Opinião
- 25 de julho de 2006
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Do sangue dos mártires aos sanguessugas
A imprensa nacional tem dado grande espaço à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que trata de superfaturamento de ambulâncias para os municípios, também conhecida como “a CPI dos Sanguessugas”. As CPI’s sempre funcionam como palanque de promoção pessoal para alguns parlamentares (alguns de currículo não-invejáveis), que se apresentam como paladinos da moralidade. O destaque da imprensa foi para a suposta participação de 30% de integrantes da chamada “Bancada Evangélica”, e de um líder da “Renovação Carismática Católica”. A religião professada pelos demais acusados não foi explicitada. Nas CPI’s, como se sabe, os julgamentos são políticos e não jurídicos, identificando-se acusados com condenados, em uma inversão do princípio do Direito da presunção da inocência do acusado até condenação transitada em julgado. A censura política de todos nós deve ser feita pelo expressar veemente por palavras e votos. A dimensão penal cabe ao Estado, pela via do Poder Judiciário.
A presença de evangélicos em episódios antiéticos nos entristece sempre, mas não nos surpreende. Temos alertado para isso por muitos anos. Fizemos, então, a distinção entre “evangélicos políticos” (cidadãos evangélicos eleitos por seus programas e méritos para o bem-comum de toda a sociedade) de “políticos evangélicos” (cidadãos evangélicos eleitos pelo voto controlado das igrejas, com ânimo meramente corporativista de trazer benesses do Estado para as mesmas). No final dos trabalhos da Constituinte, em 1988, órgãos da imprensa, como o Jornal do Brasil e o Correio Brasiliense, chamavam a atenção para o dado de que dos 34 parlamentares evangélicos de então apenas seis não tinham sobre si a suspeita de comportamento antiético. O voto dos “currais eleitorais” em “candidatos oficiais”, com deficiente conhecimento histórico, teológico e ético dos princípios cristãos para a ação política, carentes de experiência na vida pública e jejunos de conteúdo ideológico ou programático, com uma motivação meramente corporativista, tem resultado em uma prática clientelista, ferindo a ética, a busca pelo bem-comum e os valores do reino de Deus. Em alguns casos, pode-se adicionar um quê de triunfalismo teocrático.
Desde a inserção do protestantismo missionário no Brasil (1850) até o golpe militar (1964) tivemos uma positiva participação política, principalmente de membros das igrejas históricas, mas, também, pentecostais, como o governador interino do Estado de Pernambuco, o deputado estadual e líder sindical dos tecelões, o assembleiano Torres Galvão, ainda na década de 1950. O manipulado temor do comunismo, a repressão do Regime Militar e a disseminação (na década de 1970) da heresia “crente não se mete em política” levaram ao desastre de uma ruptura histórica, de uma amnésia coletiva em relação a episódios e personagens dignificantes do passado e ao surgimento, desde então, de gerações de alienados.
A luta pela anistia, pelas eleições diretas e pela Constituinte concorreu para o início de uma nova consciência política, com a entrada no cenário de Igrejas pentecostais antes refratárias e do novo fenômeno neo(pós)pentecostais (sem passado) e um retraimento dos protestantes históricos em termos de candidaturas. Privilegiou-se a via eleitoral, em detrimento de outras áreas do exercício da cidadania. Optou-se por partidos de reduzido compromisso de fidelidade e escasso ou inexistente conteúdo ideológico.
Desde então quase nada se avançou em termos de estudos bíblicos, teológicos, históricos ou éticos sobre a política, aumentou o número de eleitos e, lamentavelmente, aumentou, também, a ineficácia e os escândalos. Evangélicos competentes e éticos têm-se omitido de participar mais ativamente, apenas concorrendo para piorar a situação. Caímos na vala comum do “toma lá dá cá”, que infelicita a vida pública brasileira. Alguns dos políticos evangélicos nunca estudaram nada a respeito, porque suas igrejas nunca os ensinaram. Eles não podem dar o que não receberam. Esse quadro trágico de alienação, omissão e corrupção (“mundanismo político”) faz com que o aumento numérico dos evangélicos não concorra para a redução numérica das mazelas sociais e morais do país. No fundo, com essas lacunas e distorções, não estamos sendo nem “sal”, nem “luz”.
Falta protestantismo. Falta evangelicalismo: consciência de pecado, conversão, busca de santificação e paixão missionária transformadora (alguém já ouviu falar em “novo nascimento” na maioria dos programas de rádio e televisão ditos “evangélicos”?). Com o coração pesado e a alma triste, oramos, denunciamos, propomos, confiante no Senhor da História e da Igreja, por um milagre de avivamento e reformas genuínas. O sangue de Cristo nos salvou, o sangue dos mártires tem sido a semente da fé, os sanguessugas um opróbrio para saco e cinza, em temor da mão pesada do Senhor.
Neste ano de eleição façamos uma autocrítica, um exame de consciência, um arrependimento e uma rededicação de vidas úteis e responsáveis, que fazem diferença. Abramos os olhos em discernimento. Vençamos o egoísmo, o comodismo e a tentação do poder. Vacinemo-nos contra as picadas da “mosca azul”. Lutemos pela superação do pecado social, da mesmice política e das falsas alternativas. Busquemos tornar novas todas as coisas, com propostas eternas que são novidades, e que necessitarão da nossa instrumentalidade em co-beligerância com novos líderes.
Robinson Cavalcanti, escritor e cientista político, é bispo anglicano da Diocese do Recife. É autor, dentre outros, de Cristianismo e Política
A presença de evangélicos em episódios antiéticos nos entristece sempre, mas não nos surpreende. Temos alertado para isso por muitos anos. Fizemos, então, a distinção entre “evangélicos políticos” (cidadãos evangélicos eleitos por seus programas e méritos para o bem-comum de toda a sociedade) de “políticos evangélicos” (cidadãos evangélicos eleitos pelo voto controlado das igrejas, com ânimo meramente corporativista de trazer benesses do Estado para as mesmas). No final dos trabalhos da Constituinte, em 1988, órgãos da imprensa, como o Jornal do Brasil e o Correio Brasiliense, chamavam a atenção para o dado de que dos 34 parlamentares evangélicos de então apenas seis não tinham sobre si a suspeita de comportamento antiético. O voto dos “currais eleitorais” em “candidatos oficiais”, com deficiente conhecimento histórico, teológico e ético dos princípios cristãos para a ação política, carentes de experiência na vida pública e jejunos de conteúdo ideológico ou programático, com uma motivação meramente corporativista, tem resultado em uma prática clientelista, ferindo a ética, a busca pelo bem-comum e os valores do reino de Deus. Em alguns casos, pode-se adicionar um quê de triunfalismo teocrático.
Desde a inserção do protestantismo missionário no Brasil (1850) até o golpe militar (1964) tivemos uma positiva participação política, principalmente de membros das igrejas históricas, mas, também, pentecostais, como o governador interino do Estado de Pernambuco, o deputado estadual e líder sindical dos tecelões, o assembleiano Torres Galvão, ainda na década de 1950. O manipulado temor do comunismo, a repressão do Regime Militar e a disseminação (na década de 1970) da heresia “crente não se mete em política” levaram ao desastre de uma ruptura histórica, de uma amnésia coletiva em relação a episódios e personagens dignificantes do passado e ao surgimento, desde então, de gerações de alienados.
A luta pela anistia, pelas eleições diretas e pela Constituinte concorreu para o início de uma nova consciência política, com a entrada no cenário de Igrejas pentecostais antes refratárias e do novo fenômeno neo(pós)pentecostais (sem passado) e um retraimento dos protestantes históricos em termos de candidaturas. Privilegiou-se a via eleitoral, em detrimento de outras áreas do exercício da cidadania. Optou-se por partidos de reduzido compromisso de fidelidade e escasso ou inexistente conteúdo ideológico.
Desde então quase nada se avançou em termos de estudos bíblicos, teológicos, históricos ou éticos sobre a política, aumentou o número de eleitos e, lamentavelmente, aumentou, também, a ineficácia e os escândalos. Evangélicos competentes e éticos têm-se omitido de participar mais ativamente, apenas concorrendo para piorar a situação. Caímos na vala comum do “toma lá dá cá”, que infelicita a vida pública brasileira. Alguns dos políticos evangélicos nunca estudaram nada a respeito, porque suas igrejas nunca os ensinaram. Eles não podem dar o que não receberam. Esse quadro trágico de alienação, omissão e corrupção (“mundanismo político”) faz com que o aumento numérico dos evangélicos não concorra para a redução numérica das mazelas sociais e morais do país. No fundo, com essas lacunas e distorções, não estamos sendo nem “sal”, nem “luz”.
Falta protestantismo. Falta evangelicalismo: consciência de pecado, conversão, busca de santificação e paixão missionária transformadora (alguém já ouviu falar em “novo nascimento” na maioria dos programas de rádio e televisão ditos “evangélicos”?). Com o coração pesado e a alma triste, oramos, denunciamos, propomos, confiante no Senhor da História e da Igreja, por um milagre de avivamento e reformas genuínas. O sangue de Cristo nos salvou, o sangue dos mártires tem sido a semente da fé, os sanguessugas um opróbrio para saco e cinza, em temor da mão pesada do Senhor.
Neste ano de eleição façamos uma autocrítica, um exame de consciência, um arrependimento e uma rededicação de vidas úteis e responsáveis, que fazem diferença. Abramos os olhos em discernimento. Vençamos o egoísmo, o comodismo e a tentação do poder. Vacinemo-nos contra as picadas da “mosca azul”. Lutemos pela superação do pecado social, da mesmice política e das falsas alternativas. Busquemos tornar novas todas as coisas, com propostas eternas que são novidades, e que necessitarão da nossa instrumentalidade em co-beligerância com novos líderes.
Robinson Cavalcanti, escritor e cientista político, é bispo anglicano da Diocese do Recife. É autor, dentre outros, de Cristianismo e Política
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