Opinião
- 21 de dezembro de 2016
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Da missão transcultural à missão integral
Ainda que a expressão “missão integral” tenha ficado na moda, a aproximação à missão que ela representa não é recente. Com efeito, a prática da missão integral remonta a Jesus Cristo e à igreja do primeiro século. Em contraste com a missão integral, a aproximação missionária tradicional, amplamente conhecida como “missão transcultural”, tomou forma no movimento missionário moderno especialmente a partir de fins do século 18, em grande medida pelo trabalho de muitos missionários tradicionais para quem a missão da igreja se reduzia à missão transcultural. Hoje a igreja é um movimento de alcance mundial, com congregações em praticamente todas as nações da terra. A Deus seja a glória! Por outro lado, também temos que reconhecer que a identificação da missão da igreja com a missão transcultural deu lugar pelo menos a três dicotomias que a afetaram negativamente.
Em primeiro lugar, a dicotomia entre “igrejas que enviam missionários” -- em sua maioria situadas em países da Europa, nos Estados Unidos, na Austrália ou na Nova Zelândia – “e igrejas que recebem missionários” -- quase exclusivamente na Ásia, África e América Latina --, embora isto esteja mudando graças ao crescente número de missionários transculturais enviados de fora do Ocidente.
Em segundo lugar, a dicotomia entre “o lar” -- “home”--, localizado em algum país do “mundo ocidental e cristão”, e “o campo missionário” -- “mission field” --, localizado em algum país pagão. Não surpreende que a maioria dos “missionários de carreira”, depois de muitos anos de serviço, opte por se aposentar em sua terra natal.
Em terceiro lugar, a dicotomia entre “a vida e a missão da igreja”. Se para que a igreja fosse “missionária” bastasse enviar e apoiar alguns de seus membros a fim de se ocuparem da missão, seria possível haver igrejas cuja vida não tivesse nenhum impacto significativo na vizinhança circundante: a vida se desenvolveria na situação local -- “at home” -- e a missão, em outro lugar, preferentemente no exterior -- “the mission field”.
Todas essas dicotomias se desprendiam da redução da missão a um esforço missionário transcultural. E como consequência delas, a missão consistia primordialmente na tarefa de evangelização que os missionários enviados de países cristãos aos campos missionários do mundo levavam a cabo, com o qual cumpriam representativa ou vicariamente -- por assim dizer -- a tarefa missionária de toda a igreja.
A partir da perspectiva da missão integral, a missão transcultural não chega nem perto de esgotar o sentido da missão da igreja. A missão pode ou não envolver um cruzamento de fronteiras geográficas, mas em todo caso tem a ver primordialmente com um cruzamento da fronteira entre a fé e a não fé, seja na terra natal -- “at home” -- ou no exterior -- “mission field” --, em função do testemunho acerca de Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação. Cada geração de cristãos em todo lugar recebe o poder do Espírito que torna possível o testemunho do evangelho “tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8). Em outras palavras, cada igreja, seja qual for a sua localização, é chamada a participar na missão de Deus -- uma missão que tem um alcance local, um alcance regional e um alcance mundial --, começando em sua própria “Jerusalém”. Para cruzar a fronteira entre a fé e a não fé não é indispensável cruzar fronteiras geográficas; o fator geográfico é secundário. O compromisso com a missão está na própria essência de ser igreja. Consequentemente, a igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus Cristo, e assim cruzar a fronteira entre a fé e a não fé, deixa de ser igreja e se converte em um clube religioso, um mero grupo de amigos ou uma agência de bem-estar social.
Traduzido por Wagner Guimarães.
Nota: Texto publicado originalmente na edição 363 da revista Ultimato.
• C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de Missão Integral -- O reino de Deus e a igreja. Acompanhe seu blog pessoal: kairos.org.ar/blog.
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Em segundo lugar, a dicotomia entre “o lar” -- “home”--, localizado em algum país do “mundo ocidental e cristão”, e “o campo missionário” -- “mission field” --, localizado em algum país pagão. Não surpreende que a maioria dos “missionários de carreira”, depois de muitos anos de serviço, opte por se aposentar em sua terra natal.
Em terceiro lugar, a dicotomia entre “a vida e a missão da igreja”. Se para que a igreja fosse “missionária” bastasse enviar e apoiar alguns de seus membros a fim de se ocuparem da missão, seria possível haver igrejas cuja vida não tivesse nenhum impacto significativo na vizinhança circundante: a vida se desenvolveria na situação local -- “at home” -- e a missão, em outro lugar, preferentemente no exterior -- “the mission field”.
Todas essas dicotomias se desprendiam da redução da missão a um esforço missionário transcultural. E como consequência delas, a missão consistia primordialmente na tarefa de evangelização que os missionários enviados de países cristãos aos campos missionários do mundo levavam a cabo, com o qual cumpriam representativa ou vicariamente -- por assim dizer -- a tarefa missionária de toda a igreja.
A partir da perspectiva da missão integral, a missão transcultural não chega nem perto de esgotar o sentido da missão da igreja. A missão pode ou não envolver um cruzamento de fronteiras geográficas, mas em todo caso tem a ver primordialmente com um cruzamento da fronteira entre a fé e a não fé, seja na terra natal -- “at home” -- ou no exterior -- “mission field” --, em função do testemunho acerca de Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação. Cada geração de cristãos em todo lugar recebe o poder do Espírito que torna possível o testemunho do evangelho “tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8). Em outras palavras, cada igreja, seja qual for a sua localização, é chamada a participar na missão de Deus -- uma missão que tem um alcance local, um alcance regional e um alcance mundial --, começando em sua própria “Jerusalém”. Para cruzar a fronteira entre a fé e a não fé não é indispensável cruzar fronteiras geográficas; o fator geográfico é secundário. O compromisso com a missão está na própria essência de ser igreja. Consequentemente, a igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus Cristo, e assim cruzar a fronteira entre a fé e a não fé, deixa de ser igreja e se converte em um clube religioso, um mero grupo de amigos ou uma agência de bem-estar social.
Traduzido por Wagner Guimarães.
Nota: Texto publicado originalmente na edição 363 da revista Ultimato.
• C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de Missão Integral -- O reino de Deus e a igreja. Acompanhe seu blog pessoal: kairos.org.ar/blog.
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A Mensagem da Missão
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A Missão Invertida
É fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? e colunista da revista Ultimato.
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