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- 14 de novembro de 2013
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Efeitos religiosos do Brasil República
Ultimato relembra o Dia da Proclamação da República e reproduz a seguir um trecho do clássico Cristianismo e Política do saudoso bispo Robinson Cavalcanti. O teólogo e cientista social lembrava os efeitos da separação entre Igreja e Estado com o início do Brasil República.
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Por Robinson Cavalcanti
A República trouxe a separação entre a Igreja e o Estado. Foram assegurados direitos iguais para todas as religiões. Os cemitérios foram entregues às prefeituras e o casamento civil foi instituído, desconhecendo-se os casamentos religiosos. Já não se deveria ensinar religião nas escolas, nem o governo subvencionar as escolas religiosas. Os membros das comunidades religiosas que incluíram o voto de obediência foram privados de seus direitos políticos. O clero perdeu suas imunidades e teve o seu salário pago pelo Estado apenas por mais um ano. A Constituição de 1891 sequer invocava o nome de Deus. O positivismo e o liberalismo eram as ideologias dos líderes do novo regime.
Igreja e Estado
A Igreja Romana saudou o rompimento das amarras que a prendiam ao Estado, mas protestou pela perda dos privilégios. A Santa Sé veio em seu socorro, procurando dinamizá-la. Em 1901 foi nomeado um núncio apostólico e em 1905, o primeiro cardeal. Se em 1889 havia apenas treze dioceses, esse número chegava a 58 em 1920. Para suprir a falta de vocações, passou-se a importar maciçamente sacerdotes estrangeiros. Uma ação pastoral se voltou para a incipiente classe média e para as elites intelectuais (àquela altura afastada da Igreja em quase sua totalidade). Para sustentar o clero e as obras das ordens religiosas, passou-se a cobrar dos fiéis uma taxa pelos serviços prestados (casamentos, batizados, funerais etc.).
A tarefa dos cardeais da primeira República, Joaquim Arcoverde e Sebastião Leme, foi tentar uma recristianização do Brasil, um aumento da influência do catolicismo romano na sociedade, já que o Estado se mostrava distante e arredio. Um clero ultramontano europeu ou europeizado procurou restaurar a ortodoxia, atacando, em agressiva apologética, o protestantismo, a maçonaria e o socialismo. A religião se elitizava e se desnacionalizava. Ênfase particular era dada aos sacramentos e ao crescimento espiritual individualmente.
Os primeiros sinais de reaproximação entre a Igreja e o Estado republicano se deram durante o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922), prosseguindo durante o governo de Arthur Bernardes (1922-1926), quando este visitou oficialmente o cardeal Leme. Na crise de legitimidade do governo da República Velha, procurou-se o apoio da Igreja, outra vez reconhecida como condutora das massas.
Embora a ausência de discriminações legais não significasse, na prática, uma melhoria na vida e no ministério dos protestantes, o fato de serem iguais perante a lei, era um avanço muito grande. A Igreja Romana, porém, já não contando com o apoio do Estado para reprimir as “novas seitas”, passou a mover toda sorte de perseguição no nível sociológico, mobilizando as turbas fanatizadas e ignorantes, com a complacência e, muitas vezes, a cooperação das autoridades locais. A fé evangélica se expandia ao custo de uma perseverança e de enfrentamentos a desafios que chegavam ao heroísmo. Epopeia e saga à qual não faltaram os seus mártires, esquecidos pelas gerações futuras.
Evangelização e ação social na América Latina
O Congresso Missionário Internacional (Edimburgo, Escócia, 1910), dominado por organizações europeias sacramentalistas, recusou-se a incluir a América Latina como área missionária, visto já ser esse um “continente cristão”, pela presença da Igreja Romana. Os evangélicos inconformados com essa atitude promoveram um outro congresso (Panamá, 1916), em que se reafirmou a necessidade de se evangelizar a América Latina e fazê-lo dentro de um espírito de cooperação e serviço. Àquela altura, com 46.623 membros comungantes, a comunidade evangélica brasileira já era a maior do continente.
Durante essa fase se proliferaram as instituições evangélicas de caráter social, notadamente no campo da educação e da assistência médica. Muitos colégios foram criados em virtude da perseguição movida contra os filhos de evangélicos nos colégios católicos ou nos poucos colégios públicos existentes. Pela alta qualidade do ensino e pela renovação pedagógica, os colégios evangélicos atraíam filhos de importantes famílias não-evangélicas, alguns do quais viriam a se converter ou a sofrer influência protestante, como foi o caso do escritor Gilberto Freyre, que chegou a se filiar, durante certo tempo, à Primeira Igreja Batista do Recife. Essas instituições educacionais seriam grandemente responsáveis pela mobilidade social ascendente de setores das novas gerações em direção à classe média.
É igualmente desse período que data o início entre nós do trabalho pentecostal, com a fundação, em 1911, da Assembleia de Deus em Belém, no Pará. Em uma geração a denominação estava organizada em todo o país, seguindo o padrão de treinamento de obreiros leigos e de mobilização total dos fiéis. Semelhante crescimento experimentou a Congregação Cristã no Brasil, a partir de São Paulo. A rápida expansão pentecostal, muitas vezes superior à das denominações históricas, colaborou para transformar o protestantismo brasileiro em uma religião de pobres, especialmente das massas migratórias recém-chegadas aos grandes centros urbanos. Religião de pobres e de ignorantes, “religião de gentinha” — era a visão das elites em relação às multidões de crentes.
A existência de um clero nacional melhor qualificado e de uma classe média melhor educada entre os protestantes concorreu para o surgimento de um “espírito nativista” e de luta por autonomia em relação às igrejas-mães norte-americanas. Em 31 de julho de 1903 foi constituída a Igreja Presbiteriana Independente, que fizera da questão maçônica (o crente não deveria pertencer a uma loja), o ponto de luta contra a tutela dos missionários. Fortíssimo movimento nacionalista se deu, nos anos 20, entre os batistas do Nordeste, levando inclusive à criação de convenções separadas.
Democracia e liberdade de culto
A maior preocupação política do protestantismo brasileiro de então era o cumprimento da lei que assegurava a liberdade de culto. Era a luta pela sobrevivência, o apelo às autoridades para que protegessem os protestantes das perseguições movidas pelo clero romano. Ao lado disso, como era de se esperar, havia a preocupação de consolidar-se como instituição, de adquirir uma identidade própria e desenvolver uma liderança nacional. O fato de ser uma pequena minoria não permitia a pretensão de uma maior participação em uma República oligárquica, que tinha na base os coronéis e no topo a política dos governadores, sem espaço para as massas ou para os setores médios. Nos documentos evangélicos da época, porém, era constante a consciência de que os protestantes tinham uma missão histórica no Brasil: por meio do evangelho, educar os cidadãos nos princípios da democracia, da liberdade e da igualdade de direitos.
> Trecho atualizado e retirado de Cristianismo e Política, de Robinson Cavalcanti (Editora Ultimato)
Leia mais
Protestantes – traidores da pátria e do imperador
História da Evangelização no Brasil (Elben César)
Religião e Política, sim. Igreja e Estado, não (Paul Freston)
Legenda da foto: Criada quatro dias depois da Proclamação da República, Bandeira Nacional tremula na Praça dos Três Poderes. Fábio Pozzebom/ABr
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Por Robinson Cavalcanti
A República trouxe a separação entre a Igreja e o Estado. Foram assegurados direitos iguais para todas as religiões. Os cemitérios foram entregues às prefeituras e o casamento civil foi instituído, desconhecendo-se os casamentos religiosos. Já não se deveria ensinar religião nas escolas, nem o governo subvencionar as escolas religiosas. Os membros das comunidades religiosas que incluíram o voto de obediência foram privados de seus direitos políticos. O clero perdeu suas imunidades e teve o seu salário pago pelo Estado apenas por mais um ano. A Constituição de 1891 sequer invocava o nome de Deus. O positivismo e o liberalismo eram as ideologias dos líderes do novo regime.
Igreja e Estado
A Igreja Romana saudou o rompimento das amarras que a prendiam ao Estado, mas protestou pela perda dos privilégios. A Santa Sé veio em seu socorro, procurando dinamizá-la. Em 1901 foi nomeado um núncio apostólico e em 1905, o primeiro cardeal. Se em 1889 havia apenas treze dioceses, esse número chegava a 58 em 1920. Para suprir a falta de vocações, passou-se a importar maciçamente sacerdotes estrangeiros. Uma ação pastoral se voltou para a incipiente classe média e para as elites intelectuais (àquela altura afastada da Igreja em quase sua totalidade). Para sustentar o clero e as obras das ordens religiosas, passou-se a cobrar dos fiéis uma taxa pelos serviços prestados (casamentos, batizados, funerais etc.).
A tarefa dos cardeais da primeira República, Joaquim Arcoverde e Sebastião Leme, foi tentar uma recristianização do Brasil, um aumento da influência do catolicismo romano na sociedade, já que o Estado se mostrava distante e arredio. Um clero ultramontano europeu ou europeizado procurou restaurar a ortodoxia, atacando, em agressiva apologética, o protestantismo, a maçonaria e o socialismo. A religião se elitizava e se desnacionalizava. Ênfase particular era dada aos sacramentos e ao crescimento espiritual individualmente.
Os primeiros sinais de reaproximação entre a Igreja e o Estado republicano se deram durante o governo de Epitácio Pessoa (1919-1922), prosseguindo durante o governo de Arthur Bernardes (1922-1926), quando este visitou oficialmente o cardeal Leme. Na crise de legitimidade do governo da República Velha, procurou-se o apoio da Igreja, outra vez reconhecida como condutora das massas.
Embora a ausência de discriminações legais não significasse, na prática, uma melhoria na vida e no ministério dos protestantes, o fato de serem iguais perante a lei, era um avanço muito grande. A Igreja Romana, porém, já não contando com o apoio do Estado para reprimir as “novas seitas”, passou a mover toda sorte de perseguição no nível sociológico, mobilizando as turbas fanatizadas e ignorantes, com a complacência e, muitas vezes, a cooperação das autoridades locais. A fé evangélica se expandia ao custo de uma perseverança e de enfrentamentos a desafios que chegavam ao heroísmo. Epopeia e saga à qual não faltaram os seus mártires, esquecidos pelas gerações futuras.
Evangelização e ação social na América Latina
O Congresso Missionário Internacional (Edimburgo, Escócia, 1910), dominado por organizações europeias sacramentalistas, recusou-se a incluir a América Latina como área missionária, visto já ser esse um “continente cristão”, pela presença da Igreja Romana. Os evangélicos inconformados com essa atitude promoveram um outro congresso (Panamá, 1916), em que se reafirmou a necessidade de se evangelizar a América Latina e fazê-lo dentro de um espírito de cooperação e serviço. Àquela altura, com 46.623 membros comungantes, a comunidade evangélica brasileira já era a maior do continente.
Durante essa fase se proliferaram as instituições evangélicas de caráter social, notadamente no campo da educação e da assistência médica. Muitos colégios foram criados em virtude da perseguição movida contra os filhos de evangélicos nos colégios católicos ou nos poucos colégios públicos existentes. Pela alta qualidade do ensino e pela renovação pedagógica, os colégios evangélicos atraíam filhos de importantes famílias não-evangélicas, alguns do quais viriam a se converter ou a sofrer influência protestante, como foi o caso do escritor Gilberto Freyre, que chegou a se filiar, durante certo tempo, à Primeira Igreja Batista do Recife. Essas instituições educacionais seriam grandemente responsáveis pela mobilidade social ascendente de setores das novas gerações em direção à classe média.
É igualmente desse período que data o início entre nós do trabalho pentecostal, com a fundação, em 1911, da Assembleia de Deus em Belém, no Pará. Em uma geração a denominação estava organizada em todo o país, seguindo o padrão de treinamento de obreiros leigos e de mobilização total dos fiéis. Semelhante crescimento experimentou a Congregação Cristã no Brasil, a partir de São Paulo. A rápida expansão pentecostal, muitas vezes superior à das denominações históricas, colaborou para transformar o protestantismo brasileiro em uma religião de pobres, especialmente das massas migratórias recém-chegadas aos grandes centros urbanos. Religião de pobres e de ignorantes, “religião de gentinha” — era a visão das elites em relação às multidões de crentes.
A existência de um clero nacional melhor qualificado e de uma classe média melhor educada entre os protestantes concorreu para o surgimento de um “espírito nativista” e de luta por autonomia em relação às igrejas-mães norte-americanas. Em 31 de julho de 1903 foi constituída a Igreja Presbiteriana Independente, que fizera da questão maçônica (o crente não deveria pertencer a uma loja), o ponto de luta contra a tutela dos missionários. Fortíssimo movimento nacionalista se deu, nos anos 20, entre os batistas do Nordeste, levando inclusive à criação de convenções separadas.
Democracia e liberdade de culto
A maior preocupação política do protestantismo brasileiro de então era o cumprimento da lei que assegurava a liberdade de culto. Era a luta pela sobrevivência, o apelo às autoridades para que protegessem os protestantes das perseguições movidas pelo clero romano. Ao lado disso, como era de se esperar, havia a preocupação de consolidar-se como instituição, de adquirir uma identidade própria e desenvolver uma liderança nacional. O fato de ser uma pequena minoria não permitia a pretensão de uma maior participação em uma República oligárquica, que tinha na base os coronéis e no topo a política dos governadores, sem espaço para as massas ou para os setores médios. Nos documentos evangélicos da época, porém, era constante a consciência de que os protestantes tinham uma missão histórica no Brasil: por meio do evangelho, educar os cidadãos nos princípios da democracia, da liberdade e da igualdade de direitos.
> Trecho atualizado e retirado de Cristianismo e Política, de Robinson Cavalcanti (Editora Ultimato)
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Protestantes – traidores da pátria e do imperador
História da Evangelização no Brasil (Elben César)
Religião e Política, sim. Igreja e Estado, não (Paul Freston)
Legenda da foto: Criada quatro dias depois da Proclamação da República, Bandeira Nacional tremula na Praça dos Três Poderes. Fábio Pozzebom/ABr
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
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