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Opinião

Em nome de Jesus

Nossa impenitente capitulação à magia

Paulo Brabo

O drama dos testamentos representa, em muitos sentidos, um árduo esforço divino para eliminar da mente humana a idéia de magia: a noção de que, através de fórmulas mágicas ou procedimentos estabelecidos, Deus ou o universo podem ser manipulados para atingirmos o objetivo que temos em mente. 

Desde a primeira página, um dos traços mais distintivos do Deus das Escrituras é que ele não faz barganhas. Não há ritual ou palavra mágica que possa torcer o seu braço a fazer o que queremos. Se Deus conceder o que pedimos será reflexo da sua magnanimidade e da intimidade de relacionamento que ele propõe, jamais da nossa habilidade em manipulá-lo. 

Creio que esse cuidado divino em apagar da experiência humana a idéia da magia explica muito nas filigranas dos mandamentos e da Lei de Moisés. Israel não deve ter "outros deuses além de mim", entre outras coisas, porque os deuses dos outros povos são entidades manipuláveis -- aceitam suborno, dobram-se diante do ritual certo, vendem-se por um sacrifício, negociam, especulam e cedem a barganhas. Deus sabe que não é assim que o seu universo funciona, e não quer que seu povo adote essa visão distorcida do mundo. Pela mesma razão ele deita rigorosas proibições contra feitiçaria, amuletos e toda espécie de adivinhação. 

O próprio regime de sacrifícios não pressupõe controle mágico algum do mundo; Deus deixa claro que trata-se de provisão graciosa para a purificação dos pecados, e não de instrumento de manipulação. Deus faz alianças e assina contratos que beneficiam outros além de si mesmo, mas não distribui senhas ou abracadabras. No mundo dele você pode pedir, mas não pode obter o que quer por mágica, isto é, pela força e pela argúcia.

O que o Primeiro Testamento elucida o Novo escancara: Jesus passeia pelo mundo demolindo a noção essencialmente mágica de favor prestado e retribuição. Deus -- explica o Filho do Homem -- não distingue méritos e não rebaixa-se a troca de favores, mas "faz que o seu sol se levante sobre maus e bons". Seus filhos não devem recorrer a repetitivas fórmulas mágicas em suas orações, "porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes". Não é o pecado nem o bom comportamento que explicam as desgraças ou as felicidades, porque o mundo não funciona pela lógica simplista e retributiva da magia ("Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem padecido estas coisas?"). 

O universo -- Jesus explica -- funciona pela lógica singular da graça, não pela lógica humana da magia e da retribuição. Esta é, essencialmente, a natureza da boa nova: Deus não pode ser manipulado a fazer o bem que já está disposto a fazer em primeiro lugar. 

Porém a magia tem um brilho sedutor, e reincidimos periodicamente nela: recorremos a óleos milagrosos, quarentenas de oração e copos d'água, como se fosse algo cristão a se fazer. Mesmo nossa obsessão dominical é essencialmente mágica, quando o apóstolo nos alerta a não cairmos na velha armadilha de "dias de festa, ou lua nova, ou sábados", coisas que "têm aparência de sabedoria e de rigor ascético (...), mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne". 

O emblema final e mais eloqüente da nossa capitulação a uma visão mágica do mundo talvez esteja no nosso uso da expressão "em nome de Jesus". Orar e pedir "em nome de Jesus" era para ser entendido como se lê; seria orar "como Jesus oraria", ou pedir "imbuído do espírito de Jesus". Com o tempo, o conteúdo reduziu-se a fórmula que abre – esperamos -- todas as portas. 


Paulo Brabo é ilustrador, leitor compulsivo e mora em Campina Grande do Sul, Paraná.
www.baciadasalmas.com

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