Opinião
- 07 de dezembro de 2018
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Direitos humanos: o que a igreja tem a ver com isso?
Por Maruilson Souza
No dia 10 de dezembro a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos da sua promulgação. No entanto, durante todo esse ano, ainda que timidamente, artigos, livros, palestras, seminários e simpósios têm sido organizados para – criticamente – refletir, pensar, repensar e celebrar o que tem sido chamado por Samuel Moyon1 como a última utopia, o último grande projeto humano coletivo e universal.
Por outro lado, uma pesquisa realizada em 20102 em ‘terras brazilis’ revela que 55% dos brasileiros “nunca ouviram falar da Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Entre os mais jovens esse percentual sobe para 66,5%. Em um contexto como esse não é incomum confundir direitos humanos com a “defesa de direitos de bandidos” (46,3%), com a impunidade e, em não poucos casos, facilmente se justifica sua violação para que a justiça seja feita.
As igrejas cristãs – protestantes e católicas – fazem parte e refletem em seu interior as tensões presentes na sociedade. Desta forma, quando essa questão é transportada para dentro das igrejas o resultado não se mostra diferente. Em pesquisa realizada com líderes evangélicos – clérigos e leigos – presentes em eventos nas regiões Nordeste, Sudoeste e Sul do país, descobri que mesmo entre aqueles que possuem curso superior a Declaração Universal dos Direitos Humanos é somente parcialmente conhecida (86% afirmaram “já terem ouvido falar ou leram alguma coisa sobre”).
O que são os Direitos Humanos
Diferente do que tem sido popularmente alardeado, os Direitos Humanos são os direitos básicos fundamentais de todos os seres humanos independente da cor, da religião que pratiquem e da orientação sexual que sigam. Isso significa afirmar que todos têm direito à vida, e igualmente à educação, à moradia, à liberdade e à saúde. Todos também têm o direito de serem respeitados e de terem suas integridades preservadas. Polêmicas à parte, o discurso protestante sempre esteve ligado à defesa intransigente da vida, da tolerância religiosa e do estado democrático. Talvez isso tenha contribuído para a cautela inicial da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) na sua relação com a Declaração Universal dos Direitos Humanos,3 pois os mesmos podem ter sido percebidos como coisa de protestante. Por outro lado, a partir da publicação da encíclica Pacem in terris em 1963, a ICAR passou a reconhecer, apoiar e promover oficialmente os direitos fundamentais da pessoa humana.
Porque foi necessário redigir a Declaração Universal dos Direitos Humanos?
Nas primeiras quatro décadas do século 20, ocorreram duas grandes Guerras Mundiais e nelas, devido às muitas atrocidades cometidas, foi possível perceber não somente a sofisticação da maldade humana, mas também a própria desumanização da humanidade. Durante a segunda Guerra Mundial (1939-1945), por exemplo, além das prisões arbitrarias e ilegais e das torturas hediondas, os campos de concentração – sob a liderança e o comando de Adolf Hitler – realizaram experimentos cruéis em seres humanos e, por fim, exterminaram seis milhões de judeus, cinco milhões de outras pessoas pertencentes a minorias tais como homossexuais e ciganos, além do assassinato de trinta milhões de civis. Era preciso, portanto, impor limites ao próprio ser humano criando algo que pudesse servir de referência para todos as pessoas em todos os lugares do planeta. Com isso, independente das diferenças biológicas, culturais, raciais, sociais, religiosas e de gênero, todos deveriam ter sua dignidade e seus direitos respeitados. Os mesmos foram fundamentados nos seguintes princípios basilares: dignidade e inviolabilidade da pessoa humana, fraternidade, igualdade, liberdade e solidariedade.
Qual foi a contribuição dos protestantes na elaboração da Declaração?
Ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido elaborada por muitas mãos, não podemos nos esquecer, entre outros, de Eleanor Roosevelt (1884-1962) – única mulher do grupo, membro da Igreja Episcopal, presidente da Comissão que elaborou e aprovou a DUDH – que definia a si mesma como “cristã e democrata”. Para ser justo, ela foi não somente ativista dos Direitos Humanos, mas também diplomata e embaixadora na ONU.4 Na opinião dela, os Direitos Humanos começam “em pequenos lugares, perto de casa – tão perto e tão pequenos que eles não podem ser vistos em qualquer mapa do mundo. No entanto, estes são o mundo do individuo; a vizinhança em que ele vive; a escola ou universidade que ele frequenta; a fábrica (...) ou escritório em que ele trabalha. Tais são os lugares onde cada homem, mulher e criança procura igualdade de justiça, igualdade de oportunidade, igualdade de dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar. Sem a organização do cidadão para defender esses direitos perto de casa, nós procuraremos em vão pelo progresso no mundo maior”.
Conclusão
O que a Igreja tem a ver com os Direitos Humanos? Porque devemos nos lembrar e nos ocupar deles hoje? As respostas podem ser diretas, mas suas implicações são complexas. Entretanto, o caminho não me parece ser a indiferença ou a neutralidade. Assim sendo, arrisco responder que a Igreja deve defender, ensinar e promover uma cultura de respeito aos Direitos Humanos:
- Para proteger cada ser humano de ser algo de quaisquer arbitrariedades e atrocidades;
- Porque os Direitos Humanos continuam desconhecidos entre a maioria da população, inclusive entre os cristãos;
- Porque os mesmos têm profundas raízes na tradição profética judaico-cristã e, consequentemente, possuem intrínsecos fundamentos bíblico-teológicos;
- Porque desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos nem a maldade humana nem sua sofisticação tem diminuído, tampouco a humanidade tem se tornado mais fraterna e mais solidária. Com isso continua o desafio da apropriação, da disseminação e da promoção de ações que visem proteger a dignidade, a inviolabilidade e a liberdade do outro, bem como a igualdade e a solidariedade entre todos. É isso um sonho? Talvez. Mas, “o futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos” (Eleanor Roosevelt).
Notas
1. MOYN, Samuel. The last utopia: Human rights in history. Cambridge: Harvard University Press, 2012.
2. CARDIA, NANCY (Coord.). Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes, normas culturais, e valores em relação aos Direitos Humanos e violência: Um estudo em 11 capitais de Estado. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 2012.
3. CALDEIRA, Rodrigo Coppe. Considerações sobre a Igreja Católica Romana e a evolução de sua compreensão sobre os direitos humanos. Revista Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 47, p. 770-796, jul./set. 2017.
4. ROBERTS, Crystral. Eleanor Roosevelt: A face of humanitarianism and social change. Bloomington, Indiana: Slibris, 2011, p. 44-49. Cf. também MARSICO, Katie. Eleanor Roosevelt: First Lady and Human Rights Advocate. Edina, Minnesota: ABDO Publishing Company, 2008.
Imagem 1: Crianças observam uma cópia da Declaração Universal dos Direitos Humanos em Nova Iorque quando o documento tinha apenas dois anos, em 1950. Foto: ONU.
Imagem 2: Chefe da Comissão para os Direitos Humanos, Eleanor Roosevelt (direita), com Hansa Mehta, representante da Índia, em 1º de junho de 1949. Foto: ONU/Marvin Bolotsky.
• Maruilson Souza é Doutor em Educação Teológica (PhD) e Pós-Doutor em Psicologia. É Secretário Nacional de Educação do Exército de Salvação no Brasil, membro do Conselho Internacional de Teologia e Coordenador/Articulador do Simpósio Direitos Humanos, Justiça Social e Reconciliação.
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