Opinião
- 16 de julho de 2019
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Dimensão litúrgica da vida
Por Reginaldo von Zuben
Nos últimos anos da nossa vivência como igreja cristã, tenho a impressão de que a palavra liturgia passou a ser gradativamente utilizada com reservas por líderes e membros. É possível que ela até mesmo tenha sido excluída da linguagem e da compreensão de tais líderes em certas comunidades. Já ouvi pessoas afirmarem que a liturgia atrapalha o culto devido à formalidade e engessamento que impõe à celebração. Já ouvi também que seguir ou ter uma liturgia no culto é a razão principal para inibir a ação do Espírito Santo, pois Ele precisa de “liberdade” para agir.
Caso esteja certo em minha impressão acima, penso que não só a palavra, mas também o conhecimento acerca da importância da liturgia deveria ser cada vez mais presente tanto em nossa adoração comunitária como em nossa vida como cristãos, ou seja, tanto na igreja como fora da igreja. Talvez você ache estranho a afirmação “fora da igreja” acerca da liturgia. No entanto, é isto mesmo, pois liturgia não é algo específico do culto que prestamos a Deus na igreja, mas tem a ver com toda a nossa vida. Em outras palavras, a nossa vida é litúrgica e, por ser assim, devemos viver liturgicamente. Podemos, por exemplo, analisar a vida litúrgica de Jesus, assim como considerar o tempo e o espaço da nossa existência na dimensão litúrgica.
O conceito liturgia carrega, em sua essência, no grego clássico, a ênfase referente ao benefício do povo, ao bem das pessoas em geral. Toda ação ou iniciativa humana que resultasse em benefício do povo, que fizesse bem à vida comunitária, era compreendida e chamada como uma ação litúrgica. Foi com este propósito que o termo passou a ser utilizado nas celebrações religiosas e em referência a tudo o que ocorre no momento da celebração cristã. Embora o culto comunitário seja para a adoração divina, ele também resulta em benefícios, em bênçãos, que extrapolam o ambiente da igreja. Neste sentido é que Luiz Carlos Ramos afirma: “Atualmente, a palavra liturgia se aplica a todo o conjunto dos atos rituais da Igreja, pelos quais prossegue no mundo no exercício do sacerdócio de Jesus Cristo, destinado a santificar os seres humanos e glorificar a Deus”. É por isto que liturgia é sinônimo de serviço, ministério e ofício.
Duas coisas são importantes considerarmos. Primeiro, é praticamente impossível separar o culto da liturgia, por mais informalidade que o culto tenha. Um não ocorre sem o outro. A segunda coisa: todos nós sabemos que a adoração a Deus não é devida somente nos momentos de culto. Deus deve ser adorado com a nossa vida, em todo tempo e em todo lugar. Assim, a nossa vida deve ser um culto a Deus.
Diante dessas duas considerações, podemos pensar e falar sobre a dimensão litúrgica da nossa vida. O nosso tempo diário deve ser concebido como um ato litúrgico, ou seja, de adoração a Deus. Os lugares em que nós nos encontramos durante todo o dia também devem ser permeados pela dimensão litúrgica. Em relação às nossas palavras e ações, não é diferente, pois elas também devem se revestir da dimensão litúrgica, ou seja, da adoração a Deus que beneficie as pessoas que estão ao nosso redor. Neste sentido é que Paulo nos auxilia ao afirmar: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.17).
Hoje, dispomos de vários recursos que nos auxiliam na dimensão litúrgica da vida. Um deles é o calendário anual litúrgico, a ser praticado comunitária e individualmente. Outro recurso é a própria liturgia do culto, utilizada nas celebrações comunitárias, principalmente aos domingos. Cada ato litúrgico deve ser valorizado e levado para o restante da semana. Como cristãos reformados, a nossa liturgia é composta por algumas partes e atos centrais: adoração, confissão de pecados, ação de graças, intercessão, contribuição, edificação pela Palavra e envio. Tudo isto deve fazer parte da nossa vida durante os dias da semana, ou seja, devemos orar diariamente, confessando nossos pecados, agradecer as bênçãos recebidas que desfrutamos, interceder por nós mesmos e por quem precisa, devemos buscar a edificação na Palavra de Deus e ter a consciência de que somos enviados por Deus ao mundo para ser sal e luz. Enfim, devemos adorar a Deus em tudo o que somos e fazemos.
Um dado importante é o da criatividade em relação à dimensão litúrgica da vida. Com isto, quero dizer que a beleza da criação pode e deve ser incluída nesta dimensão litúrgica; podemos reservar um local e um momento a sós com Deus, em oração e na leitura da Palavra; podemos cultivar o silêncio como forma de abertura do nosso coração para que a Palavra de Deus nos edifique; podemos praticar também o momento litúrgico em família ou num pequeno grupo de amigos e irmãos em Cristo. Muitas são as possibilidades para serem aplicadas com criatividade, tanto na igreja como individualmente. Sobre isto, mais uma vez Luiz Carlos Ramos afirma: “Essa liturgia é constituída a partir da ação criativa da comunidade de fé e compõem-se de atos, ritos, sacramentos, palavra (cantada, lida, proclamada), gestos, processionais e recessionais etc. A criatividade litúrgica possibilita o recurso à expressão artística de modo geral (liturgia e arte): a Coreografia, que é a arte do movimento; a Literatura, a arte da palavra; a Arquitetura, a arte do espaço vazio; a Escultura, a arte do volume; a Pintura, a arte da cor; a Música, a arte do som; e a controvertida ‘sétima arte’, o Cinema, que combina as várias artes”.
Tenhamos sabedoria e criatividade litúrgica para que a nossa vida, em seu todo, seja expressão da adoração em espírito e em verdade a Deus.
• Reginaldo von Zuben é diretor e professor da FATIPI e pastor auxiliar da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.
Nota: Texto originalmente publicado no jornal O Estandarte, nº 05, maio de 2019. Reproduzido com permissão.
Nota: Texto originalmente publicado no jornal O Estandarte, nº 05, maio de 2019. Reproduzido com permissão.
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