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Opinião

Dois estilos, uma missão

Arte: o chão de nossa caminhada

“Sal da Terra” (PE) e “Steiger Brasil”, duas bandas diferentes. Uma vai de zabumba, triângulo e chapéu de couro, a outra de guitarra com efeitos de distorção, pirotecnia e uma jaula com atores e atrizes à frente do palco. Estilos bem diferentes de música que se unem na missão de divulgar os valores do Reino onde Deus lhes abrir espaços, seja em um pub na pequena cidade Kouvola, da Finlândia, ou em Caiçarinha da Penha, no sertão de Pernambuco. Dois representantes das bandas, Marcos André (Sal da Terra) e Luke Greenwood (Steiger Brasil) nos concederam uma entrevista. Confira:

Há uma definição para a música que fazem?

Marcos: Música regional nordestina



Luke: Vivemos em um tempo onde rótulos e estilos não são tão importantes (acho que existe até mesmo uma aversão a isso na cultura jovem hoje). Então, usamos o termo "psycho eletro scremo rock" pra chamar atenção. A ideia é que as pessoas digam "psycho o quê?" e fiquem curiosas. “Scremo”surgiu com derivação do "emo" e foi misturado à palavra em inglês "scream" (estilo vocal gritado).



Quando vocês falam que utilizam a música "de maneira contextualizada”, o que isso significa? 
 
Marcos: Usamos a música nordestina para falar do amor de Deus aos nordestinos, especialmente, aos sertanejos. Esse é o nosso contexto. 
 
Luke: Nosso foco é a cena artística e musical secularizada. Musicalmente, nosso show acaba se encaixando mais na cena de rock/música alternativa, mas como fazemos algo performático e bem diferente,se torna interessante pra qualquer pessoa.

Vocês se basearam em outras bandas e artistas para elaborarem seu trabalho musical?
 
Marcos: Há 16 anos, quando começamos com a banda Sal da Terra, não havia nenhuma referência neste sentido no meio evangélico. Luiz Gonzaga foi a nossa referência, pois ele usou sua música para falar daquilo lhe era pertinente com muita eficiência. Entendemos, então, que essa música seria uma boa estratégia, que poderíamos adotar esse estilo para comunicar as boas novas de Jesus.
 
Luke: Sim, somos influenciados principalmente pelo No Longer Music, que é, na verdade, um projeto internacional do qual fazemos parte. O No Longer Music começou nos anos 1980 em Amsterdam, fundada por David Pierce. A visão sempre foi mostrar a crucificação e ressurreição de Jesus no palco para um público secular.

Qual é a preparação de vocês antes de cada show? 
 
Marcos: Procuramos saber qual o público, tema do evento... A partir daí a gente elabora nosso repertório e ora especificamente em cima daquilo que esperamos fazer, para que o Senhor nos dê graça. 


Banda “Sal da Terra”. Marcos André é o segundo da esquerda para a direita.

Luke: É bastante trabalho! Temos uma cenografia complexa que inclui uma jaula formada por peças de andaime, sistema de iluminação e duas telas para projeção. Então temos que montar tudo isso e, em seguida,vestir nosso figurino, que envolve roupas em estilo steampunk (vitoriano) e maquiagem. Mas temos uma equipe legal e organizada. Geralmente ficamos prontos dentro de uma hora e meia

Já foram vaiados ou sofreram algum tipo de agressão em apresentações?
 
Marcos: Vaia não, mas já houve ocasião em que uma pessoa ou outra se levantou e saiu do ambiente em sinal de protesto e desacordo com nosso jeito nordestino de pregar a Palavra. É um pouco constrangedora essa situação. 
 
Luke: Sim. Pelo tipo de lugar que tocamos, às vezes rola um pouco de agressão verbal da parte do público. Já tivemos algumas situações de ameaça física, como em uma casa de rock na Finlândia onde um cara atacou nossa atriz. Mas o mais comum é a galera ficar chocada com a performance e atentos na mensagem. Na maior parte das vezes somos recebidos com respeito e temos visto muito fruto, muitas pessoas se convertendo através das apresentações. Muitos vêm depois do show pra dizer coisas do tipo "eu nunca pensei sobre Jesus desta forma, isso mudou meus conceitos".

O fato de vocês serem cristãos dificulta convites para eventos que não são produzidos para cristãos? 
 
Marcos: Infelizmente sim.
 
Luke: Não, isso não tem sido um empecilho. Todo nosso show é feito no contexto da cena secular. Então não somos vistos como banda "gospel". Trabalhamos com promotores/produtores não cristãos que conhecem nosso show e sempre nos convidam para os eventos. Muitos ficam curiosos com nossa forma de compartilhar a fé e respeitam a arte e qualidade que apresentamos. 
 
As apresentações são sempre iguais ou vocês têm apresentações diferentes para ocasiões diferentes? 
 
Marcos: A gente muda a "pegada" e procura adequar o repertório.
 
Luke: O show é sempre o mesmo, mas procuramos ser flexíveis dependendo do espaço disponível e cada situação. Então, às vezes diminuímos a produção, tiramos um efeito aqui ou ali pra adaptar. Mas as músicas e a história são sempre as mesmas. A gente tem feito esse show a mais ou menos um ano e meio, então, é claro que no futuro pensamos em criar coisas novas.


Banda da“Missão Steiger Brasil”. Luke é o primeiro da esquerda.

Quais são seus objetivos?
 
Marcos: Fazer o nome de Jesus conhecido entre os sertanejos. Nosso foco são os pequenos agrupamentos do sertão nordestino que contam com menos de 1% de evangélicos, onde buscamos atuar na implantação e fortalecimento de igrejas locais, além de colaborar com ações sociais (saúde e educação, por exemplo).
 
Luke: Queremos fazer algo artisticamente interessante, música e performance criativas e de qualidade. Mas, nosso objetivo principal é mostrar o caráter de Jesus e sua história para uma geração que não teve a chance de ouvir isso em sua linguagem. A missão Steiger tem muitos projetos além da banda, tanto no Brasil como fora. Somos uma organização missionária internacional com bases na Alemanha, Polônia, Ucrânia, EUA, Nova Zelândia, Chile e Brasil. No Brasil uma das nossas funções é recrutar, treinar e enviar missionários brasileiros para trabalhar em formatos não convencionais de comunicar o Evangelho. Temos uma escola em São Paulo (com cursos de duas semanas) servindo esse propósito. 
 
Se um dos objetivos do trabalho é o evangelismo, para onde as pessoas que tomaram a decisão de seguir a Cristo são encaminhadas? 
 
Marcos :Poucas vezes a gente faz um evento sem a presença de uma denominação, mas entendemos que aquele que vai à Cristo, de maneira alguma, Ele o lançará fora.
 
Luke: Sempre trabalhamos em parceria com a igreja local, encorajando cristãos a estarem conosco nos shows para encontrar e conversar com aqueles que se convertem ao fim das apresentações. Num outro caso, começamos um estudo bíblico num bar de rock, como uma chance de pessoas interessadas em Jesus conhecerem mais antes de entrarem em uma igreja local.

Todos são profissionais em suas áreas de atuação na banda?
 
Marcos: Além dos músicos profissionais existem profissionais liberais, estudantes, funcionários públicos. Porém, todos são voluntários, amam a música e, sobretudo, amam aquele que nos concede a arte. A missão é sustentada financeiramente através de ofertas voluntárias e da venda dos nossos CD's.
 
Luke: Alguns sim, outros não. Nossa atriz é formada, nossa VJ (manipulação de multimídia) é formada em cinema, nosso designer é formado. Mas o restante não.Não recebemos nada para o que fazemos (não cobramos cachê), então cada membro tem seu emprego e fazemos esse trabalho voluntariamente como missão. Nos vemos como missionários e tratamos o projeto como trabalho missionário. Inclusive, quando precisamos, levantamos ofertas em igrejas para pagar viagens entre outros custos.

Quem são os mentores dos trabalhos? São membros de igrejas locais?
 
Marcos: Temos pastores que são bem chegados e estão sempre por perto, mas muitas ideias e formatos surgem com a caminhada.A maioria do grupo é presbiteriano, mas temos batistas e alguns irmãos de outras denominações.
 
Luke: Temos a cobertura do “Projeto 242” e nosso pastor é o Sandro Baggio. Também temos um relacionamento de mentoria com o diretor da missão Steiger, David Pierce.Temos na banda membros do “Projeto 242”, da “Igreja Batista do Parque São Lucas” e da “Casa da Rocha”.

Há uma teologia implícita nas canções? Vocês pensam nessa problemática ao finalizar uma letra?
 
Marcos: Pensamos muito na teologia nas letras para que não percamos o foco, tornando o nosso discurso homogêneo.
 
Luke: Nossas letras são mais questionamentos e protestos contra a realidade secularizada e materialista da sociedade. A mensagem clara sobre Jesus é passada através da atuação no show. Nisso buscamos pregar a mensagem simples e profunda da cruz, baseada em 1 Co 2.1-5 e na linguagem da galera.

Um teólogo e pesquisador brasileiro de arte cristã, Carlos Calvani, escreveu que "o artista é um perturbador da ordem estabelecida". Você concorda com essa frase?
 
Marcos: Sim. A arte deve provocar reação. Todo artista precisa da resposta do público, da reação das pessoas. A apatia nos desaponta muito.
 
Luke: Com certeza! Creio que a arte deve ser provocante e subversiva, se não ela é apenas papel de parede, enfeite. Fazer arte é comunicar-se. Quem faz arte já está falando em uma linguagem fora da caixa, criativa e de mensagem questionadora. Um bom artista vai sempre perturbar a ordem, a convenção.
 
Existe a possibilidade da "arte pela arte" ou sempre há uma mensagem nas obras artísticas? 
 
Marcos: Para nós, no Sal da Terra, não dá pra fazer arte pela arte, posto que o nosso alvo é glorificar à Jesus, tornando-o conhecido. 
 
Luke: Na verdade acho que estamos falando de duas coisas diferentes. Motivação e mensagem. Creio que é possível sim fazer arte puramente porque gostamos do ato de criar, apreciamos a arte. E considero isso válido. Creio que mesmo Deus na criação fez muitas coisas simplesmente pelo prazer de criar algo belo. Mas não acho possível fazer arte sem mensagem. Mesmo quem diz que faz arte pela arte está comunicando algo. Por isso é muito importante pensar sobre o que estamos comunicando. O cristão tem uma mensagem de vida ou morte. Não tem como negar que na missão que Cristo nos deixou existe uma urgência. Por isso acho muito importante para o cristão pensar bem sobre o que ele está fazendo com sua vida e arte. Além disso, eu acredito que a arte deve ser uma expressão genuína daquilo que está dentro do artista.

Teólogos e filósofos discutem o que é o belo na arte. A música e a performance de vocês podem ser chamadas de "bela"?
 
Marcos: Feio e bonito é uma historia que dá muito pano para as mangas. É difícil conceituar. Buscamos, no entanto, fazer bem feito. 
 
Luke: Não sei se pode ser considerado "belo" o que fazemos em determinado sentido. Mas, com certeza nos preocupamos com a estética e qualidade da arte na nossa performance. Gostamos muito do que fazemos. Buscamos nos atentar aos mínimos detalhes de todos os elementos. Gostamos de entrelaçar as diversas formas artísticas em uma combinação energética e criativa. Queremos chocar, surpreender ou emocionar o público. E isso é belo.
 
O cristão pode tudo em arte?
 
Marcos: Tudo que o cristão venha fazer que faça para a glória de Deus. 
 
Luke: Não. Tudo me é lícito, mas nem tudo edifica. Assim como em todas as áreas da vida, o cristão deve interagir com a cultura de forma relevante, porém, buscando ser sal e luz, diferente e influente, mantendo sua santidade. Somos livres em Cristo, e deveríamos ser, como filhos do Criador, os artistas mais criativos do cenário atual. Somos chamados para sermos diferentes e creio que isso pode fazer nossa arte ainda mais poderosa. Nossa arte deve ser a mais subversiva, a que não se conforma com os padrões à nossa volta, que surpreende pela diversidade, criatividade e diferença. 
 
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É músico, historiador, educador, escritor e revisor pedagógico de História. Seu trabalho musical principal é o Baixo e Voz, que já conta com 21 anos, cinco CD's e um DVD. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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