Opinião
- 20 de abril de 2012
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Deus, o jardim e o jardineiro
“E Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra”. (Gn 1.28)
Esse verso, conhecido como o mandato cultural – a ordem de Deus para que a raça humana se expanda e assuma o planeta – geralmente tem sido interpretado como uma permissão para que a humanidade exerça total domínio sobre a criação, multiplicando-se de forma indistinta. No entanto, é simplesmente o contrário.
Essa fala divina, na verdade, está inserida no contexto mais amplo da responsabilidade e do relacionamento. O que Deus fez foi entregar o mundo aos cuidados da raça humana, quando ainda éramos seus parceiros, antes de nossa queda por desobediência. Portanto, ver o mandato cultural numa perspectiva predatória, que é uma das marcas da rebelião da raça humana contra o Criador, é um contra-senso. Não combina com o caráter de Deus, com o estado da humanidade na ocasião e, muito menos, com a conclusão divina sobre a sua criação: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31).
O problema é que adotamos parâmetros totalmente equivocados ao seguir a indicação de Deus, quando Ele diz ‘dominai’. Entre as muitas formas de exercer domínio, escolhemos o modelo antiecológico que praticamos atualmente, com os resultados nefastos conhecidos por todos. Entretanto, o contexto das Escrituras Sagradas fala de um modelo divino inequívoco: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15). Ou seja, Deus propôs que o planeta fosse um grande jardim. Um jardim cuja essência é comunitária e no qual a beleza reside no conjunto: pressupõe harmonia e partilha de recursos, numa engenharia em que a sobrevivência e a necessidade de crescimento de todos os seres sejam garantidas. Em outras palavras, desenvolvimento sustentado.
No projeto de Deus, o homem é um jardineiro, com a peculiaridade, importante, de ser parte do jardim. E a restrição prescrita a todas as espécies – de não ameaçar a existência das demais – recai, por excelência, sobre o jardineiro: somos nós os responsáveis por administrar o relacionamento do planeta com os seus ocupantes, e destes entre si. Não temos, portanto, o direito de ocupar de modo ilimitado os espaços do planeta, ou de canalizar todos os recursos para nós, ou de qualquer movimento que ponha em risco a sobrevivência do planeta. Fazemos parte e somos dependentes do equilíbrio ecológico. Estabelecer limites para a nossa expansão sobre o planeta é um imperativo.
Se, desde o princípio, tivéssemos sido o jardineiro consciente que o Criador desejou, a experiência do jardim comunitário, da vida solidária, tornaria natural a busca por um desenvolvimento sustentado. Bem, não o fomos. Pelo contrário, tornamo-nos a antítese do jardineiro. Logo, duas questões, imbricadas entre si, foram tornadas urgentes: a racionalização do consumo e a consequente recuperação do bioma. Assim, todos os meios salutares devem ser usados para que nossa existência não seja a causa da falência do planeta.
Alguém poderá objetar que não há mais tempo hábil, e que resta-nos aguardar pelo novo céu e pela nova terra. A Trindade, porém, nos pôs no jardim, dando-nos o modelo de sustentabilidade para administrarmos o planeta. Novo céu e nova terra é departamento de Deus, a sustentabilidade desta terra é tarefa nossa. Independentemente de quanto tempo temos, há uma missão a perseguir.
Não é tarde para apreendermos a perfeição do jardim de Deus.
Nota
A próxima edição da revista Ultimato (maio/junho, nº 336) publicará o painel “O ultimato da Terra”, com perguntas e respostas cristãs sobre sustentabilidade ambiental.
Leia mais
Assim na terra como no céu
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Ariovaldo Ramos, filósofo, teólogo, pastor na Comunidade Cristã Reformada (São Paulo) e embaixador da Aliança Evangélica Brasileira e da ONG Visão Mundial.
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