Opinião
- 13 de junho de 2008
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Entre "Leões e Cordeiros"
Eugênio Petraconi
Esta mensagem até poderia ter partido de um dos milhares de púlpitos cristãos espalhados pelo mundo, tanto pelo teor apocalíptico quanto pelo tom retórico e desafiador. Afinal, é, a meu ver, o tipo de exortação mais afinado com os propósitos do evangelho: uma tomada de consciência pessoal que se revela em um movimento para fora, em direção à coletividade. O compromisso de negar-se e voltar-se para o outro.
No entanto, talvez para minha vergonha (e/ou para vergonha de muitos), não ouvi a frase que me cativou os sentidos em púlpitos ou sermões televisivos. Tampouco a li em livros. Trata-se do ponto chave de um filme, reconhecidamente um produto da indústria cultural, pleno de paradoxos e intrinsecamente ambíguo.
O filme em questão é o recém lançado “Leões e Cordeiros” (Lions for Lambs, Estados Unidos, 2007), dirigido pelo já septuagenário Robert Redford e estrelado por Meryl Streep, Tom Cruise e pelo próprio diretor. O tema central é a guerra ao terror perpetrada pelo governo dos Estados Unidos. A trama se divide em três narrativas inter-relacionadas: em Washington, uma jornalista (Streep) entrevista um jovem senador republicano (Cruise) cotado como sucessor de George W. Bush; em uma universidade da Califórnia, um professor idealista (Redford) tenta convencer um estudante (o estreante Andrew Garfield) a direcionar seu potencial para causas mais nobres; no Afeganistão, dois soldados (Michael Penã e Derek Luke) lutam pela vida após uma tentativa frustrada de conquistar uma montanha infestada de talebãs.
Os soldados são o fio condutor da estória. Ex-alunos e discípulos “espirituais” de Redford, eles são parte de um esquadrão enviado em uma missão suicida por conta de uma nova estratégia de guerra elaborada pelo jovem senador. Este tenta convencer a jornalista a noticiar o fato como o golpe derradeiro sobre o terrorismo, apesar das desconfianças e do ceticismo dela. A decisão da jornalista é crucial para a decisão do estudante. E assim o ciclo se encerra. Ou quase isso.
“Leões e Cordeiros” não se reduz ao mero entretenimento. Antes, desafia. Não é uma obra memorável no que diz respeito à técnica cinematográfica — poderia muito bem ter sido produzido para a TV. As imagens até auxiliam, mas não dizem lá muita coisa. São as palavras que incomodam. São elas que nos fazem pensar.
Mais do que desferir um golpe certeiro no governo reacionário de Bush, o filme tenta revolver as próprias entranhas do nosso modus vivendi ocidental, embebido em um pragmatismo simplista, um idealismo hipócrita e um pseudo-cristianismo. O filme perscruta os valores e as motivações que movem e alimentam a nossa sociedade e apresenta o resultado de sua análise: somos seres cauterizados, movidos por necessidades que julgamos essenciais e imprescindíveis, mesmo quando não o são. Vivemos em uma sociedade em que reina um tipo de ideologia de classe-média cujo veneno nos entorpece. Buscamos o sucesso financeiro, o consumo desenfreado, o status e o ócio. Não temos tempo para valores do espírito. Não temos, e por vezes nem queremos, esforço de tipo algum. Não queremos agir. Não temos uma missão.
O filme de Redford, tratando de questões específicas da experiência norte-americana, fala do todo, das mais variadas esferas da existência contemporânea. O filme expõe as conseqüências do individualismo moderno e retoma a discussão a respeito do consumismo. Ele atualiza para a ficção a perspectiva que já vinha sendo tratada de forma magistral pelo documentarista Michael Moore (“Tiros em Columbine”, “Roger e Eu”, “Fahrenheit 11/9”). Para Redford, o problema da sociedade atual está intimamente relacionado com o consumismo. E este ponto o filme aborda muito bem. O objetivo da sociedade como um todo seria o de consumir, e consumir cada vez mais. Nossa política, nossa economia e nossa ideologia estariam voltadas tão somente para a satisfação desta necessidade voraz. Despertando o nosso consumismo, nos tornaríamos seres inertes (algo como dar muita comida para uma pessoa já obesa e assim evitar que ela tenha forças para se mover com liberdade). Certamente, esta é uma percepção interessante.
Desde o universitário que se torna descrente e se entrega à curtição, até a jornalista que reluta em denunciar e ir contra a maré, com medo de perder uma carreira de sucesso e tranqüilidade, são as motivações que, definindo a ação, engendram o problema e subvertem a ética. Para o filme, o consumismo entorpece. E se entorpece, gera letargia. E se gera letargia, aniquila a ação e extermina o esforço. E sem esforço, não pode haver vida.
Por se tratar de um filme mais panfletário do que propriamente analítico, “Leões e Cordeiros” nos propõe como solução um retorno à ação, à valorização do esforço, à tentativa de gerar e fortalecer a esperança. Que cada leitor assista ao filme e tire suas próprias conclusões. Mas que as tire. Que se envolva. Que reflita. Em suma, que se esforce.
• Eugenio Petraconi é jornalista e membro da Igreja Batista da Redenção, em Belo Horizonte, MG. www.petraconi.com
Esta mensagem até poderia ter partido de um dos milhares de púlpitos cristãos espalhados pelo mundo, tanto pelo teor apocalíptico quanto pelo tom retórico e desafiador. Afinal, é, a meu ver, o tipo de exortação mais afinado com os propósitos do evangelho: uma tomada de consciência pessoal que se revela em um movimento para fora, em direção à coletividade. O compromisso de negar-se e voltar-se para o outro.
No entanto, talvez para minha vergonha (e/ou para vergonha de muitos), não ouvi a frase que me cativou os sentidos em púlpitos ou sermões televisivos. Tampouco a li em livros. Trata-se do ponto chave de um filme, reconhecidamente um produto da indústria cultural, pleno de paradoxos e intrinsecamente ambíguo.
O filme em questão é o recém lançado “Leões e Cordeiros” (Lions for Lambs, Estados Unidos, 2007), dirigido pelo já septuagenário Robert Redford e estrelado por Meryl Streep, Tom Cruise e pelo próprio diretor. O tema central é a guerra ao terror perpetrada pelo governo dos Estados Unidos. A trama se divide em três narrativas inter-relacionadas: em Washington, uma jornalista (Streep) entrevista um jovem senador republicano (Cruise) cotado como sucessor de George W. Bush; em uma universidade da Califórnia, um professor idealista (Redford) tenta convencer um estudante (o estreante Andrew Garfield) a direcionar seu potencial para causas mais nobres; no Afeganistão, dois soldados (Michael Penã e Derek Luke) lutam pela vida após uma tentativa frustrada de conquistar uma montanha infestada de talebãs.
Os soldados são o fio condutor da estória. Ex-alunos e discípulos “espirituais” de Redford, eles são parte de um esquadrão enviado em uma missão suicida por conta de uma nova estratégia de guerra elaborada pelo jovem senador. Este tenta convencer a jornalista a noticiar o fato como o golpe derradeiro sobre o terrorismo, apesar das desconfianças e do ceticismo dela. A decisão da jornalista é crucial para a decisão do estudante. E assim o ciclo se encerra. Ou quase isso.
“Leões e Cordeiros” não se reduz ao mero entretenimento. Antes, desafia. Não é uma obra memorável no que diz respeito à técnica cinematográfica — poderia muito bem ter sido produzido para a TV. As imagens até auxiliam, mas não dizem lá muita coisa. São as palavras que incomodam. São elas que nos fazem pensar.
Mais do que desferir um golpe certeiro no governo reacionário de Bush, o filme tenta revolver as próprias entranhas do nosso modus vivendi ocidental, embebido em um pragmatismo simplista, um idealismo hipócrita e um pseudo-cristianismo. O filme perscruta os valores e as motivações que movem e alimentam a nossa sociedade e apresenta o resultado de sua análise: somos seres cauterizados, movidos por necessidades que julgamos essenciais e imprescindíveis, mesmo quando não o são. Vivemos em uma sociedade em que reina um tipo de ideologia de classe-média cujo veneno nos entorpece. Buscamos o sucesso financeiro, o consumo desenfreado, o status e o ócio. Não temos tempo para valores do espírito. Não temos, e por vezes nem queremos, esforço de tipo algum. Não queremos agir. Não temos uma missão.
O filme de Redford, tratando de questões específicas da experiência norte-americana, fala do todo, das mais variadas esferas da existência contemporânea. O filme expõe as conseqüências do individualismo moderno e retoma a discussão a respeito do consumismo. Ele atualiza para a ficção a perspectiva que já vinha sendo tratada de forma magistral pelo documentarista Michael Moore (“Tiros em Columbine”, “Roger e Eu”, “Fahrenheit 11/9”). Para Redford, o problema da sociedade atual está intimamente relacionado com o consumismo. E este ponto o filme aborda muito bem. O objetivo da sociedade como um todo seria o de consumir, e consumir cada vez mais. Nossa política, nossa economia e nossa ideologia estariam voltadas tão somente para a satisfação desta necessidade voraz. Despertando o nosso consumismo, nos tornaríamos seres inertes (algo como dar muita comida para uma pessoa já obesa e assim evitar que ela tenha forças para se mover com liberdade). Certamente, esta é uma percepção interessante.
Desde o universitário que se torna descrente e se entrega à curtição, até a jornalista que reluta em denunciar e ir contra a maré, com medo de perder uma carreira de sucesso e tranqüilidade, são as motivações que, definindo a ação, engendram o problema e subvertem a ética. Para o filme, o consumismo entorpece. E se entorpece, gera letargia. E se gera letargia, aniquila a ação e extermina o esforço. E sem esforço, não pode haver vida.
Por se tratar de um filme mais panfletário do que propriamente analítico, “Leões e Cordeiros” nos propõe como solução um retorno à ação, à valorização do esforço, à tentativa de gerar e fortalecer a esperança. Que cada leitor assista ao filme e tire suas próprias conclusões. Mas que as tire. Que se envolva. Que reflita. Em suma, que se esforce.
• Eugenio Petraconi é jornalista e membro da Igreja Batista da Redenção, em Belo Horizonte, MG. www.petraconi.com
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