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Crucificar os crucifixos: a caça à simbologia cristã na Europa

(Folha Ilustrada) Será que os cristãos têm direito a usar crucifixos ao pescoço? Depende. Se o símbolo religioso é usado em países como o Sudão ou a Nigéria, eu não aconselho tamanha insensatez: exibições blasfemas desse tipo podem significar uma condenação à morte.
 
Mas que dizer da decisão do governo inglês que, confrontado com um caso judicial, se prepara para considerar o uso de um crucifixo no trabalho como causa justa para despedimento?
 
Os pormenores vêm na última edição do "Sunday Telegraph" e reportam-se aos casos de Nadia Eweida, funcionária da British Airways, e Shirley Chaplin, enfermeira. Ambas foram suspensas por se recusarem a remover os crucifixos enquanto trabalhavam. A sra. Chaplin acabou mesmo demitida.

Agora, o governo de David Cameron prepara-se para apoiar a decisão das entidades empregadoras junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, votando a favor da proibição do uso de crucifixos. A Igreja Anglicana já protestou: a atitude do governo é um ataque à fé cristã e uma tentativa de remeter a religião para as margens da sociedade contemporânea.

Com a devia vénia aos reverendíssimos prelados, discordo. A decisão não é um ataque à religião. É pior: um ataque à liberdade individual de manifestarmos crenças ou valores em público sem temermos represálias por isso.

Essa, aliás, era a grande superioridade do Ocidente sobre o resto, a começar pelo Islã: se os outros persistem em punir com severidade qualquer desvio à fé oficial, o Ocidente, depois de séculos de conflitos sangrentos, entendeu as vantagens de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César.

Isso não significa, ao contrário do que pensam os fanáticos do secularismo, que o espaço público deva ser limpo de qualquer exibição de religiosidade. Significa que, precisamente por habitarmos estados seculares, todas as exibições de religiosidade são legítimas.

Se o Ocidente começa a destruir esse património civilizacional em nome de um multiculturalismo analfabeto e demente, desconfio que nem um milagre do Altíssimo nos poderá salvar da intolerância e da decadência.

Da coluna de João Pereira Coutinho, escritor português, doutor em Ciência Política e colunista da "Ilustrada" às terças-feiras

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