Opinião
- 15 de fevereiro de 2024
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Educação teológica a distância - oportunidades e desafios
A educação teológica a distância favorece uma espiritualidade individualista?
Tendências
Por Kaiky Fernandez e Pedro Dulci
Stephen e Mary Lowe escreveram uma das mais práticas e úteis obras para pensarmos a educação teológica a distância. Com ampla experiência na área, os autores estabelecem uma espécie de sociologia teologicamente orientada sobre o aprendizado on-line:
Alguns argumentariam que a atividade on-line, por sua própria natureza, cria e contribui para o isolamento e a desconexão de outras pessoas. Ray Oldenburg lamentou a perda de um local público informal, semelhante aos cafés na Europa, onde as pessoas podiam se reunir para o discurso social. Ele sustentava a ideia de que o problema do lugar é ampliado pela incapacidade de se estabelecer experiências comuns fora da família ou dos contatos profissionais. A solução de Oldenburg para isso é o que ele chamou de “O terceiro lugar”, componentes da sociedade que permitem o engajamento de estruturas sociopolíticas. O terceiro lugar contém evidências tangíveis e intangíveis; lugares como parques públicos e praças da cidade facilitam encontros informais de pessoas. O terceiro lugar também fala ao intangível, permitindo um campo de jogo equitativo para que diversos grupos possam se reunir em um discurso e em maior unidade.1
As palavras acima dizem respeito ao mais fundamental argumento contra a educação teológica a distância: o favorecimento do individualismo. Esse sempre foi um fator crítico diante da espiritualidade individualista de boa parte da teologia estadunidense, e que também está presente na brasileira.
Entretanto, defendemos que o ensino remoto não está necessariamente relacionado ao individualismo. Isso porque os habitantes do mundo contemporâneo são individualistas muito antes da difusão das tecnologias digitais. Assim, nosso esforço é chamar a atenção para a necessidade de entender, ambientar-se e utilizar os novos ecossistemas digitais para contribuir no cultivo de capital moral: o poder de conexão da sociedade.
Quando passamos a enxergar que podemos fortalecer os ecossistemas sociais em que já estamos integrados com o auxílio dos instrumentos tecnológicos, toda a discussão assume uma nova dimensão. As plataformas de interação social remotas tornam-se mais um meio para a recepção e doação de assistência mútua e o florescimento humano. Isso não significa, é claro, que dimensões, processos e dinâmicas presenciais podem ser substituídas pelas remotas. Não podem!
Os anos de experiência na coordenação de cursos teológicos a distância ensinaram Stephen e Mary Lowe a questionarem um pressuposto igualmente falso na ideia de que o on-line individualiza e contribui para a perda da intersubjetividade contemporânea. Ou seja, não é porque temos práticas de uso digitais individuais que estamos alimentando individualismos. Isso porque, apesar de fazermos coisas sozinhos, não somos indivíduos totalmente desembaraçados de todas as nossas relações – mesmo quando estamos sozinhos na frente de nossos computadores ou celulares: “Os alunos que se envolvem on-line experimentam um ambiente que molda e forma seu desenvolvimento. Esses alunos trazem consigo uma vasta rede de conexões sociais que influencia o que e como eles aprendem. Os alunos também contribuem com uma riqueza de conhecimento, experiência e capacidade de se conectar pessoalmente com outras pessoas”.2
A experiência educativa de Stephen e Mary Lowe surge como um oásis em meio a um deserto de reducionismo de muitos discursos sobre a educação teológica no contexto digital. Apesar do privilégio de podermos desfrutar de espaços físicos bem pensados para receber estudantes, ignorar a possibilidade de verdadeiro crescimento espiritual na educação remota é uma ilusão muito perigosa. Na verdade, deveríamos incentivar nossos estudantes na direção contrária: estimulá-los a entender que, quando estão sentados em frente a um computador ou mexendo em seus celulares, interagindo nos encontros on-line, eles não estão individualmente particularizados.
Na contramão dessa ideia, insistimos para que todos os estudantes de teologia, de cursos presenciais ou on-line, mantenham-se integrados na comunhão mística com o Corpo de Cristo e com a criação de nosso Deus.
Precisamos nos lembrar de que estamos compartilhando a mesma fé, esperança e amor com nossos companheiros de caminhada teológica. Apesar de muitos abusos e de uma histórica negligência, nossa relação com o ambiente digital não necessariamente precisa nos deixar anestesiados com o entretenimento e alheios ao mundo à nossa volta.
Notas
1. LOWE, Mary E.; LOWE, Stephen D. Ecologies of Faith in a Digital Age. IVP Academic, 2018, p. 81.
2. LOWE, Mary E.; LOWE, Stephen D. Ecologies of Faith in a Digital Age. IVP Academic, 2018, p. 81.
REVISTA ULTIMATO | DOENÇAS QUE FAZEM SOFRER TAMBÉM OS QUE CREEM
Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
É disso que trata a matéria de capa da edição 405 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Tornando-se um Pastor-teólogo – Identidades e possibilidades para a liderança da Igreja, Todd Wilson; Kevin Vanhoozer e outros
» O Desafio da Pregação, John Stott
» Fé Cristã e Ação Política - A relevância pública na espiritualidade cristã, Pedro Dulci
» A contribuição protestante à educação superior, por Marcone Bezerra Carvalho
» O ensino fora da escola: a educação domiciliar é uma alternativa válida?, por Igor Miguel
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Stephen e Mary Lowe escreveram uma das mais práticas e úteis obras para pensarmos a educação teológica a distância. Com ampla experiência na área, os autores estabelecem uma espécie de sociologia teologicamente orientada sobre o aprendizado on-line:
Alguns argumentariam que a atividade on-line, por sua própria natureza, cria e contribui para o isolamento e a desconexão de outras pessoas. Ray Oldenburg lamentou a perda de um local público informal, semelhante aos cafés na Europa, onde as pessoas podiam se reunir para o discurso social. Ele sustentava a ideia de que o problema do lugar é ampliado pela incapacidade de se estabelecer experiências comuns fora da família ou dos contatos profissionais. A solução de Oldenburg para isso é o que ele chamou de “O terceiro lugar”, componentes da sociedade que permitem o engajamento de estruturas sociopolíticas. O terceiro lugar contém evidências tangíveis e intangíveis; lugares como parques públicos e praças da cidade facilitam encontros informais de pessoas. O terceiro lugar também fala ao intangível, permitindo um campo de jogo equitativo para que diversos grupos possam se reunir em um discurso e em maior unidade.1
As palavras acima dizem respeito ao mais fundamental argumento contra a educação teológica a distância: o favorecimento do individualismo. Esse sempre foi um fator crítico diante da espiritualidade individualista de boa parte da teologia estadunidense, e que também está presente na brasileira.
Entretanto, defendemos que o ensino remoto não está necessariamente relacionado ao individualismo. Isso porque os habitantes do mundo contemporâneo são individualistas muito antes da difusão das tecnologias digitais. Assim, nosso esforço é chamar a atenção para a necessidade de entender, ambientar-se e utilizar os novos ecossistemas digitais para contribuir no cultivo de capital moral: o poder de conexão da sociedade.
Quando passamos a enxergar que podemos fortalecer os ecossistemas sociais em que já estamos integrados com o auxílio dos instrumentos tecnológicos, toda a discussão assume uma nova dimensão. As plataformas de interação social remotas tornam-se mais um meio para a recepção e doação de assistência mútua e o florescimento humano. Isso não significa, é claro, que dimensões, processos e dinâmicas presenciais podem ser substituídas pelas remotas. Não podem!
Os anos de experiência na coordenação de cursos teológicos a distância ensinaram Stephen e Mary Lowe a questionarem um pressuposto igualmente falso na ideia de que o on-line individualiza e contribui para a perda da intersubjetividade contemporânea. Ou seja, não é porque temos práticas de uso digitais individuais que estamos alimentando individualismos. Isso porque, apesar de fazermos coisas sozinhos, não somos indivíduos totalmente desembaraçados de todas as nossas relações – mesmo quando estamos sozinhos na frente de nossos computadores ou celulares: “Os alunos que se envolvem on-line experimentam um ambiente que molda e forma seu desenvolvimento. Esses alunos trazem consigo uma vasta rede de conexões sociais que influencia o que e como eles aprendem. Os alunos também contribuem com uma riqueza de conhecimento, experiência e capacidade de se conectar pessoalmente com outras pessoas”.2
A experiência educativa de Stephen e Mary Lowe surge como um oásis em meio a um deserto de reducionismo de muitos discursos sobre a educação teológica no contexto digital. Apesar do privilégio de podermos desfrutar de espaços físicos bem pensados para receber estudantes, ignorar a possibilidade de verdadeiro crescimento espiritual na educação remota é uma ilusão muito perigosa. Na verdade, deveríamos incentivar nossos estudantes na direção contrária: estimulá-los a entender que, quando estão sentados em frente a um computador ou mexendo em seus celulares, interagindo nos encontros on-line, eles não estão individualmente particularizados.
Na contramão dessa ideia, insistimos para que todos os estudantes de teologia, de cursos presenciais ou on-line, mantenham-se integrados na comunhão mística com o Corpo de Cristo e com a criação de nosso Deus.
Precisamos nos lembrar de que estamos compartilhando a mesma fé, esperança e amor com nossos companheiros de caminhada teológica. Apesar de muitos abusos e de uma histórica negligência, nossa relação com o ambiente digital não necessariamente precisa nos deixar anestesiados com o entretenimento e alheios ao mundo à nossa volta.
Notas
1. LOWE, Mary E.; LOWE, Stephen D. Ecologies of Faith in a Digital Age. IVP Academic, 2018, p. 81.
2. LOWE, Mary E.; LOWE, Stephen D. Ecologies of Faith in a Digital Age. IVP Academic, 2018, p. 81.
- Pedro Dulci, casado com Carolinne e pai de Benjamim e Anna, é doutor em filosofia pela UFG com período de pesquisa na Universidade Livre de Amsterdã, na Holanda. É cofundador e coordenador pedagógico do Invisible College, além de pastor da Igreja Presbiteriana Bereia, em Goiânia.
- Kaiky Fernandez, casado com Bruna, é graduado em design gráfico pela UFG, especialista em gestão de marketing pela ESPM Rio e tem formação livre em teologia. É cofundador e coordenador estratégico do Invisible College, além de artista e pastor da Igreja Cristã Farol Esperança, em Goiânia.
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Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
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