Opinião
- 20 de agosto de 2021
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A música sacra é (ou faz) teologia
Entrevista
Aos 92 anos, Roberto Torres Hollanda, também conhecido pelo pseudônimo Rolando de Nassau, completa 80 anos de conversão e 72 como um profundo conhecedor da música erudita.
Aos 20 anos, ele começou a cultivar o interesse pela arte musical e nunca mais parou. Quase todos os dias, Hollanda ouve uma peça musical – vocal, coral ou instrumental – produzida em diferentes períodos da história.
Roberto Hollanda é um entusiasta da hinologia tradicional e defende que a igreja – seus ministros e diretores musicais – saiba o valor e a importância dos hinos: não basta cuidar da execução musical, é preciso transmitir noções a respeito da história dos salmos e hinos às novas gerações.
Em artigo à Ultimato, em 2015, Roberto Hollanda afirmou que Jesus Cristo é a figura central da música sacra cristã. Compositores do mais alto gabarito dedicaram inúmeras obras musicais a ele. Quem ouve a música sacra, poderá ouvir aquele que enviou Jesus. Quem ouve as obras sacras, é porque quer ouvir a voz de Jesus. Essas obras são uma espécie de teologia musical.
Veja mais na entrevista a seguir.
Alguma pessoa ou obra influenciou de maneira especial a aproximação do senhor da música e da crítica musical? Quando o senhor descobriu o talento para a área da música?
Roberto Hollanda (RH) - Há 72 anos, venho procurando ser um “connaisseur” da música erudita. Quase diariamente, ouço uma peça de música (vocal, coral ou instrumental) produzida nos períodos antigo (antes de 1600), barroco (entre 1600 e 1750), clássico (entre 1750 e 1820), romântico (1810-1920), moderno (1920-2000) e contemporâneo (2000-2020).
Aos 20 anos de idade, comecei em 1949 meu interesse pela arte musical. Frequentava os concertos e recitais no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Cinema “Rex”, na Cinelância, quando conheci o novato pianista Friedrich Gulda. Foi uma benesse dos “anos dourados” (1950-1960). Influenciado pelo jornalista Esaú Afonso de Carvalho, admirava as criticas que fazia sobre exibições de virtuosismo musical.
Em 1957 lancei o livro “Introdução à Música Sacra”, o primeiro na literatura evangélica sobre este difícil tema.
Adquiri, em 1959, a “Histoire de la musique religieuse, des origines a nos jours”, de Paul Huot-Pleuroux (1922-2013), que me deu uma concepção fundamentada e rica a respeito da música sacra (católica, protestante e evangélica). O autor me advertiu de que “l’histoire de la musique religieuse est um sujet difficile”.
Além da formação em direito e administração, o senhor é formado em alguma área da arte? O senhor toca algum instrumento? Qual?
RH – Em tempos passados, alguns músicos, numa tentativa de menosprezar minha participação em assuntos musicais, tornaram- se veículos da informação de que eu não era pastor, ministro de música, regente, cantor¸ executante instrumental, ou professor de música.
Em 2007, respondi: “Bernard Holland, o mais antigo e o mais respeitado crítico de música erudita, talvez o único digno de coluna musical ainda escrevendo para o “The New York Times”, não ocupa nenhuma daquelas funções”.
Qual é o seu hino preferido? Por quê?
RH – “What a Friend We Have in Jesus” (TBH-182), escrito por Joseph Scriven (1819-1866), traduzido em nossos hinários (CC-155, HCC-165 e NC-159).
Quando, em 2009, foi implantado em meu peito um marca-passo, percebi que perdemos sempre a paz, e temos uma dor no coração, “só porque nós não levamos tudo a Deus em oração”.
Como o senhor lida com o envelhecer?
RH – “Sou feliz com Jesus” (CC-398, HCC-329 e NC-108) e fui, recentemente, por três problemas de saúde, cuidado sob a orientação dos médicos Ricardo Carranza, Marcelo Mattar e Audrien de Lucca, mas meditei sempre no hino “God Will Take Care of You”, de Civilla Martin (TBH-64, CC-344, HCC-33 e NC-165).
O envelhecimento confere uma percepção dos tempos, que pode permitir uma avaliação do que, em sua vida, foi realmente de valor. Envelhecer sem ter feito algo de importante é muito entristecedor. Temo, na idade provecta, ainda não ter feito o que Deus e os homens esperam de mim.
Quando pensava na morte (possível e intransferível) lembrava do hino irlandês “Jesus Christ our Lord” (“The Hymnal” – 1982, no. 488, HCC-363)
Há algum conselho que o senhor gostaria de ter recebido na juventude?
RH – Sim, o conselho de pessoas experientes sobre o uso do tempo. O poeta católico português Antônio das Chagas (1631-1682) morreu jovem mas escreveu o soneto “Conta e Tempo” (um dos que mais aprecio), que termina assim: “Aqueles que, sem conta, gastam tempo, quando o tempo chega, de prestar conta, chorarão, como eu, o não ter tempo”.
Algumas pessoas têm pouco tempo, mas se esse tempo for bem aproveitado, embora sua atuação tenha sido curta, a repercussão do seu trabalho será enorme e prolongada. Muitas desperdiçam suas oportunidades.
O que mais o anima e o que mais incomoda o senhor na área da música na igreja evangélica brasileira atualmente?
RH – Fico animado quando alguém ou alguma instituição cultural evangélica (como a Associação Cultural Evangélica de Brasília – SOCEB, e a Faculdade Teológica Batista de Brasília – FTBB) trabalha com a música erudita.
O que incomoda é ouvir música de má qualidade sendo executada como se fosse autêntica e apropriada.
Por quanto tempo o senhor participou como colaborador de “O Jornal Batista”? O que esta participação representa para o senhor?
RH – Em 1951 criei, em “O Jornal Batista”, uma coluna de crítica musical, onde ditava regras para a execução musical nas igrejas evangélicas no Brasil.
Fui colunista durante 67 anos (1951-2018), talvez influenciando mais de duas gerações de músicos evangélicos.
Procurei revelar as boas qualidades e as deficiências das peças do repertório musical, e de seus executantes, sem preocupar-me com as reações dos autores e compositores.
Gostaria de saber o que minha participação ainda representa para esse público.
O senhor publicou ou traduziu algum livro mais além de “Introdução à Música Sacra” (1957) e “Nassau – Dicionário de Música Evangélica” (1994)?
RH – Minhas obras constam da quarta edição do “Dicionário de Escritores de Brasília”, de Napoleão Valadares. Incluem o “e-book” dedicado ao hinógrafo Salomão Luiz Ginsburg.
Traduzi, com 13 anos de idade, o livro político pró-fascista italiano “Imperialismi in Lotta nel Mondo” (1942), emprestado por um colega imigrante.
Em 2000, o estudo teológico protestante “La Prière d’aprés les catéchismes de la Réformation”.
Conte-nos sobre sua família: sua esposa, filhos, netos e bisnetos – o senhor tem bisnetos? Quantos são os anos de casamento?
RH – Em 15 de julho, eu e Nieda, minha fiel e dedicada esposa, completamos 60 anos de vida conjugal.
Minhas duas filhas, Márcia e Marcela, continuam solteiras, sem filhos.
Não tenho netos; talvez Deus tenha permitido que eu desse mais amor e cuidado às minhas filhas, sempre amadas e queridas.
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