Opinião
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Dorothy Sayers: uma teóloga entre detetives e gatos
"Gostar de um autor pode ser tão involuntário e improvável como se apaixonar”
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
A Editora Ultimato publicou recentemente o livro “Dorothy L. Sayers & C. S. Lewis – biografia, amizade e vida” do psicólogo Igor Gaspar, com prefácio de Gabriele Greggersen. Embora C. S. Lewis seja muito bem conhecido pelo leitor evangélico brasileiro, Dorothy Sayers (1893-1957) ainda é desconhecida da grande maioria. Considerada entre as maiores autoras de histórias de detetive e uma das primeiras mulheres a receber o título de mestre da Universidade de Oxford, amiga de Chesterton e C. S. Lewis. Apaixonada por gatos, dedicou a estes diversos poemas e os fez participantes ativos nas suas histórias policiais. Já viúva, faleceu em sua casa acompanhada de seus amados gatos.
Os escritos teológicos de Dorothy Sayers nasceram logo após ter finalizado sua série de romances policiais sobre o detetive amador Lord Peter Wimsey. Seus ensaios representarão com muita clareza o pensamento teológico de Dorothy e a sua luta interior contra um sistema masculino que ainda lhe fechava muitas portas. Ela publicou mais de 20 textos teológicos, incluindo peças teatrais, poemas e livros como “Credo ou caos? e outros ensaios em teologia popular” (1940), “A mente do Criador” (1941), “Porque trabalhar?” (1942), “Os outros seis pecados mortais” (1943), “Dando sentido ao Universo” (1946) e “São as mulheres seres humanos?” e “Humanos não tão humanos” (1947) além da introdução à tradução ao “Purgatório” de Dante. C. S. Lewis que era um admirador de seus escritos disse que “muito do pensamento mais valioso [de Dorothy] sobre a escrita foi materializado em A mente do Criador, um livro que ainda é pouco lido.”
Se na própria Inglaterra, país de Dorothy Sayers, onde foi reconhecida como uma das últimas grandes escritoras da era vitoriana sua obra teológica alcançou pouco público, a explicação só pode estar como ela mesma observou, por ser mulher. Ela relata como um de seus textos foi resenhado pelos jornais da época: “Uma revista literária de grande circulação e influência por todo o país chamou-o de ‘uma confissão de fé pessoal da parte de uma mulher que acha que está certa’”. Se hoje teólogas ainda enfrentam preconceitos quanto aos seus escritos, quanto mais em meados do século XX. A estes comentários, Dorothy respondeu corajosamente: “Acontece que o que a autora acredita ou deixa de acreditar é, em todos os casos, de reduzida importância. O que é de enorme e catastrófica importância é a comprovada dificuldade de leitura de certas pessoas supostamente educadas.”
No prefácio da obra “A mente do Criador” denuncia a dificuldade de alguns cristãos para a análise de questões teológicas: “E, particularmente em matéria de doutrina cristã, uma grande parte da nação vive numa ignorância mais bárbara do que a da idade das trevas devido a este hábito de preguiça mental dos analfabetos funcionais. As palavras são entendidas em um sentido totalmente equivocado; constatações de fato e opinião são mal interpretadas e distorcidas na sua reprodução; argumentos fundados em equívocos são aceitos sem exame; opiniões pessoais são interpretadas como doutrina universalmente válida; regras disciplinares fundadas no consentimento são confundidas com interpretações de direito universal, e vice-versa. Tudo isso resulta em uma estrutura lógica e histórica da filosofia cristã, que se transforma na mente popular em um amontoado confuso de absurdos míticos e patológicos.”
Com conhecimento teológico e habilidade argumentativa, Sayers defende em seus textos a complementaridade entre homem e mulher na criação, sendo acima de tudo seres humanos criados para desempenhar funções especiais no mundo, independente do sexo, idade ou origem. Para ela, o maior desafio de cada um é encontrar e realizar a obra para a qual foi criado e no cumprimento da missão e vocação, a natureza humana se aproxima do Criador e homens e mulheres se complementam.
Em seu tratado sobre a Trindade (A mente do Criador), comenta sobre Genesis 1.26: “Uma ‘imagem e semelhança’, o que quer que o autor quisesse dizer com essa expressão, é compartilhada tanto por homens, quanto por mulheres […] Na verdade, a doutrina cristã e sua tradição se opuseram, através de sua linguagem e imaginário, a todo o simbolismo sexual da fertilidade divina. Sua Trindade é inteiramente masculina, da mesma forma como é masculina toda a linguagem relativa ao homem como espécie.” Há mais de 80 anos Dorothy Sayers já alertava para o fato do uso da palavra “homem” com o sentido de humanidade dificultar a percepção de que mulheres também estão incluídas. No texto “O Zelo da Tua Casa” Sayers mostra como a trindade possui em si características também femininas, associadas ao Espírito Santo.
Dorothy L. Sayers era muito mais que uma autora de contos de detetives ou de poemas sobre gatos: era uma mulher e uma teóloga à frente de seu tempo que merece ser descoberta e estudada. Espero que este breve texto desperte para uma busca e conhecimento maior das suas ideias mas deixo também o aviso de C. S. Lewis: “Gostar de um autor pode ser tão involuntário e improvável como se apaixonar” por alguém.
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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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