Opinião
- 09 de junho de 2020
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Declaração de amor à Igreja em tempos de crise
Por Bertil Ekström
"Portanto, meus irmãos, a quem amo e de quem tenho saudade, vocês que são a minha alegria e a minha coroa, permaneçam assim firmes no Senhor, ó amados! O que eu rogo a Evódia e também a Síntique é que vivam em harmonia no Senhor. Sim, e peço a você, leal companheiro de jugo, que as ajude; pois lutaram ao meu lado na causa do evangelho, com Clemente e meus demais cooperadores. Os seus nomes estão no livro da vida. Alegrem-se sempre no Senhor. Novamente direi: alegrem-se! Seja a amabilidade de vocês conhecida por todos. Perto está o Senhor. Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus. Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas. Tudo o que vocês aprenderam, receberam, ouviram e viram em mim, ponham-no em prática. E o Deus da paz estará com vocês." Filipenses 4:1-9
Um profundo relacionamento havia se desenvolvido entre o apóstolo e a igreja em Filipos. Um sentimento de amor e carinho que certamente teve seu início nas “dores de parto” que o apóstolo sofreu por ocasião do nascimento da igreja na cidade mais importante da Macedônia. Lembramos os fatos narrados em Atos 16 durante a segunda viagem missionária de Paulo:
- Uma mudança dos planos originais, devido a uma intervenção do Espírito, que levou Paulo à Macedônia. Filipos foi a primeira cidade da província romana a ser alcançada e, portanto, também o início do ministério do apóstolo na Europa.
- Uma mulher se torna o primeiro fruto do trabalho, Lídia, que na verdade era de Tiatira (na Ásia Menor, de onde Paulo acabara de vir) e que comercializava tecidos de púrpura. Ao ouvir a mensagem do evangelho, aceitou a Jesus Cristo e todos em sua casa se converteram e foram batizados.
- A segunda pessoa a ser alcançada pelo trabalho missionário de Paulo foi uma escrava que tinha um espírito de adivinhação. Ela foi libertada em nome de Jesus e certamente fez parte desse primeiro grupo de crentes.
- Como resultado da libertação da moça, Paulo e Silas foram presos e jogadas no fundo de uma prisão.
- Enquanto eles oravam e louvavam a Deus, um forte terremoto sacudiu a prisão, as portas se abriram e as correntes se soltaram. Vendo o ocorrido e entendendo o que estava acontecendo, o carcereiro creu em Jesus Cristo e toda sua família foi batizada.
- A primeira visita de Paulo a Filipos terminou com todos reunidos na casa de Lídia e uma congregação tinha sido formada na cidade.
- Sabemos que Paulo voltou à cidade também em sua terceira viagem e manteve, com certeza, contato através de cartas e pessoas que lhe traziam notícias.
Agora, Paulo escreve sua epístola aos filipenses. Diria que a carta é uma declaração de amor. Ele expressa sua alegria pelo crescimento espiritual da congregação, pela participação deles na propagação do evangelho e também pela contribuição ao trabalho missionário do apóstolo. A carta fala repetidamente da satisfação e da alegria de Paulo. Mais do que em outras cartas, ele usa palavras que indicam o envolvimento da igreja, por exemplo, na cooperação dada ao evangelho (1.5), na defesa e confirmação do evangelho e na participação da graça de Deus (1.7), nas orações a favor do apóstolo (1.19), no serviço (2.25), no sofrimento (3.10) e na contribuição (4.15).
Paulo está preso em Roma, em relativo isolamento social, com fortes restrições e limitações. Sabemos que ele tinha alguma liberdade mesmo na prisão, mas muitas vezes menciona as algemas que o prendem. São tempos de crise, tanto para o apóstolo que está encarcerado como para os irmãos em Filipos que sofrem perseguição (1.29) dentro do contexto do Império Romano.
Numa clara demonstração de seu amor para com a igreja em Filipos, Paulo dirige palavras de encorajamento e de exortação, fazendo recomendações que visam a harmonia na congregação e o serviço à comunidade. Destaco alguns pensamentos com base no texto acima.
Paulo fala inicialmente de sua saudade dos irmãos na igreja. Eles são sua alegria e coroa. A palavra coroa (stéfanos) indica o troféu que o vencedor de uma competição ganhava. Para Paulo, a mera existência da comunidade de crentes em Filipos era recompensa suficiente de todo o esforço e sofrimento. O fato da igreja entender o propósito do seu ministério e de associar-se a ele, significava uma alegria em dobro e uma demonstração do cuidado que tinham para com ele. De forma concreta, isso ficava evidente não só no envio de ofertas, mas também na presença da igreja junto ao apóstolo através de Epafrodito.
Saudade (epipothetos) é uma palavra que bem descreve essa falta que ele sente da comunhão com a igreja, o desejo profundo de estar junto com eles. Ele já havia dito no começo da carta que “os tem em seu coração“ e que Deus era testemunha da saudade que tinha de todos eles (1.7,8). Certamente não são apenas palavras vazias para que continuem contribuindo, mas um sincero reconhecimento da importância dessa comunhão e de como ele realmente gostaria de visita-los.
Fico pensando na situação em que estamos no momento, no meio da pandemia, no isolamento social, nos templos fechados ou fortemente limitados em abrigar os crentes nos cultos. É possível que justamente devido a falta do contato físico, dos abraços e da comunhão presencial no templo, sintamos saudade dos irmãos. Reuniões e cultos online certamente compensam em parte esta carência e inicialmente tornou-se uma experiência interessante e inovadora. Porém, não é a forma natural de conviver como igreja e dificilmente substitui o gozo e o ambiente espiritual de celebração ao qual estamos acostumados.
Em seu amor pela igreja, Paulo tem algumas recomendações que podem ser úteis para nós também. A primeira delas é de permanecerem firmes no Senhor. Não há dúvida de que as pressões externas e os conflitos internos, assim como o distanciamento entre os irmãos, podem nos desviar em nossa caminhada de fé. A segunda recomendação refere-se à unidade da igreja. Duas irmãs, que inclusive haviam sido cooperadoras do apóstolo, estavam em desavença. Dirigindo-se provavelmente ao líder da igreja, Paulo pede que ele ajude no processo de reconciliação entre Evódia e Síntique para que haja harmonia. A palavra que ele usa é a de pensar a mesma coisa, de ter a mesma atitude (cp. 2.2; 2.5 - de Cristo). Somente uma igreja unida poderia ser forte o suficiente para sobreviver às perseguições e continuar firme em seu testemunho cristão.
As recomendações seguintes têm a ver com outras atitudes necessárias no seio da igreja. Apesar das tribulações, perseguições e sofrimento, é possível alegrar-se! Essa alegria, diz Paulo, é no Senhor. Não se trata apenas de um sentimento, mesmo que seja importante, mas de uma confiança em Cristo que fornece o alento, a satisfação e o sentido à vida.
Ele continua dizendo que a amabilidade deles deveria ser conhecida. Traduzido também por consideração e moderação, Ralph Martin diz que “é uma disposição amável e honesta para com outras pessoas, a despeito de suas falhas”. E o saudoso Dr. Russell Shedd diz que “a palavra epieikes comunica uma atitude de consideração e grandeza de coração, capaz de perdoar e desprezar os próprios direitos justos. Contrasta-se com a brutalidade, excesso no rigor na aplicação da lei em detrimento do réu”. A palavra é usada por Paulo também em 2 Co 10.1 falando da mansidão e benignidade de Jesus Cristo.
Penso na forma como tratamos uns aos outros, mas também na forma como somos igreja no meio da sociedade onde estamos inseridos. Esse tempo de pandemia é, quem sabe, mais que em outras épocas, momentos de solidariedade e de demonstração do amor de Deus em nossas vidas. A amabilidade transpõe barreiras, cruza fronteiras, constrói pontes e aproxima as pessoas. No meio da vulnerabilidade e sofrimento de muitos ao nosso redor, temos como igreja o desafio e a oportunidade de fazer de nossas teorias realidade e ação.
A preocupação de Paulo visa também os sentimentos e os pensamentos dos crentes em Filipos. “Não andem ansiosos por coisa alguma...mas apresentem seus pedidos a Deus, em oração e súplica.” Não há dúvidas de que a ansiedade se faz presente em nossos dias de crise. Não sabemos quando a pandemia vai terminar e muito menos como será o futuro pós-pandêmico. A incerteza e a insegurança nos fazem ansiosos, mas temos um caminho possível e uma forma de lidar com isso. Em meus mais de 40 anos de ministério, não me lembro de ter visto tantos se unirem em oração. E que privilégio nós temos de ter um Deus que se importa conosco e nos escuta quando oramos!
Por fim, Paulo trata daquilo que ocupa a mente. A questão é justamente em que estavam focados. A mentalidade dos crentes iria, inclusive, definir as ações práticas do dia-a-dia, conforme o ensino que o próprio Paulo havia deixado. Se já havia muitas mensagens e atrações que desviavam a mente das pessoas na época do apóstolo, quanto mais em nossos dias.
A declaração de amor à igreja em Filipos termina nesse texto com a constatação de que a paz de Deus estará com eles. Seguindo estas recomendações o resultado seria justamente um sentimento e um descanso no “Shalom”, na paz completa de Deus.
Concluindo esta meditação, creio que é oportuno expressarmos nosso amor à nossa igreja local e à Igreja ao redor do mundo, levando em consideração essas recomendações do apóstolo Paulo aos filipenses e atuais também em nossos dias.
• Bertil Ekström é pastor batista e professor de teologia e de missiologia.
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