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Por Escrito

Da Páscoa ao Pentecostes

Por Elben César

A soma das estranhas e sucessivas ocorrências, todas ligadas ao Nazareno, acabou por convencer muita gente de que Jesus era o Messias que haveria de vir.

Cinqüenta dias de impacto
 
Meu nome é Nicanor, que quer dizer vitorioso, ou aquele que ganha uma esposa ou um amigo. No meu caso, ganhei tanto uma esposa (chama-se Ninfa) como um amigo. Fui eleito diácono há cerca de duas semanas. Sirvo a comunidade dos discípulos aqui em Jerusalém, onde moramos há muitos anos e onde vi as coisas mais impressionantes da minha vida. Conheci Jesus Cristo, o Nazareno, de vista, e hoje o conheço pela fé. Conheço mais agora do que antes. Ele é o tal amigo a que me referi.
 
Não sou cristão há muito tempo. Converti-me ao cristianismo no dia da cura do coxo de nascença, à porta chamada Formosa, do templo de Herodes. Fi-lo de maneira consciente e definitiva sob o impacto de uma série de ocorrências notórias e marcantes. Quando o apóstolo Pedro apresentou-nos a possibilidade de começarmos a vida nova por meio do arrependimento de nossos pecados e da conversão a Deus, a fim de que da presença do Senhor viessem tempos de refrigério, eu disse comigo mesmo: “é agora”. Eis as circunstâncias e os eventos que culminaram com a minha decisão naquela tarde no pórtico de Salomão.
 
O impacto da morte de Jesus

Embora o povo tenha pedido a Pilatos que Jesus fosse crucificado, sua morte causou em todos nós um tremendo impacto. Ele não era um joão-ninguém. Todos o conheciam, se não pessoalmente, pelo menos de vista ou de ouvir falar. Até no exterior Jesus era conhecido e alguns estrangeiros vieram a Jerusalém para se encontrar com Ele. As palavras candentes, as demonstrações inequívocas de autoridade e poder, o caráter inatacável, a dedicação extrema ao sofrimento humano, a simplicidade de sua vida — eram recentes demais para descer ao esquecimento total. A pessoa dele era de fato acentuadamente controvertida, mas isso não atenuou o choque provocado por sua morte em circunstâncias tão humilhantes e numa idade tão jovem. Os fenômenos ocorridos na tarde daquela parasceve pascal criaram uma situação de angústia. Era-nos difícil esperar a incidência do tremor de terra com a morte de Jesus. Alguns começaram a mudar de idéia a respeito dele imediatamente. Inclusive o comandante do destacamento militar que crucificou a Jesus. Na verdade, ninguém estava seguro de que não se havia cometido um crime. Sobre muitos pairava um misto de melancolia e remorso.
 
O impacto do suicídio de Judas

A notícia do suicídio de Judas chegou rapidamente ao conhecimento de todos os habitantes de Jerusalém. Eu vi o corpo arrebentado e os intestinos derramados. Paralelamente correu o rumor de que ele era discípulo de Jesus e o havia traído por trinta moedas de prata, pagas pelos principais sacerdotes. Se Judas tivesse agido acertadamente, em nome da ortodoxia e a bem do povo, ele não cairia nas malhas do remorso nem no abismo do desespero. Além do mais, ficavam a descoberto a cumplicidade e o mau caráter do clero. A morte de Judas transformou a marcha e a interpretação dos eventos. Pelo menos para mim.


O impacto da ressurreição de Jesus

Três dias depois da morte de Jesus, no primeiro dia da semana, espalhava-se em Jerusalém a estranha notícia de que Ele havia ressuscitado de entre os mortos. As primeiras informações não eram muito precisas. Antes que a população da cidade se deixasse levar por aquela notícia, circulou uma outra, esta oficial, negando terminantemente a ressurreição e explicando que os discípulos de Jesus haviam roubado o corpo na noite de sábado para domingo. Embora ainda alimentasse alguma dúvida, fiquei profundamente abalado com o acontecimento. Se fosse verdade, pensei comigo, eu precisaria tomar algumas decisões bastante sérias. Afinal, ninguém procurou encontrar o corpo de Jesus — e se o procurou, não o encontrou. Na minha opinião, o poder civil ou o clero deveria buscá-lo até encontrar para desmascarar publicamente os que diziam ter visto o Senhor ressuscitado. Depois, entendi que os sacerdotes e os soldados não perderiam tempo com isso, porque a notícia do roubo do corpo era falsa e havia sido fabricada por eles.
 
O impacto da ascensão de Jesus

Segundo informações colhidas em Jerusalém, Jesus apareceu de muitas maneiras a seus discípulos durante quarenta dias. Ele falava sempre sobre o reino de Deus, não no aspecto político, mas no sentido espiritual. Disseram-me com certeza que, certo dia, o mesmo Jesus foi elevado às alturas, à vista de várias pessoas. Uma nuvem o encobriu e Ele desapareceu para sempre. Então dois homens vestidos de branco se puseram ao lado deles e explicaram que aquela cena não era o fim de tudo, pois Jesus voltaria do mesmo modo como o viram subir. Pouco antes de ser assunto aos céus, Jesus deu ordem expressa para que os apóstolos não se retirassem de Jerusalém, mas esperassem lá o derramamento do Espírito Santo. Ele deixou bem claro que este batismo especial, de fogo, seria de suma importância para eles. Significaria a concessão de poder para selar o testemunho que haveriam de dar ao mundo inteiro, tanto em Jerusalém, como em toda a região da Judéia e Samaria, e até nos lugares mais distantes da terra.
 
O impacto do Pentecostes

No 50º dia depois da Páscoa, na festa de Pentecostes, aconteceu algo em Jerusalém que causou forte impacto sobre nós. Algo que parecia ligar todos os fatos até então ocorridos. Os discípulos de Jesus achavam-se reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como de um vento impetuoso e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo. Fomos atraídos ao local por causa do som e ficamos perplexos, porque os estrangeiros residentes em Jerusalém os ouviam falar as grandezas de Deus na sua própria língua. Alguns, zombando, diziam que aqueles homens estavam embriagados, hipótese que se mostrou sem valor, pois ainda era cedo, cerca de 9 horas da manhã. Pedro tomou a palavra e juntou os últimos acontecimentos, mostrando que Jesus havia sido entregue a eles para ser crucificado pelo determinado desígnio e presciência de Deus, ressuscitou porque não era possível que Ele fosse retido pela morte, foi exaltado à destra de Deus e recebeu do Pai a promessa do Espírito Santo para derramar sobre seus servos.
 
A soma das estranhas e sucessivas ocorrências, todas ligadas ao Nazareno, acabou por convencer muita gente de que Jesus era o Messias que haveria de vir. Naquele dia o número de cristãos multiplicou 25 vezes. Houve uma acréscimo de quase 3 mil pessoas. Não me deixei incluir neste número. Os fatos haviam se aclarado suficientemente para mim e me rendi à evidência. Porém, entre a aceitação intelectual de um fato e a rendição da vida à soberania de Jesus, há uma distância a percorrer. Cansado de minha inércia e revoltado com minha falta de coragem, só me identifiquei plenamente com meu adorável Amigo e com os irmãos no dia que o coxo de nascença foi curado. Aquele homem de 40 anos era meu irmão…
 
(Embora valendo-se de dados históricos verdadeiros, este texto é pura ficção.)
 
Texto originalmente publicado na edição 263 de Ultimato.

>> Conheça o livro Os Últimos Dias de Jesus, de N. T. Wright e Craig A. Evans

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Elben Magalhães Lenz César foi o fundador da Editora Ultimato e redator da revista Ultimato até a sua morte, em outubro de 2016. Fundador do Centro Evangélico de Missões e pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Viçosa (IPV), é autor de, entre outros, Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero?, Refeições Diárias com Jesus, Mochila nas Costas e Diário na Mão, Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Conversas com Lutero, Refeições Diárias com os Profetas Menores, A Pessoa Mais Importante do Mundo, História da Evangelização do Brasil e Práticas Devocionais. Foi casado por sessenta anos com Djanira Momesso César, com quem teve cinco filhas, dez netos e quatro bisnetos.
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