Opinião
- 06 de fevereiro de 2009
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Curtindo Beatles com Jesus -- Deus não é gospel
Rodrigo de Lima Ferreira
Converti-me há 21 anos, em 4 de fevereiro de 1988. A conversão a Cristo promoveu uma verdadeira revolução em minha vida. Experimentei o que significa o amor de Deus. Experimentei, também, o que significa sofrer por causa dessa nova fé. Chacotas, zombarias, humilhações — tudo por causa daquele em quem comecei a crer.
No entanto, aprendi também a criar uma “carapaça” ao meu redor. Vi que talvez fosse melhor me proteger dos temidos ataques do mundo vivendo atrás de um “muro de Berlim” cultural, onde somente aquilo que fosse “religiosamente aceitável” seria admitido. O mais interessante é que esse muro era seletivo. Barrava apenas música e literatura, com exceção da literatura escolar, que era obrigatória. Enfim, aprendi a filtrar aquilo que vinha a mim de acordo com padrões pré-estabelecidos por um ethos social vigente.
Aos poucos, vi essa carapaça contrair trincados e rachaduras. Por meio do pastorado, tive contato com várias realidades no Brasil e fora dele. Em algumas, vi que pessoas que criaram uma carapaça ainda mais grossa do que a minha eram extremamente religiosas, mas que não experimentavam o frescor da graça do crucificado. Em vez disso, exalavam o bolor fétido da religiosidade morta e carcomida dos fariseus contemporâneos de Jesus. Eram capazes de recusar a audição de alguma peça musical devido à sua origem “profana”, mas também se recusavam a viver uma vida de amor cristão, preferindo substituí-la com regrinhas autoglorificantes. E isso tudo em nome de um Deus a quem conheciam só de ouvir falar.
Tive também a oportunidade de conhecer irmãos de outros países que agiam de modo diverso do meu. E vi que, mesmo na diferença cultural, aqueles eram irmãos de valor, com o coração no reino, muito mais até do que eu, com todo o meu escudo confessional.
Nessa minha queda-de-braço cultural com Deus, compreendi melhor o que Paulo quis deixar registrado em Cl 2.20-23: “Se morrestes com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies (as quais coisas todas hão de perecer pelo uso), segundo os preceitos e doutrinas dos homens? As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria em culto voluntário, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas não têm valor algum no combate contra a satisfação da carne”.
Finalmente, vi que estava querendo ser melhor e mais santo que o Senhor. Nessa minha paranoia ególatra, fechei os olhos para a realidade de que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1.17), incluindo, aí, as boas dádivas culturais.
“Diga-me de verdade, diga-me porque Jesus foi crucificado / Foi por isso que papai morreu? / Foi por você? Foi por mim? / Será que assisto muita TV? / Isto é uma ponta de acusação em seus olhos?” Esses não são versos de protesto de alguma banda cristã que questiona a banalidade gospel de hoje em dia. São os versos iniciais da música “The post war dream”, do Pink Floyd. Vejo hoje, portanto, que Deus está muito além de nossas limitações culturais. Ele pode usar, caso queira, uma peça teatral, um texto de jornal, uma música para sua glória, independente da confessionalidade. Sua soberania nos mostra que Deus não é gospel. Sua graça nos permite ver a sua beleza por meio da beleza artística, seja ela evangélica ou não.
Enfim, a graça de Deus me mostra, entre outras coisas, que posso curtir boa música, independentemente do rótulo, com o Senhor.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO.
Converti-me há 21 anos, em 4 de fevereiro de 1988. A conversão a Cristo promoveu uma verdadeira revolução em minha vida. Experimentei o que significa o amor de Deus. Experimentei, também, o que significa sofrer por causa dessa nova fé. Chacotas, zombarias, humilhações — tudo por causa daquele em quem comecei a crer.
No entanto, aprendi também a criar uma “carapaça” ao meu redor. Vi que talvez fosse melhor me proteger dos temidos ataques do mundo vivendo atrás de um “muro de Berlim” cultural, onde somente aquilo que fosse “religiosamente aceitável” seria admitido. O mais interessante é que esse muro era seletivo. Barrava apenas música e literatura, com exceção da literatura escolar, que era obrigatória. Enfim, aprendi a filtrar aquilo que vinha a mim de acordo com padrões pré-estabelecidos por um ethos social vigente.
Aos poucos, vi essa carapaça contrair trincados e rachaduras. Por meio do pastorado, tive contato com várias realidades no Brasil e fora dele. Em algumas, vi que pessoas que criaram uma carapaça ainda mais grossa do que a minha eram extremamente religiosas, mas que não experimentavam o frescor da graça do crucificado. Em vez disso, exalavam o bolor fétido da religiosidade morta e carcomida dos fariseus contemporâneos de Jesus. Eram capazes de recusar a audição de alguma peça musical devido à sua origem “profana”, mas também se recusavam a viver uma vida de amor cristão, preferindo substituí-la com regrinhas autoglorificantes. E isso tudo em nome de um Deus a quem conheciam só de ouvir falar.
Tive também a oportunidade de conhecer irmãos de outros países que agiam de modo diverso do meu. E vi que, mesmo na diferença cultural, aqueles eram irmãos de valor, com o coração no reino, muito mais até do que eu, com todo o meu escudo confessional.
Nessa minha queda-de-braço cultural com Deus, compreendi melhor o que Paulo quis deixar registrado em Cl 2.20-23: “Se morrestes com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies (as quais coisas todas hão de perecer pelo uso), segundo os preceitos e doutrinas dos homens? As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria em culto voluntário, humildade fingida, e severidade para com o corpo, mas não têm valor algum no combate contra a satisfação da carne”.
Finalmente, vi que estava querendo ser melhor e mais santo que o Senhor. Nessa minha paranoia ególatra, fechei os olhos para a realidade de que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1.17), incluindo, aí, as boas dádivas culturais.
“Diga-me de verdade, diga-me porque Jesus foi crucificado / Foi por isso que papai morreu? / Foi por você? Foi por mim? / Será que assisto muita TV? / Isto é uma ponta de acusação em seus olhos?” Esses não são versos de protesto de alguma banda cristã que questiona a banalidade gospel de hoje em dia. São os versos iniciais da música “The post war dream”, do Pink Floyd. Vejo hoje, portanto, que Deus está muito além de nossas limitações culturais. Ele pode usar, caso queira, uma peça teatral, um texto de jornal, uma música para sua glória, independente da confessionalidade. Sua soberania nos mostra que Deus não é gospel. Sua graça nos permite ver a sua beleza por meio da beleza artística, seja ela evangélica ou não.
Enfim, a graça de Deus me mostra, entre outras coisas, que posso curtir boa música, independentemente do rótulo, com o Senhor.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO.
Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks).
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