Opinião
- 14 de abril de 2015
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Dilemas, aporias e falsas certezas
Dilemas e aporias de uma “liberdade em descontrole”: as falsas certezas da vida no mundo democrático
Quando Nietzsche acenou para o fato escatológico de maior relevância da era moderna – “a morte de Deus” – intelectuais do mundo inteiro, de formação religiosa, o apelidaram de “apóstolo do anticristo” (Werner Jaeger). Nietzsche foi um crítico veemente dos e contra os “defensores da esperança” (pensada escatologicamente). Para ele, ela poderia ser facilmente utilizada como maquiagem para esconder as rugas do desencanto do indivíduo com a vida presente. Para esse leitor crítico da mensagem paulina, a “escatologia futúrica” (Rudolf Bultmann) aliena o indivíduo do seu “contexto imediato de vida” (o “saeculum”) e das oportunidades que emergem dele para gratificá-lo enquanto habitante desse mundo. De acordo com Nietzsche, o discurso da esperança é um modo de “mascarar” a covardia do indivíduo à medida que ela o convida a negar a história (o já) em detrimento da eternidade (o ainda-não).
Nietzsche talvez tenha sido o principal expoente do pensamento filosófico pós-iluminista a falar de uma forma de viver (ethos) sem “ansiedade do destino” (Paul Tillich). O “anseio do futuro” ou “espera ansiosa” (o que no grego paulino é chamado de ‘apokaradokia’) adoece a relação imediata do indivíduo com o presente, e por causa dele ele pode desenvolver “falsas certezas” que o farão viver desconectado da vida, do mundo e de si mesmo. Se o futuro perdesse sua relevância como categoria de análise do potencial transformador que existe no presente da história de cada indivíduo, então a vida se abriria como uma possibilidade de inesgotável capacidade criativa. Esse é o vetor principal da crítica à religião cristã que figura no sistema nietzschiano. Por essa razão, talvez Nietzsche tenha sido quem mais influenciou Sigmund Freud no que tange a formação de sua intuição do futuro da ciência num mundo pensado sem a presença das “falsas ilusões”, como as proclamadas pelo sistema religioso. O ser humano no futuro, pensado com otimismo pelo pai da psicanálise, conseguiria se emancipar da culpa ao viver naturalmente num mundo sem a religião.
Sigmund Freud conseguiu, assim, tocar na questão mais controvertida da tradição religiosa no Ocidente. Do conflito dilemático da relação entre a ciência e a religião resulta uma aporia: o ser humano pode viver de modo natural seguindo um conjunto de regras instituído pela moral (de fundo religiosa)? Naturalmente não, diria Freud. A religião altera a natureza humana, pois a condiciona a uma aceitação de mecânicos adaptativos de conformação cultural ao mesmo tempo em que cria, nos indivíduos, disposições que representam a “etiqueta moral” (Erving Goffman) do ideal civilizatório de um seguimento sociocultural dominante (o complexo da religião), a qual exerce controle sobre a vontade humana. Religião e cultura são, portanto, entendidas por Freud como dois lados de uma mesma moeda, pois ambas representam um mesmo ideal antinaturalista de vida: o represamento da libido primitiva do ego. Por trás da civilização da ordem, o “eu primitivo” se vê obrigado a ter que renunciar o seu estado natural. Sob a influência da moral, o indivíduo passa a se pensar como quem não consegue viver isento das neuróticas “pulsões contraditórias”. A ambivalência, então, se torna um conceito caro da teoria freudiana, usado para definir o “desequilíbrio estruturante” de um estado/condição existencial pendular no qual o indivíduo tende a se render (sob a influência de heterocondicionamentos) às demandas morais de uma civilização que renega as características naturais de sua herança primitiva, as quais (se consideradas) poderiam garantir a ele a possibilidade de gozar os benefícios destensionalizantes na forma de uma vida naturalmente autêntica, sem as pulsões antagônicas que acabam por favorecer a formação de uma identidade patodefinida.
A civilização é a doença que inevitavelmente produz clivagens irregeneráveis na identidade do ser humano. O desejo represado (neurose) de um eu-natural reflete-se na condição do indivíduo compreendido como refém da sublime moral e dos bons costumes. Mas o engodo nasce dessa sutileza. O processo civilizatório não só esconde seu potencial neurotizante por trás da moral e dos bons costumes, como também condena o indivíduo a ter que se ver numa permanente “arena tensional” de pulsões contraditórias o adoecendo à medida que o coloca como um inimigo de si mesmo, isto é, do seu “estado de natureza”. A crença teológica em uma “distorção essencial” (Santo Agostinho) da natureza humana, corrompida pela Queda, tirou, do horizonte antropológico, a possibilidade de se acreditar na preservação da inocência de um homem interior naturalmente bom. Mesmo os “bons selvagens” de Jean-Jacques Rousseau acabaram se mostrando corrompíveis diante da oferta tentadora das novas conquistas de poder, trazidas a eles em nome da civilização moderna. O conflito moral aumenta à medida que se pergunta sobre a etiologia do “mal radical” (Immanuel Kant): Afinal, ele está no ser humano ou na civilização? O que de pecaminoso existe no estado de natureza do eu-primitivo?
Quando Nietzsche acenou para o fato escatológico de maior relevância da era moderna – “a morte de Deus” – intelectuais do mundo inteiro, de formação religiosa, o apelidaram de “apóstolo do anticristo” (Werner Jaeger). Nietzsche foi um crítico veemente dos e contra os “defensores da esperança” (pensada escatologicamente). Para ele, ela poderia ser facilmente utilizada como maquiagem para esconder as rugas do desencanto do indivíduo com a vida presente. Para esse leitor crítico da mensagem paulina, a “escatologia futúrica” (Rudolf Bultmann) aliena o indivíduo do seu “contexto imediato de vida” (o “saeculum”) e das oportunidades que emergem dele para gratificá-lo enquanto habitante desse mundo. De acordo com Nietzsche, o discurso da esperança é um modo de “mascarar” a covardia do indivíduo à medida que ela o convida a negar a história (o já) em detrimento da eternidade (o ainda-não).
Nietzsche talvez tenha sido o principal expoente do pensamento filosófico pós-iluminista a falar de uma forma de viver (ethos) sem “ansiedade do destino” (Paul Tillich). O “anseio do futuro” ou “espera ansiosa” (o que no grego paulino é chamado de ‘apokaradokia’) adoece a relação imediata do indivíduo com o presente, e por causa dele ele pode desenvolver “falsas certezas” que o farão viver desconectado da vida, do mundo e de si mesmo. Se o futuro perdesse sua relevância como categoria de análise do potencial transformador que existe no presente da história de cada indivíduo, então a vida se abriria como uma possibilidade de inesgotável capacidade criativa. Esse é o vetor principal da crítica à religião cristã que figura no sistema nietzschiano. Por essa razão, talvez Nietzsche tenha sido quem mais influenciou Sigmund Freud no que tange a formação de sua intuição do futuro da ciência num mundo pensado sem a presença das “falsas ilusões”, como as proclamadas pelo sistema religioso. O ser humano no futuro, pensado com otimismo pelo pai da psicanálise, conseguiria se emancipar da culpa ao viver naturalmente num mundo sem a religião.
Sigmund Freud conseguiu, assim, tocar na questão mais controvertida da tradição religiosa no Ocidente. Do conflito dilemático da relação entre a ciência e a religião resulta uma aporia: o ser humano pode viver de modo natural seguindo um conjunto de regras instituído pela moral (de fundo religiosa)? Naturalmente não, diria Freud. A religião altera a natureza humana, pois a condiciona a uma aceitação de mecânicos adaptativos de conformação cultural ao mesmo tempo em que cria, nos indivíduos, disposições que representam a “etiqueta moral” (Erving Goffman) do ideal civilizatório de um seguimento sociocultural dominante (o complexo da religião), a qual exerce controle sobre a vontade humana. Religião e cultura são, portanto, entendidas por Freud como dois lados de uma mesma moeda, pois ambas representam um mesmo ideal antinaturalista de vida: o represamento da libido primitiva do ego. Por trás da civilização da ordem, o “eu primitivo” se vê obrigado a ter que renunciar o seu estado natural. Sob a influência da moral, o indivíduo passa a se pensar como quem não consegue viver isento das neuróticas “pulsões contraditórias”. A ambivalência, então, se torna um conceito caro da teoria freudiana, usado para definir o “desequilíbrio estruturante” de um estado/condição existencial pendular no qual o indivíduo tende a se render (sob a influência de heterocondicionamentos) às demandas morais de uma civilização que renega as características naturais de sua herança primitiva, as quais (se consideradas) poderiam garantir a ele a possibilidade de gozar os benefícios destensionalizantes na forma de uma vida naturalmente autêntica, sem as pulsões antagônicas que acabam por favorecer a formação de uma identidade patodefinida.
A civilização é a doença que inevitavelmente produz clivagens irregeneráveis na identidade do ser humano. O desejo represado (neurose) de um eu-natural reflete-se na condição do indivíduo compreendido como refém da sublime moral e dos bons costumes. Mas o engodo nasce dessa sutileza. O processo civilizatório não só esconde seu potencial neurotizante por trás da moral e dos bons costumes, como também condena o indivíduo a ter que se ver numa permanente “arena tensional” de pulsões contraditórias o adoecendo à medida que o coloca como um inimigo de si mesmo, isto é, do seu “estado de natureza”. A crença teológica em uma “distorção essencial” (Santo Agostinho) da natureza humana, corrompida pela Queda, tirou, do horizonte antropológico, a possibilidade de se acreditar na preservação da inocência de um homem interior naturalmente bom. Mesmo os “bons selvagens” de Jean-Jacques Rousseau acabaram se mostrando corrompíveis diante da oferta tentadora das novas conquistas de poder, trazidas a eles em nome da civilização moderna. O conflito moral aumenta à medida que se pergunta sobre a etiologia do “mal radical” (Immanuel Kant): Afinal, ele está no ser humano ou na civilização? O que de pecaminoso existe no estado de natureza do eu-primitivo?
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