Opinião
- 14 de abril de 2015
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Dilemas, aporias e falsas certezas
Viver com mais incertezas do que segurança, infelizmente, é como estar-aí-no-mundo (Heidegger) exposto a todo tipo de ameaças, com exíguos recursos de confiança para estruturar interações saudáveis, confiáveis e perduráveis. A falta de confiança, além de aumentar o efeito oxidativo das lógicas de interação estabelecidas entre os indivíduos, produz uma elevação dos riscos em que os mesmos vão se adoecendo (psicologicamente) mais facilmente, por conta da presença da intensificação do estresse proveniente das novas demandas transnaturais de uma vida social em que todos os critérios de validação ética [da moral] tenderão a ser condenados a um anacronismo ultraprecoce. Estamos caminhando para o caos social não pela escassez de leis (temos em excesso), mas pela “escassez de verdade” que começa a ser deduzida do excesso de leis que se cria nas sociedades democráticas, com o fim de proteger formas de vida inautênticas, desnaturalizadas e potencialmente esquizofrenizantes, figuradas num contingente de milhares ou milhões de indivíduos. Seria esse o contexto cultural do Admirável Mundo Novo prenunciado por Aldous Huxley?
Enquanto isso, a religião tira um “cochilo irresponsável” prolongado (suspensão da moral), no exercício inócuo de suas atividades eclesiocentradas, sem gerar, com isso, qualquer efeito transformador para a consciência ou autoconsciência do indivíduo, que vive nesse contexto, por sinal, sem senso de direção para existir, de modo autêntico, tanto no espaço público quanto no privado. Seria ironia minha dizer: e viva a liberdade! Fomos ajudados tanto por Nietzsche quanto por Freud a reconhecer que, sem a liberdade, nos afastaríamos, cada vez mais, da naturalidade de uma vida autêntica (ou vice-versa). Mas agora, e com o legado de ambos, descobrimos que a liberdade que eles desejaram é como uma doença degenerativa que tira, silenciosamente, a vitalidade de toda forma de vida biopsíquica. Se o convite “bem-vindos à democracia!” soa como apetrecho de uma sofisticada forma de vida social civilizada, podemos também inferir dele que, se não tomarmos as devidas precauções de auto-sobrevivência, esse “bem vindo” poderá ser entendido como um convite para deixar de viver com saúde psíquica num mundo em que tudo perdeu o seu significado, tudo perdeu o seu valor, tudo perdeu a sua importância, tudo perdeu a sua autenticidade e tudo perdeu a sua vitalidade naturalmente dada.
Quem é quem nesse mundo? A vida inautêntica é sustentável nele? Não seria esse um mundo plenamente aletofóbico, de aparências e enganos que administram eficientemente a agenda cotidiana de pessoas que agem somente por critérios de conveniência? Nesse mundo, tudo o que é, pode não ser; e tudo o que não é, pode vir a ser: um mundo de “flutuação ôntica das identidades”. Tudo nele é confuso, e a vida se inviabiliza por não poder mais ser oxigenada pela desconflitividade. A “desconfiança psicótica” é a única conditio sine qua non de existir nele. E nesse ‘contexto vital’ (Sitz im Leben), a “culpa” está presente, mais do que nunca, na forma de uma “omissão humanitário-assistencial” (e não assistencialista) que se figura na paralisa dos indivíduos (em geral) diante das necessidades alheias autênticas, legítimas e urgentes. E tudo isso em função do excesso da "suspeita paranóica", retroalimentada por uma “liberdade em descontrole” e preconizada por um democratismo transnatural, co-produtor da “desordem ontológica”.
• Anderson Clayton Pires é doutor em sociologia (UFRGS) e doutor em teologia (IEPG-EST). Integra, como professor convidado, o corpo docente do Centro Luterano de Estudos Psicossociológico e Poimênico. Casado com Cristina, pai de Diogo e Renata.
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