Opinião
- 12 de abril de 2019
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Existe uma abordagem cristã para a economia?
Por Guilherme de Carvalho
Há cerca de quatorze ou quinze anos começamos a conversar seriamente, em nosso pequeno círculo kuyperiano-belorizontino, sobre economia política e as possíveis leituras cristãs da história econômica moderna. A questão era premente: haveria uma abordagem distintamente cristã para a economia? Haveria uma alternativa sólida à adaptação da economia política marxiana realizada pela teologia da libertação e frequentemente copiada por evangélicos latino-americanos?
Afinal, se todo pensamento nasce no coração, não seria aquilo que amamos a verdadeira chave do conhecimento? [...] Assim, surgiram ao longo dos anos contribuições criativas para diferentes campos, como a física, a psicologia, a filosofia da tecnologia, a história, as ciências sociais, o direito, entre outras.
A teoria econômica, naturalmente, não poderia ficar de fora. Bob Goudzwaard foi pioneiro na aplicação da heurística filosófica reformacional ao campo da economia, não apenas submetendo as teorias dominantes a uma crítica cristã, mas também oferecendo em seus livros e artigos interpretações originais da formação econômica do Ocidente e de conceitos fundamentais da ciência econômica, como a natureza do “econômico”, “escassez”, “utilidade”, “preço”, entre outros.
Em Capitalismo e Progresso, o doutor Goudzwaard expõe o ideal moderno de progresso, dominante na cultura ocidental e ponto de convergência e simbiose entre capitalistas e socialistas, e submete-o a uma crítica detalhada. Mostra como ele se constituiu a partir da destruição de barreiras espirituais e religiosas medievais e da ascensão do mesmo dualismo moderno de natureza e liberdade descrito antes por Herman Dooyeweerd.
Goudzwaard classifica esse ideal de progresso como uma forma de idolatria que legitima a confiança e a subserviência sem questionamento da sociedade às forças do avanço tecnológico e do crescimento econômico. E no “túnel” histórico construído para veicular a fé no progresso, o conjunto da vida humana é escravizado e espremido, dentro de uma lógica utilitarista.
Além de discutir a formação histórica da doutrina do progresso, o autor apresenta a vulnerabilidade e as contradições dessa ideologia, ressaltando seu impacto no trabalho, nos esportes, na sexualidade, no tempo, e classifica essa ideologia como um processo genuinamente irracional e contraditório e perigoso para o Ocidente.
Depois de discutir as várias respostas ao capitalismo, Goudzwaard enfim introduz sua própria resposta: uma revisitação das barreiras derrubadas e a promoção de economias normativas, capazes de reconhecer a integralidade das normas divinas para a vida, como as da mordomia, da tecnologia, da moralidade e da justiça; economias livres de fins terrenos absolutos e idolátricos que forcem a sociedade a um túnel de progresso; economias que respeitem o processo de abertura e enriquecimento cultural livre, sem ídolos nem planejamento central. Sua posição, em síntese, favorece o livre mercado, mas redefine a natureza do verdadeiro desenvolvimento em termos holísticos e teocêntricos.
A obra de Goudzwaard vem preencher uma notória lacuna na literatura cristã brasileira sobre a interação entre fé e pensamento econômico, enriquecendo de modo substancial a série “Ciência e Fé Cristã”, publicada pelo consórcio entre a ABC2 e a Editora Ultimato. Considerando o peso ideológico da economia política na formação universitária dos brasileiros, ela se provará uma obra indispensável e essencial para o diálogo entre fé e humanidades em nosso país.
• Trecho retirado do Prefácio à edição brasileira de Capitalismo e Progresso – um diagnóstico da sociedade ocidental.
É teólogo, mestre em Ciências da Religião e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, é também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro fundador da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2).
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