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- 04 de fevereiro de 2019
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Deus fez o ser humano porque ama histórias
Por Jonathan Simões Freitas
(Uma carta para a minha filha, no seu primeiro aniversário)
(Uma carta para a minha filha, no seu primeiro aniversário)
Há muito tempo, li em um livro a seguinte frase: “Deus fez o ser humano porque ama histórias”. Lembro-me de que, na ocasião, esses dizeres me marcaram – tanto que nunca os esqueci.
Depois de vários anos, estou relendo o tal livro junto com o grupo de homens da igreja. Ontem reli a memorável sentença, pela qual eu já estava aguardando: “Deus fez o ser humano porque ama histórias”, uma citação de Elie Wiesel, escritor judeu romeno sobrevivente ao Holocausto.
Claro: há um exagero na frase e até certa dose de ousadia em sondar as motivações do Criador. Mas, realmente, temos de convir: cada vida humana daria uma novela – mesmo as mais curtas!
Recentemente, por exemplo, fiquei sabendo de uma obstetra cristã, amiga da família, que publicou o diário do final da gravidez de seu bebê anencéfalo. Ciente da morte prematura esperada, a mãe médica, ainda assim, tomou essa iniciativa, porque, ao contrário da nossa cultura contemporânea, reconheceu que, não importa quão breve seja, toda vida humana carrega uma história digna de ser registrada.
Parece que só os humanos têm essa capacidade de perceber a sua vinda ao mundo como uma aventura a ser intencionalmente vivenciada e contada. As zebras, como a do seu berço, não demonstram se sentir parte de uma grande narrativa quando nascem. Ninguém registra o óbito de uma lagartixa nem lhe prepara uma lápide ou coroa de flores. Nunca vi nem mesmo um grupo de golfinhos inteligentes se organizar para escrever um roteiro e produzir um filme inspirador. Portanto, embora seja verdade que algumas pessoas se animalizam, vivendo aquém da estatura humana, parece que, de fato, dentre as criaturas, somente nós, os humanos, podemos compreender conscientemente esse chamado divino para vivermos uma história que o deleite. Nada mais sábio, nesse sentido, do que reconhecer esse propósito o mais cedo possível.
Contudo, em geral, demoramos. Não é à toa que são os avós, na maioria das vezes, os grandes contadores de histórias na família. Enquanto nós, pais, estamos absortos na labuta diária, tentando “vencer na vida”, pagar as contas e dar uma condição favorável para os filhos, os idosos, já mais experientes, parecem concluir que o melhor presente para uma criança – o mais formativo – é uma boa história. Uma das minhas grandes alegrias neste ano foi poder ouvir o riso saudoso da minha avó Filuca contando casos antigos da infância do meu pai em resposta às perguntas curiosas que eu lhe fazia em um singelo almoço de família, um pouco antes de ela partir. Também considerei um grande privilégio o fim de semana completo que pude passar no Hospital Socor, acompanhando o meu avô Luiz, entrevistando-o sobre a nossa história familiar, para ouvir casos desde manhã cedo até de madrugada. Em retrospectiva, percebo que verdadeiramente saí dali uma outra pessoa, com um tipo de aprendizado que longos anos de estudo formal não puderam me comunicar. Fiquei com uma vontade de aproveitar melhor a presença dos contadores de história enquanto ainda estão por perto. Os seus casos são saúde, são vida, são humanos.
Atualmente, uma tristeza, que vez ou outra me dá um senso de falta e vazio, é sentir que ainda não conheço bem a minha história; que o meu passado ainda se apresenta fragmentado e difuso para mim. Por outro lado, talvez tenha sido esse o caminho que Deus usou para me encaminhar cedo na vida para o conhecimento da História (com “H” maiúsculo) do evangelho, na qual me encontrei e – com isso – tenho encontrado todas as coisas. Nesse sentido, se tem algo que concluí desses meus primeiros meses como pai, é que não quero privar a Manu das histórias – seja da grande narrativa bíblica; seja das pequenas anedotas familiares que eu tiver para compartilhar.
Mas tenho de confessar desde já: sou ruim nisso. A minha tendência é a de sempre olhar para frente e para o alto, para o futuro e para o abstrato; planejar e estratetizar, argumentar e teorizar. Tenho dificuldade com a história e com o concreto; com a retrospectiva e com os particulares; com a pausa e o presente.
Para ser sincero, com esta própria festinha em família, eu não estava muito animado. Na verdade, tenho certa aversão a festas ou a qualquer outro tipo de evento social que demande roupas especiais, muita preparação ou interação intensa, pois sou mais introvertido e contemplativo. Eu não gosto de ver as pessoas inquietas com os preparativos, de ser envolvido na escolha de detalhes, de ter o clima da casa dominado pelo mesmo assunto por dias seguidos…
Mas, graças a Deus, Ele me casou com a sua mãe – uma mulher sábia que, com a simplicidade entusiasmada de uma menina, colore o nosso lar. Ela registra os nossos acontecimentos em diários, faz questão de documentar tudo em fotos e vídeos e, assim, vivencia e conta, com calor humano e trilha sonora, a nossa história familiar. Quero aprender com ela para, juntos, te ensinarmos a sempre se ver dentro de um enredo maior. Esta carta, lida nesta celebração da sua vida, é tanto uma confissão quanto um manifesto nessa direção.
Afinal, agora que a festinha de fato chegou, reconheço que, no seu coraçãozinho de bebê, serão momentos assim que te ajudarão a perceber, ainda que intuitivamente, que você faz parte de uma grande história. Muitas vezes, será em encontros intencionais, ainda que trabalhosos, que você se familiarizará com os atores e atrizes que farão parte do elenco da sua vida. Será em um ritual como o do “parabéns” – com as palmas, a gratidão a Deus, os sorrisos, as delícias dos docinhos, o ambiente de alegria – que você formará memórias a partir das quais o drama da vida poderá ser lido e relido. Será ao vermos juntos as fotos no futuro que teremos a oportunidade de contar os casos familiares que te darão um sentido de pertencimento e tirarão o peso cultural de ter de protagonizar uma epopeia sozinha.
Às vezes, eu vejo a sua gargalhada fácil e a sua alegria ingênua e me pergunto o que farei quando você começar a descobrir as feiuras, injustiças e mentiras da vida. Oro e vigio para não deixar o privilégio da paternidade escorregar para o terreno do cinismo. Afinal, a verdadeira maturidade parece ser aquela capacidade de viver, depois da experiência do mal, a graça de reencontrar e reconciliar-se com o bem – de modo a, não mais por ingenuidade, mas consciente e inteiramente, ficar com a resposta das crianças: “é a vida, é bonita e é bonita”. Como disse Jesus, o reino de Deus é dos pequeninos, de cujas bocas se suscita esse perfeito louvor.
Portanto, que Ele te abençoe, minha filha, e nos ajude, como pais, a continuarmos te encaminhando neste dramático – mas insubstituível – trajeto rumo ao “ser como criança”, mesmo quando adulta. Pois sim: Deus te fez porque ama a sua história. E nós, todos nós, hoje aqui reunidos, também queremos amá-la, celebrando este um ano que já nos foi graciosamente concedido e atuando com excelência no papel que nos cabe nesse misterioso e empolgante enredo.
Olhe ao seu redor: desde cedo, você não está só. Você faz parte de uma grande história. Essa é a mensagem deste aniversário. Afinal, faremos o nosso melhor para você desempenhar bem o papel que te for confiado, mas esta festinha familiar, em uma idade em que você ainda não consegue compreender tudo o que ela significa, é para lembrá-la no futuro – e lembrar a todos nós hoje – do que concluiu o sábio judeu: “Deus fez o ser humano porque ama histórias”.
No amor daquele que é o seu Autor,
Papai.
Nota: Conteúdo publicado originalmente em mediu.com/@jonathansf.bra.
• Jonathan Simões Freitas, belo-horizontino de 33 anos, é casado com Thalita e pai de Manuela. É professor na UFMG e atua na Igreja Esperança, na ABC², na Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET) e no L’Abri. Escreve no medium.com/@jonathansf.bra.
Leia mais
» A família e seu papel no reino de Deus
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