Opinião
- 22 de outubro de 2008
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Denominações diferentes têm posições diferentes em lugares diferentes e em épocas diferentes *
Robinson Cavalcanti
Recentemente, ao iniciar uma palestra em uma conferência teológica, saudei a platéia “em nome daquela Igreja que não foi fundada por Henrique VIII, e nem é comandada pela Rainha da Inglaterra”. Estava me referindo ao lamentável fato de que seminários teológicos evangélicos, em suas aulas de história do cristianismo, repetem clichês que não fazem justiça aos fatos.
No caso do anglicanismo, há um silêncio sobre os séculos da Igreja Celta autônoma e não se trabalha a complexidade da Reforma Inglesa, que começa com John Wycliffe e vai até a Revolução Gloriosa de Guilherme e Maria de Orange. Não se destaca o papel das Universidades de Cambridge e Oxford, ou o gênio do Arcebispo de Cantuária Thomas Cranmer, ou que após Henrique VIII a Inglaterra voltou ao catolicismo romano, passou por uma ditadura presbiteriana com Oliver Cromwell, pelo estabelecimento Elizabethano, por novas tentativas de volta a Roma, e que, somente com a Revolução Gloriosa, tanto o anglicanismo quanto o parlamentarismo vieram a ser consolidados. Ou seja, a Reforma Inglesa viria com Henrique, sem Henrique ou contra Henrique, que, no fundo, foi um personagem menor nesse conjunto de fatores.
Representantes das igrejas orientais têm semelhante queixa, quando afirmam: “Os seminários protestantes dão uma versão católica romana sobre a separação entre ocidente e oriente”. Normalmente, o conhecimento das lideranças protestantes sobre o cristianismo do oriente é perto de zero. Como falar que o oriente se separou de Roma, quando os seus patriarcados autocéfalos são anteriores, ou, no caso das Igrejas Pré-Calcedônicas, estas nunca poderiam ter se desligado de algo com a qual nunca foram ligadas?
A antropologia nos ensina que uma das nossas limitações é o etnocentrismo: tendemos a ver o mundo a partir do nosso lugar e a história a partir do nosso tempo, o que gera grandes distorções.
Outro dado interessante é que denominações diversas têm posições diversas em lugares diversos e em épocas diversas. Enquanto, por exemplo, os congregacionais são, em geral, ortodoxos no Brasil, eles encabeçaram o liberalismo nos Estados Unidos (inclusive criando a Igreja Unitariana Universalista), e defendiam a teologia da libertação na Suécia. Batistas podem ser conservadores no Brasil, ou no Sul dos Estados Unidos, mas não o são, necessariamente, no Norte ou no Reino Unido. Presbiterianos tendem a ser teologicamente conservadores no Brasil, mas nos Estados Unidos (PCUSA) já autorizaram, oficialmente, a chamada “solução local” (decisões de presbitérios) para a realização de ritos sobre uniões do mesmo sexo.
Enquanto os presbiterianos estão em declínio na Escócia, crescem, e muito, na Coréia. As igrejas luteranas estão virando museus vivos na Escandinávia, mas conhecem um crescimento fenomenal na Etiópia e na Tanzânia.
Veja o caso do anglicanismo. Quase todo mundo evangélico brasileiro é alimentado pela leitura dos nossos autores, como John Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Michael Greene, Os Guiness, Alister McGrath, N. T Wright, e tantos outros. Mas, a quase totalidade das editoras esconde a identidade desses autores, “com vergonha” porque eles são anglicanos, e com medo de terem prejuízo na comercialização das obras. E por quê? Além do preconceito anti-litúrgico do nosso protestantismo “anabatistizado”, o anglicanismo no Brasil é principalmente representado pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) — que não lê aqueles autores — de linha católico-liberal, alinhada com a Igreja Episcopal (dos EUA), mas que integra uma reduzida minoria no conjunto da Comunhão Anglicana.
Tenho afirmado que dos 164 países onde o anglicanismo se faz presente, em 150 não se encontra um liberal nem para se fazer um chá. Na Conferência de Lambeth de 1998, a maioria ortodoxa — que é a verdadeira cara do anglicanismo mundial — aprovou com mais de 80% a Resolução 1.10 sobre Sexualidade Humana, consentânea com as Sagradas Escrituras e a herança apostólica e reformada.
De fato, temos no Brasil de hoje um “anglicanismo de gene Robinson”, representado pela IEAB, e um “anglicanismo de John Stott”, representado pela Diocese do Recife.
Nenhum ramo do cristianismo, portanto, tem o monopólio da virtude ou do pecado, embora, de lugar para lugar, e de época para época, a virtude ou o pecado possa prevalescer.
Ler mais, dialogar mais, viajar mais, até que ajuda. Ou, sempre relembrando o poeta pátrio: “As aves (e as denominações) que aqui gorjeiam, não gorjeiam (nem se posicionam) como lá!”.
• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.
www.dar.org.br
* Publicado originalmente em “Reflexão Episcopal” da Diocese do Recife — Comunhão Anglicana, com o título NEM TODOS OS GATOS SÃO PARDOS -- Compreendo “nós” e “os outros”
Recentemente, ao iniciar uma palestra em uma conferência teológica, saudei a platéia “em nome daquela Igreja que não foi fundada por Henrique VIII, e nem é comandada pela Rainha da Inglaterra”. Estava me referindo ao lamentável fato de que seminários teológicos evangélicos, em suas aulas de história do cristianismo, repetem clichês que não fazem justiça aos fatos.
No caso do anglicanismo, há um silêncio sobre os séculos da Igreja Celta autônoma e não se trabalha a complexidade da Reforma Inglesa, que começa com John Wycliffe e vai até a Revolução Gloriosa de Guilherme e Maria de Orange. Não se destaca o papel das Universidades de Cambridge e Oxford, ou o gênio do Arcebispo de Cantuária Thomas Cranmer, ou que após Henrique VIII a Inglaterra voltou ao catolicismo romano, passou por uma ditadura presbiteriana com Oliver Cromwell, pelo estabelecimento Elizabethano, por novas tentativas de volta a Roma, e que, somente com a Revolução Gloriosa, tanto o anglicanismo quanto o parlamentarismo vieram a ser consolidados. Ou seja, a Reforma Inglesa viria com Henrique, sem Henrique ou contra Henrique, que, no fundo, foi um personagem menor nesse conjunto de fatores.
Representantes das igrejas orientais têm semelhante queixa, quando afirmam: “Os seminários protestantes dão uma versão católica romana sobre a separação entre ocidente e oriente”. Normalmente, o conhecimento das lideranças protestantes sobre o cristianismo do oriente é perto de zero. Como falar que o oriente se separou de Roma, quando os seus patriarcados autocéfalos são anteriores, ou, no caso das Igrejas Pré-Calcedônicas, estas nunca poderiam ter se desligado de algo com a qual nunca foram ligadas?
A antropologia nos ensina que uma das nossas limitações é o etnocentrismo: tendemos a ver o mundo a partir do nosso lugar e a história a partir do nosso tempo, o que gera grandes distorções.
Outro dado interessante é que denominações diversas têm posições diversas em lugares diversos e em épocas diversas. Enquanto, por exemplo, os congregacionais são, em geral, ortodoxos no Brasil, eles encabeçaram o liberalismo nos Estados Unidos (inclusive criando a Igreja Unitariana Universalista), e defendiam a teologia da libertação na Suécia. Batistas podem ser conservadores no Brasil, ou no Sul dos Estados Unidos, mas não o são, necessariamente, no Norte ou no Reino Unido. Presbiterianos tendem a ser teologicamente conservadores no Brasil, mas nos Estados Unidos (PCUSA) já autorizaram, oficialmente, a chamada “solução local” (decisões de presbitérios) para a realização de ritos sobre uniões do mesmo sexo.
Enquanto os presbiterianos estão em declínio na Escócia, crescem, e muito, na Coréia. As igrejas luteranas estão virando museus vivos na Escandinávia, mas conhecem um crescimento fenomenal na Etiópia e na Tanzânia.
Veja o caso do anglicanismo. Quase todo mundo evangélico brasileiro é alimentado pela leitura dos nossos autores, como John Stott, C.S. Lewis, J.I. Packer, Michael Greene, Os Guiness, Alister McGrath, N. T Wright, e tantos outros. Mas, a quase totalidade das editoras esconde a identidade desses autores, “com vergonha” porque eles são anglicanos, e com medo de terem prejuízo na comercialização das obras. E por quê? Além do preconceito anti-litúrgico do nosso protestantismo “anabatistizado”, o anglicanismo no Brasil é principalmente representado pela Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) — que não lê aqueles autores — de linha católico-liberal, alinhada com a Igreja Episcopal (dos EUA), mas que integra uma reduzida minoria no conjunto da Comunhão Anglicana.
Tenho afirmado que dos 164 países onde o anglicanismo se faz presente, em 150 não se encontra um liberal nem para se fazer um chá. Na Conferência de Lambeth de 1998, a maioria ortodoxa — que é a verdadeira cara do anglicanismo mundial — aprovou com mais de 80% a Resolução 1.10 sobre Sexualidade Humana, consentânea com as Sagradas Escrituras e a herança apostólica e reformada.
De fato, temos no Brasil de hoje um “anglicanismo de gene Robinson”, representado pela IEAB, e um “anglicanismo de John Stott”, representado pela Diocese do Recife.
Nenhum ramo do cristianismo, portanto, tem o monopólio da virtude ou do pecado, embora, de lugar para lugar, e de época para época, a virtude ou o pecado possa prevalescer.
Ler mais, dialogar mais, viajar mais, até que ajuda. Ou, sempre relembrando o poeta pátrio: “As aves (e as denominações) que aqui gorjeiam, não gorjeiam (nem se posicionam) como lá!”.
• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada.
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* Publicado originalmente em “Reflexão Episcopal” da Diocese do Recife — Comunhão Anglicana, com o título NEM TODOS OS GATOS SÃO PARDOS -- Compreendo “nós” e “os outros”
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