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Opinião

Coringa – retrato de uma sociedade sem esperança

Por Carlos Caldas

Coringa (2019) do diretor Todd Philips é um dos filmes mais comentados e polêmicos do ano. Não será surpresa se receber indicações para o Oscar em diferentes categorias, incluindo as principais, como melhor filme, melhor diretor e, a praticamente certa, de melhor ator, por conta da atuação simplesmente impressionante de Joaquin Phoenix, um dos atores mais competentes e habilidosos de sua geração, quiçá o melhor de todos. Será uma injustiça imensa se Phoenix não levar a estatueta de melhor ator ano que vem. 

O filme é um “coice de mula”: assistir a ele é uma experiência angustiante. Enquanto o via, torcia para que acabasse depressa, pois me senti aflito, engasgado, como se algo ou alguém estivesse apertando meu pescoço. Poucos foram os filmes que assisti que me fizeram sentir assim. Depois de assistir a ele, não sabia se tinha ou não gostado. Saí confuso do cinema: por um lado, sabia que o filme é uma obra de arte, mas ao mesmo tempo, estava muito incomodado. Detalhe: deliberadamente fui ao cinema sem ter lido qualquer crítica ou análise do filme. Queria ter minhas próprias impressões. Só depois fui procurar algumas críticas, e me deparei com algo, no mínimo, desconcertante: tentativas de análise do filme a partir de uma perspectiva política. Para alguns, o filme mostra o que acontece em uma sociedade dominada por princípios da esquerda. Para outros, o filme desagrada a esquerda. Penso que ambas são análises superficiais e falhas, enviesadas. Quem propôs cada uma destas análises falou não do filme em si, mas do que já pensava antes de assistir a ele. “A boca fala do que está cheio o coração.” 
 
Alguns dias depois, comecei a me dar conta dos motivos que me levaram a sofrer tanto desconforto: a narrativa de Philips não tem beleza, nem luz, nem bondade, nem heroísmo e nem redenção. Ninguém tem virtudes. Ninguém faz o bem. O filme apresenta a narrativa de origem de Arthur Fleck, que se tornará o Coringa, arquiinimigo do Batman, um dos vilões mais icônicos de todos os tempos. Talvez o Coringa seja o vilão mais popular da cultura pop. A narrativa de Philips é uma releitura e uma recriação do Coringa. Nos quadrinhos, salvo melhor juízo, em nenhum momento é revelado o nome do homem por trás da maquiagem de palhaço. Nos cinemas, o Coringa é Jack Napier, no filme de Tim Burton, de 1989, e agora, Arthur Fleck, no filme de Philips. Mas a origem contada por Philips é diferente da apresentada nos quadrinhos. Nos quadrinhos, um comediante fracassado cai em um barril de produtos químicos, o que o deixará permanentemente perturbado e com um sorriso fixo para sempre em seu rosto. Esta característica física do Coringa é baseada em O homem que ri, romance trágico de Victor Hugo, publicado em 1869, que conta a história de um garoto que sofre uma mutilação no rosto, feita por traficantes de crianças, que o deixa com um sorriso permanente no rosto, para assim transformá-lo em uma atração em shows. O Coringa da DC foi criado em 1940, e até hoje há controvérsias e histórias divergentes sobre como exatamente e por quem o “Palhaço do crime” foi criado. 
 
Voltando ao filme de Todd Philips: o filme não tem nenhuma ligação com o universo cinematográfico da DC. A narrativa fílmica de Philips apresenta a história de Arthur Fleck como uma jornada em espiral descendente, na qual, tal como no Inferno de Dante, a cada volta se está mais baixo que na volta anterior. Fleck é um sujeito pobre de meia idade que mora com a mãe idosa, de quem cuida com carinho e desvelo. Quer ser comediante, mas é muito sem graça, suas piadas são sempre muito fracas. Desde o início do filme fica claro que ele tem sérios transtornos psiquiátricos. Em uma cena que o mostra conversando com uma funcionária de uma agência de saúde pública, ele pede que seja aumentada sua dose de medicações das quais faz uso constante. No Brasil estes remédios seriam “tarja preta”. Mas a funcionária lhe diz: “Arthur, você já toma sete remédios”. Quando está triste, ou nervoso, ou confuso ou quando se sente ameaçado, Arthur solta uma gargalhada estranha e estridente, absolutamente incompatível com o momento que está vivendo. Ele anda com um cartão que explica sua condição clínica, e tem que entregá-lo para as pessoas que invariavelmente vão se assustar com a cena. Arthur não tem amigos, apenas alguns colegas de uma espécie de agência de palhaços de rua, e está prestes a perder seu emprego. Solteirão, imagina um romance com uma vizinha. Todas as noites ele assiste com sua mãe um talk show que tem como apresentador Murray Franklin (interpretado por Robert De Niro), e Arthur imagina que um dia vai participar do show e ser tratado de maneira respeitosa e carinhosa por Murray, a quem ele e sua mãe tanto admiram. Mais tarde será revelado que a mãe de Arthur também tem problemas psiquiátricos sérios: ela acredita piamente que o pai de Arthur é Thomas Wayne, pai de Bruce, que mais tarde será o Batman. De fato, o filme deixa em aberto se Thomas Wayne é ou não o pai de Arthur Fleck. 
 
Para piorar tudo ainda mais, Arthur se tornou vítima de violências gratuitas na cidade grande – a Gotham City, a famosa cidade imaginária da DC que é nitidamente calcada em Nova York. A partir daí ele em segundos vai da defesa própria ao assassinato a sangue frio, e inicia uma sequência de atos de maldade explícita. Neste sentido, a narrativa de Philips segue os quadrinhos, onde o Coringa é a personificação da perversidade. Quando Fleck assume a identidade e a personalidade do Coringa ele se torna uma espécie de símbolo e de fonte de inspiração na cidade. Pessoas colocam máscaras de palhaço e saem fazendo arruaça e quebra-quebra pelas ruas de Gotham. 
 
O filme desperta uma simpatia por pessoas que sofrem transtornos mentais. Mas isso não pode servir de escusa e nem deve ser uma romantização da condição de ser portador de transtorno psiquiátrico. Arthur Fleck sofre muito, mas é um poço de autocomiseração e de vitimismo. Nada no mundo justifica a violência desenfreada que ele comete. 
 
Voltando a algo afirmado no início deste pequenino texto: o filme de Philips é o retrato terrível de uma sociedade niilista, onde não há sentido para a vida. É uma história de uma sociedade sem esperança e sem redenção. Não há luz no fim do túnel. A Gotham City do filme faz lembrar o Malebolge, o oitavo círculo do Inferno de Dante, um lugar onde o mal impera absoluto. Quando me dei conta disso é que entendi porque me senti tão mal enquanto assistia ao filme. Toda história tem que ter um relato de redenção, um turning point, isto é, uma “virada” no enredo em que a redenção acontece. Em Coringa, Todd Philips nos conta uma história em que isso não acontece. 

É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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