Opinião
- 09 de setembro de 2024
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Dê licença, vou gritar!
Será que Deus se esqueceu de ser bondoso? (Sl 77.9)
Por Délio Porto
Vez ou outra sentimos vontade de gritar, de dar um berro daqueles que até o vizinho da esquina ouviria. Aflições e problemas nos dão motivos. Gritamos quando o barco, que é a nossa vida, ameaça naufragar em águas raivosas. Assim nasce o grito na forma de oração, presente também no livro dos Salmos. O Salmo 77 apresenta um tipo de grito de aflição na forma de súplica. Logo na abertura, o salmista está a gritar de mãos erguidas. É uma alma em aflição: “Elevo a Deus a minha voz e clamo” (v. 1-2).
Ao lado do grito surgem os questionamentos. Várias perguntas retóricas dão a entender que, aparentemente, Deus se ausentou da sua vida e da vida da sua comunidade (v. 3-10).
"Será que o Senhor nos rejeitará para sempre?
Acaso, não voltará a ser propício?
Cessou perpetuamente a sua graça?
Caducou a sua promessa para todas as gerações?
Será que Deus se esqueceu de ser bondoso?
Ou será que encerrou as suas misericórdias na sua ira?"
Então eu disse: "Esta é a minha aflição:
o poder do Altíssimo não é mais o mesmo."
A aflição do salmista é crescente. Ele tem clareza sobre a própria aflição – e a expressa muito bem –, mas não enxerga um porta de saída. É deixado sem respostas.
Como mudar o foco de um coração oprimido por semelhante aflição? Como impedir que ela se transforme em puro desespero? Para sair dessa pressão, o salmista recorreu à meditação: dirigiu os pensamentos para os feitos de Deus. Recordar o que Deus realizou no passado o ajudou a superar a angústia. Quando se voltou para acontecimentos de um passado bem distante, encontrou a maravilhosa libertação dos filhos de Jacó e de José (v. 11-15). Havia algo tão seguro e forte lá que permitiu ao salmista olhar o presente com outra perspectiva. A situação do presente lhe negava uma boa expectativa e ele a buscou no passado.
E o que vem a seguir é elucidativo: sua história pessoal ganhou outra interpretação quando foi olhada a partir da história do seu povo. Ele não encontraria a verdade sobre si se mantivesse o foco apenas na aflição do tempo presente. Assim, a poesia magistral deste salmo nos conduz para o espetáculo das águas (v. 16-20). O barulho do mar, o aerossol da ondas e a forte chuva formam o cenário de uma travessia. Lembram uma espécie de batismo. A presença de Deus abre as águas e faz a tormenta recuar. Trovões e relâmpagos integram o espetáculo. O mar e a chuva – águas de baixo e águas de cima – recordam o segundo dia da criação, quando surgiu o Céu (Gn 1.6-8). E a misteriosa presença de Deus é retratada nesta bela frase poética:
“O teu caminho foi pelo mar;
as tuas veredas passaram pelas muitas águas,
mas ninguém encontrou as tuas pegadas”.
Agora entendemos o anseio do personagem que grita alto neste salmo: um resgate nas proporções de um novo êxodo.
Deixo-me levar pelo imaginário poético desste salmo, que se inicia com um grito e se encerra com a expectativa de uma travessia pelas grandes águas, sob a condução do próprio Deus. Sua poesia é surpreendente. Por ela somos lembrados que da dor nasce o grito, mas a boa expectativa eleva o ânimo.
É justo gritar. Os motivos são vários: doença grave, carestia, ausência de propósito na vida, solidão, perseguição, desejos inconfessáveis, descrença profunda, falência financeira, violência, vícios, desemprego e depressão.
Peço licença para gritar, mas não me esqueço jamais da travessia que o Senhor Jesus realizou em meu favor. Por isso sei que estou seguro e apenas sigo por esta vereda.
E há outros comigo.
Salmo 77
Consolo em tempo de angústia
Ao mestre de canto, Jedutum. Salmo de Asafe
1 Elevo a Deus a minha voz e clamo,
elevo a Deus a minha voz, para que me atenda.
2 No dia da minha angústia, procuro o Senhor;
erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam;
a minha alma não encontra consolo.
3 Lembro-me de Deus e começo a gemer;
medito, e o meu espírito desfalece.
4 Não me deixas pregar os olhos;
tão perturbado estou, que nem posso falar.
5 Penso nos dias de outrora,
trago à lembrança os anos de tempos passados.
6 De noite indago o meu íntimo,
e o meu espírito pergunta:
7 "Será que o Senhor nos rejeitará para sempre?
Acaso, não voltará a ser propício?
8 Cessou perpetuamente a sua graça?
Caducou a sua promessa para todas as gerações?
9 Será que Deus se esqueceu de ser bondoso?
Ou será que encerrou as suas misericórdias na sua ira?"
10 Então eu disse: "Esta é a minha aflição:
o poder do Altíssimo não é mais o mesmo."
11 Recordarei os feitos do Senhor;
certamente me lembrarei das tuas maravilhas da antiguidade.
12 Meditarei em todas as tuas obras
e pensarei em todos os teus feitos poderosos.
13 O teu caminho, ó Deus, é de santidade.
Que deus é tão grande como o nosso Deus?
14 Tu és o Deus que operas maravilhas e, entre os povos,
tens feito notório o teu poder.
15 Com o teu braço remiste o teu povo,
os filhos de Jacó e de José.
16 As águas te viram, ó Deus,
as águas te viram e temeram;
até os abismos se abalaram.
17 Grossas nuvens se desfizeram em água;
houve trovões nos espaços;
também as tuas setas cruzaram de uma parte para outra.
18 O estrondo do teu trovão ecoou na redondeza;
os relâmpagos iluminaram o mundo;
a terra se abalou e tremeu.
19 O teu caminho foi pelo mar;
as tuas veredas passaram pelas grandes águas,
mas ninguém encontrou as tuas pegadas.
20 O teu povo, tu o conduziste como rebanho,
pelas mãos de Moisés e de Arão.
Saiba mais:
» Ultimato para corações aflitos
» Não desperdice seu sofrimento
Por Délio Porto
Vez ou outra sentimos vontade de gritar, de dar um berro daqueles que até o vizinho da esquina ouviria. Aflições e problemas nos dão motivos. Gritamos quando o barco, que é a nossa vida, ameaça naufragar em águas raivosas. Assim nasce o grito na forma de oração, presente também no livro dos Salmos. O Salmo 77 apresenta um tipo de grito de aflição na forma de súplica. Logo na abertura, o salmista está a gritar de mãos erguidas. É uma alma em aflição: “Elevo a Deus a minha voz e clamo” (v. 1-2).
Ao lado do grito surgem os questionamentos. Várias perguntas retóricas dão a entender que, aparentemente, Deus se ausentou da sua vida e da vida da sua comunidade (v. 3-10).
"Será que o Senhor nos rejeitará para sempre?
Acaso, não voltará a ser propício?
Cessou perpetuamente a sua graça?
Caducou a sua promessa para todas as gerações?
Será que Deus se esqueceu de ser bondoso?
Ou será que encerrou as suas misericórdias na sua ira?"
Então eu disse: "Esta é a minha aflição:
o poder do Altíssimo não é mais o mesmo."
A aflição do salmista é crescente. Ele tem clareza sobre a própria aflição – e a expressa muito bem –, mas não enxerga um porta de saída. É deixado sem respostas.
Como mudar o foco de um coração oprimido por semelhante aflição? Como impedir que ela se transforme em puro desespero? Para sair dessa pressão, o salmista recorreu à meditação: dirigiu os pensamentos para os feitos de Deus. Recordar o que Deus realizou no passado o ajudou a superar a angústia. Quando se voltou para acontecimentos de um passado bem distante, encontrou a maravilhosa libertação dos filhos de Jacó e de José (v. 11-15). Havia algo tão seguro e forte lá que permitiu ao salmista olhar o presente com outra perspectiva. A situação do presente lhe negava uma boa expectativa e ele a buscou no passado.
E o que vem a seguir é elucidativo: sua história pessoal ganhou outra interpretação quando foi olhada a partir da história do seu povo. Ele não encontraria a verdade sobre si se mantivesse o foco apenas na aflição do tempo presente. Assim, a poesia magistral deste salmo nos conduz para o espetáculo das águas (v. 16-20). O barulho do mar, o aerossol da ondas e a forte chuva formam o cenário de uma travessia. Lembram uma espécie de batismo. A presença de Deus abre as águas e faz a tormenta recuar. Trovões e relâmpagos integram o espetáculo. O mar e a chuva – águas de baixo e águas de cima – recordam o segundo dia da criação, quando surgiu o Céu (Gn 1.6-8). E a misteriosa presença de Deus é retratada nesta bela frase poética:
“O teu caminho foi pelo mar;
as tuas veredas passaram pelas muitas águas,
mas ninguém encontrou as tuas pegadas”.
Agora entendemos o anseio do personagem que grita alto neste salmo: um resgate nas proporções de um novo êxodo.
Deixo-me levar pelo imaginário poético desste salmo, que se inicia com um grito e se encerra com a expectativa de uma travessia pelas grandes águas, sob a condução do próprio Deus. Sua poesia é surpreendente. Por ela somos lembrados que da dor nasce o grito, mas a boa expectativa eleva o ânimo.
É justo gritar. Os motivos são vários: doença grave, carestia, ausência de propósito na vida, solidão, perseguição, desejos inconfessáveis, descrença profunda, falência financeira, violência, vícios, desemprego e depressão.
Peço licença para gritar, mas não me esqueço jamais da travessia que o Senhor Jesus realizou em meu favor. Por isso sei que estou seguro e apenas sigo por esta vereda.
E há outros comigo.
Salmo 77
Consolo em tempo de angústia
Ao mestre de canto, Jedutum. Salmo de Asafe
1 Elevo a Deus a minha voz e clamo,
elevo a Deus a minha voz, para que me atenda.
2 No dia da minha angústia, procuro o Senhor;
erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam;
a minha alma não encontra consolo.
3 Lembro-me de Deus e começo a gemer;
medito, e o meu espírito desfalece.
4 Não me deixas pregar os olhos;
tão perturbado estou, que nem posso falar.
5 Penso nos dias de outrora,
trago à lembrança os anos de tempos passados.
6 De noite indago o meu íntimo,
e o meu espírito pergunta:
7 "Será que o Senhor nos rejeitará para sempre?
Acaso, não voltará a ser propício?
8 Cessou perpetuamente a sua graça?
Caducou a sua promessa para todas as gerações?
9 Será que Deus se esqueceu de ser bondoso?
Ou será que encerrou as suas misericórdias na sua ira?"
10 Então eu disse: "Esta é a minha aflição:
o poder do Altíssimo não é mais o mesmo."
11 Recordarei os feitos do Senhor;
certamente me lembrarei das tuas maravilhas da antiguidade.
12 Meditarei em todas as tuas obras
e pensarei em todos os teus feitos poderosos.
13 O teu caminho, ó Deus, é de santidade.
Que deus é tão grande como o nosso Deus?
14 Tu és o Deus que operas maravilhas e, entre os povos,
tens feito notório o teu poder.
15 Com o teu braço remiste o teu povo,
os filhos de Jacó e de José.
16 As águas te viram, ó Deus,
as águas te viram e temeram;
até os abismos se abalaram.
17 Grossas nuvens se desfizeram em água;
houve trovões nos espaços;
também as tuas setas cruzaram de uma parte para outra.
18 O estrondo do teu trovão ecoou na redondeza;
os relâmpagos iluminaram o mundo;
a terra se abalou e tremeu.
19 O teu caminho foi pelo mar;
as tuas veredas passaram pelas grandes águas,
mas ninguém encontrou as tuas pegadas.
20 O teu povo, tu o conduziste como rebanho,
pelas mãos de Moisés e de Arão.
- Délio Porto é engenheiro aposentado e mora em Viçosa, MG.
Saiba mais:
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