumas lições de liderança que podem ser aprendidas do caso Ezequias:
a) Uma decisão pessoal genuína e um relacionamento de confiança com Deus são bases sólidas para uma liderança transformadora.
b) A chave para um grupo são seus líderes, mas eles precisam ser preparados e estimulados.
c) Duma vida espiritual equilibrada resultam estabilidade individual e coletiva.
d) Credulidade, precipitação e orgulho são perigos que rondam o líder, até mesmo o líder experiente.
e) Sucessão não se resolve sozinha e muito menos “do dia para a noite”. Falhas no processo sucessório comprometem a continuidade institucional e destroem conquistas anteriores.
f) A graça de Deus nos sustenta: “... da tua parte, Senhor nosso Deus, respondias às suas orações, e estavas sempre a perdoar-lhes as suas maldades, ainda que sejas um Deus castigador de tudo o que for pecado” (Sl 99.8).
Notas
1. Este texto se refere à história do rei Ezequias de Judá como anotada em 2 Reis 18-20, 2 Crônicas 29-32, Isaías 36-39 e Jeremias 26.17-19. Citações bíblicas seguem versões de Almeida, Bíblia na Linguagem de Hoje ou O Livro.
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“Estude ... e leia, especialmente biografias” é uma recomendação dada a líderes por Stephen Lorenz, general dos Estados Unidos que deixa o serviço ativo da sua força aérea por estes dias. Na busca de conhecimento de liderança, o “enfoque biográfico” é interessante: enfatiza a prática. Ao cristão que o adota chama atenção a história de Ezequias – entre outras certamente. Ele esteve à frente do povo de Judá numa época conturbada, obtendo êxitos expressivos a despeito das grandes dificuldades que enfrentou. Como que para enfatizar o caso Ezequias, sua história é assunto relativamente extenso de três autores bíblicos1.
Ezequias assumiu o governo de um país em ruínas; as perspectivas do reino de Judá eram as piores possíveis. Em batalha desastrada, seu pai Acaz havia conduzido multidões à morte num só dia. Mulheres e crianças chegaram a ser deportadas. O templo estava fechado e “despachos” eram feitos por toda Jerusalém. Mas lemos sobre Ezequias: “Tinha vinte e cinco anos de idade quando começou a reinar, e vinte e nove anos reinou em Jerusalém... No Senhor Deus de Israel confiou, de maneira que depois dele não houve quem lhe fosse semelhante entre todos os reis de Judá, nem entre os que foram antes dele. Porque se chegou ao Senhor, não se apartou dele ... para onde quer que saía se conduzia com prudência...”
Como o jovem Ezequias pode “dar a volta por cima”? O texto bíblico apresenta dois fundamentos para a atuação de Ezequias: uma decisão pessoal genuína em resposta à chamada de Miqueias ao arrependimento, e um relacionamento de fé (confiança) com Deus. Mais tarde o rei Josias seria apresentado como o rei mais fervoroso, porém o que lemos sobre Ezequias não deixa dúvida sobre seu pragmatismo confiante, fruto de uma fé madura.
Alicerçado em sua experiência pessoal, e apesar de todas as mazelas econômicas e militares da nação, Ezequias elegeu como primeira prioridade uma reorientação espiritual e de valores do seu povo: “... no primeiro ano do seu reinado, no primeiro mês, abriu as portas da casa do Senhor”. Inicialmente o jovem rei convocou os líderes do povo a um recomeço; infundiu-lhes dedicação e entusiasmo; soube vencer a inércia de alguns; e alavancado no apoio dos líderes reformou sua nação. As chaves para o sucesso desse processo foram: o “treinamento” de líderes; a ação pastoral de Ezequias; a bênção de Deus; e a manutenção de uma vida espiritual equilibrada.
Sob Ezequias a vida espiritual em Judá distinguiu-se por uma espiritualidade autêntica. Durante todo seu governo homens como Isaías, Miqueias e Oseias chamaram ao arrependimento, anunciaram a esperança do Messias e exortaram o povo a viver nos padrões de Deus. Os Provérbios transcritos pelos homens de Ezequias (Pv 25-29) documentam a qualidade do ambiente espiritual e social em Judá. Eis dois exemplos: “Se o seu inimigo estiver com fome, dê comida a ele; se estiver com sede, dê água”; “Um país sem a orientação de Deus é um país sem ordem. Quem guarda a lei de Deus é feliz”.
O ambiente em Judá refletia a qualidade da vida espiritual e o conhecimento do rei. Ezequias aprendeu que Deus cumpre o que promete, que tudo coopera para o bem de quem ele ama e que seu perdão é definitivo. Ezequias o expressou da seguinte forma: “Que direi? Como me prometeu, assim o fez... Eis que foi para a minha paz que tive grande amargura, mas a ti agradou livrar a minha alma da cova da corrupção; porque lançaste para trás das tuas costas todos os meus pecados”.
Da atenção à primeira prioridade resultou estabilidade individual e coletiva, viabilizando significativas realizações. Ezequias fortificou cidades, reaparelhou o exército e fortaleceu a segurança derrotando os filisteus. Em Jerusalém mandou construir um aqueduto através de rocha maciça, conhecido como o aqueduto de Ezequias e tido como uma das admiráveis obras de engenharia da Antiguidade.
Imprevistos desafiadores não tardaram. “Depois destas coisas e destes atos de fidelidade, veio Senaqueribe, rei da Assíria, e... acampou-se contra as cidades fortes, a fim de apoderar-se delas.” A reação de Ezequias mostra sua confiança incondicional em Deus e seu motivo para pedir intervenção divina é aprovado. Durante a crise, Ezequias continuou buscando conselho e valendo-se de trabalho em grupo. Assim como no início do seu reinado, o apoio dos líderes foi fundamental e o contato com a comunidade evitou a histeria coletiva quando tudo parecia perdido.
Um segundo imprevisto grave ocorreu mais ou menos à mesma época. “Naqueles dias Ezequias adoeceu de uma enfermidade mortal...” A doença levou Ezequias novamente a refugiar-se em Deus e levar a ele sua grande consternação. O texto bíblico não detalha os motivos da tristeza de Ezequias. Conjecturo que além da perplexidade pessoal com a morte iminente, havia pelo menos mais outra razão: o rei percebeu o grande risco da sua falta para a estabilidade da nação – não tinha então sucessor. Sua humildade e fé madura o levaram a reconhecer após sua convalescença: “Eu sei que foi para o meu próprio bem que sofri tanta aflição”.
Praticamente na sequência Ezequias é submetido a outra provação com propósito bem específico: “... quando vieram embaixadores de Babilônia, para se informarem do milagre da sua cura, Deus deixou-o agir sozinho, sem interferir, para que se revelasse inteiramente o seu caráter”. Durante a visita dos embaixadores, Ezequias agiu com um misto de credulidade, precipitação e orgulho, mas reconheceu seu erro ao ser interpelado por Isaías. Infelizmente o dano já estava feito e a resposta dada pelo rei a Isaías sugere que saúde e conforto fizeram Ezequias perder a visão além do horizonte da própria vida, algo que no momento da sua enfermidade parecia ser diferente. Essa negligência culminou em uma sucessão desastrosa. A diretriz colocada por Ezequias, “... o pai aos filhos faz notória a tua verdade”, não foi implementada com sucesso na educação do seu filho e sucessor Manassés. Judá passaria por momentos tenebrosos nas mãos de Manassés que, tão somente pela graça de Deus, acabaria se voltando à fé de seu pai após muita dor. Assim a parte final da história de Ezequias fornece impulsos importantes para refletir sobre um assunto atualíssimo: liderança, sucessão e continuidade institucional.
Eis um sumário de algumas lições de liderança que podem ser aprendidas do caso Ezequias:
a) Uma decisão pessoal genuína e um relacionamento de confiança com Deus são bases sólidas para uma liderança transformadora.
b) A chave para um grupo são seus líderes, mas eles precisam ser preparados e estimulados.
c) Duma vida espiritual equilibrada resultam estabilidade individual e coletiva.
d) Credulidade, precipitação e orgulho são perigos que rondam o líder, até mesmo o líder experiente.
e) Sucessão não se resolve sozinha e muito menos “do dia para a noite”. Falhas no processo sucessório comprometem a continuidade institucional e destroem conquistas anteriores.
f) A graça de Deus nos sustenta: “... da tua parte, Senhor nosso Deus, respondias às suas orações, e estavas sempre a perdoar-lhes as suas maldades, ainda que sejas um Deus castigador de tudo o que for pecado” (Sl 99.8).
Notas
1. Este texto se refere à história do rei Ezequias de Judá como anotada em 2 Reis 18-20, 2 Crônicas 29-32, Isaías 36-39 e Jeremias 26.17-19. Citações bíblicas seguem versões de Almeida, Bíblia na Linguagem de Hoje ou O Livro.
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Tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica Federal de Zurique, Suíça. É professor de engenharia em São José dos Campos (SP). É editor do blog Fé e Ciência.
- Textos publicados: 32 [ver]
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Site: http://www.freewebs.com/kienitz/
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