Opinião
- 15 de setembro de 2009
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Confissões de um pós-moderno
Sebastião Pereira Ferreira Júnior
Quero me apresentar. Sou um ser complexo, no sentido mais inexplicável do termo. Confesso, não com a consciência madura do profeta Isaías (quando disse que “era homem impuro habitando no meio de um povo impuro”), mas de maneira confusa e com um “quê” de incógnita, que sou um ser pós-moderno inserido numa sociedade também pós-moderna.
Sou um ser “incógnito” respirando o “incognitivo” de uma sociedade alienada. Confesso desde já que não consigo definir direito quem (ou o quê) realmente sou nessa “nova era”, mas consigo, ainda que ofuscado pela própria alienação, perceber alguns sintomas desse ser pós-moderno.
Confesso que sintomatizo um ser individualista – no sentido mais egoísta do termo. Sou autocentrado, um ser “umbilicocêntrico” (Valdir Steuernagel me definiria assim) que se realiza a partir de sua própria satisfação. Por esta razão, sou privativo e “encapsulado”. Me fechei numa profunda e intencional reclusão a tudo o que não produz bem-estar individual.
Sintomatizo um ser narcisista. Descobri que, assim como a Terra precisa girar em torno do Sol, o mundo precisa girar em torno de meus caprichos e vontades narcisistas (senão não brinco mais...).
Meu narcisismo insaciável me transformou num ser materialista. Preciso ter, e quero ter, em detrimento do ser. A conceituação shakespeareana do “ser ou não ser” não tem mais conotação considerável no mundo pós-moderno.
Sintomatizo um ser imediatista, num “fast food” existencial. Confesso que não tenho mais paciência para esperar. O vocabulário da espera caducou. Aliás, muita coisa perdeu significado neste ambiente pós-moderno; “morreu de velho”.
Como que num “mc-donaldismo” experiencial, respondo afirmativamente à tentação já feita no passado pela transformação imediata da pedra em pão. Nessa complexidade toda, o que se estabelece é um sentimento paradoxal de desejo maior e repulsa a essa nova ordem das coisas...
No aspecto relacional, reconheço que vivo uma constante crise afetiva. Na tentativa de sobrevivência construí meus relacionamentos tendo como base a superficialidade. A descartabilidade passou a ser o crivo de toda relação. Não posso aprofundar meus contatos pessoais, sob o risco de mudar o foco do meu narcisismo para o outro – e eu preciso dos holofotes.
Decidi então ser virtual. Alimento o monstrinho do ego “multifacetando” minha existência, à medida em que a conveniência do contato com o outro virtual seja necessária. Dizem que perdi o contato com a realidade.
No aspecto religioso sintomatizo um ser crédulo, influenciado pela diversidade de produtos da prateleira. Algumas vezes percebo Deus como um supermercado, numa relação comercial de troca e retribuição. Chego até a ensaiar alguns jargões – brindes do produto – determinando e oferecendo “propina dizimal” para que a troca se estabeleça e assim supra minha carência. Outras vezes tento materializá-lo, como força cósmica, em objetos inanimados – cristais e pedrinhas, numa sensação de poder e controle.
Sintomatizo um misticismo que alguns chamam de pagão. Na verdade o que faço é pular do alto da torre (um pináculo moderno) todas as vezes que posso, para mover céus e terra em prol da minha loucura.
Sinto que compactuo com a contemporaneidade de uma geração pós-Deus, para a qual ele se tornou irrelevante. Uma geração secularizada que aboliu de seu meio todo “axioma”, relativizando tudo o que era absoluto. Não temos mais verdade absoluta, mas definimos, num pragmatismo talvez inconsequente, nossas verdades – é o “cada um na sua com aquilo que convém em comum” (Rubem Amorese chama isto de teologia do sabonete).
Confesso que algumas vezes, diante deste quadro de existência como ser pós-moderno, há uma certa angústia, com a sensação de pertencimento forçado a uma rede de corrupção existencial. Surgem então alguns lampejos de retorno à sensatez, me levando à busca de vida alternativa.
Saio, quase que num desespero insano, à procura de algum lugar que me proporcione essa alternativa, mas me aproximo e percebo que o lugar foi preparado para me entreter e causar bem-estar – um tipo de massagem no meu narcisismo. Então, mesmo sem a resposta alternativa, passo a frequentar este centro de entretenimento religioso.
Percebo também que este lugar se especializou em eventos, não se importando tanto com a transformação e a formação alternativa de narcisistas como eu. Decido então estabelecer vínculo com este “novo ambiente”, já que posso permanecer, sem ameaças, na vivência de minha confusa e complexa existência como “ser pós-moderno”.
• Sebastião Pereira Ferreira Júnior é Bacharel em Teologia pela Faculdade Latino Americana de Teologia Integral (FLAM - Arujá/SP), casado com a professora Márcia e pai de Samuel e Isabela. Pastor presbiteriano até 2006, atualmente auxilia voluntariamente a Igreja Presbiteriana de Campo Largo/PR.
Quero me apresentar. Sou um ser complexo, no sentido mais inexplicável do termo. Confesso, não com a consciência madura do profeta Isaías (quando disse que “era homem impuro habitando no meio de um povo impuro”), mas de maneira confusa e com um “quê” de incógnita, que sou um ser pós-moderno inserido numa sociedade também pós-moderna.
Sou um ser “incógnito” respirando o “incognitivo” de uma sociedade alienada. Confesso desde já que não consigo definir direito quem (ou o quê) realmente sou nessa “nova era”, mas consigo, ainda que ofuscado pela própria alienação, perceber alguns sintomas desse ser pós-moderno.
Confesso que sintomatizo um ser individualista – no sentido mais egoísta do termo. Sou autocentrado, um ser “umbilicocêntrico” (Valdir Steuernagel me definiria assim) que se realiza a partir de sua própria satisfação. Por esta razão, sou privativo e “encapsulado”. Me fechei numa profunda e intencional reclusão a tudo o que não produz bem-estar individual.
Sintomatizo um ser narcisista. Descobri que, assim como a Terra precisa girar em torno do Sol, o mundo precisa girar em torno de meus caprichos e vontades narcisistas (senão não brinco mais...).
Meu narcisismo insaciável me transformou num ser materialista. Preciso ter, e quero ter, em detrimento do ser. A conceituação shakespeareana do “ser ou não ser” não tem mais conotação considerável no mundo pós-moderno.
Sintomatizo um ser imediatista, num “fast food” existencial. Confesso que não tenho mais paciência para esperar. O vocabulário da espera caducou. Aliás, muita coisa perdeu significado neste ambiente pós-moderno; “morreu de velho”.
Como que num “mc-donaldismo” experiencial, respondo afirmativamente à tentação já feita no passado pela transformação imediata da pedra em pão. Nessa complexidade toda, o que se estabelece é um sentimento paradoxal de desejo maior e repulsa a essa nova ordem das coisas...
No aspecto relacional, reconheço que vivo uma constante crise afetiva. Na tentativa de sobrevivência construí meus relacionamentos tendo como base a superficialidade. A descartabilidade passou a ser o crivo de toda relação. Não posso aprofundar meus contatos pessoais, sob o risco de mudar o foco do meu narcisismo para o outro – e eu preciso dos holofotes.
Decidi então ser virtual. Alimento o monstrinho do ego “multifacetando” minha existência, à medida em que a conveniência do contato com o outro virtual seja necessária. Dizem que perdi o contato com a realidade.
No aspecto religioso sintomatizo um ser crédulo, influenciado pela diversidade de produtos da prateleira. Algumas vezes percebo Deus como um supermercado, numa relação comercial de troca e retribuição. Chego até a ensaiar alguns jargões – brindes do produto – determinando e oferecendo “propina dizimal” para que a troca se estabeleça e assim supra minha carência. Outras vezes tento materializá-lo, como força cósmica, em objetos inanimados – cristais e pedrinhas, numa sensação de poder e controle.
Sintomatizo um misticismo que alguns chamam de pagão. Na verdade o que faço é pular do alto da torre (um pináculo moderno) todas as vezes que posso, para mover céus e terra em prol da minha loucura.
Sinto que compactuo com a contemporaneidade de uma geração pós-Deus, para a qual ele se tornou irrelevante. Uma geração secularizada que aboliu de seu meio todo “axioma”, relativizando tudo o que era absoluto. Não temos mais verdade absoluta, mas definimos, num pragmatismo talvez inconsequente, nossas verdades – é o “cada um na sua com aquilo que convém em comum” (Rubem Amorese chama isto de teologia do sabonete).
Confesso que algumas vezes, diante deste quadro de existência como ser pós-moderno, há uma certa angústia, com a sensação de pertencimento forçado a uma rede de corrupção existencial. Surgem então alguns lampejos de retorno à sensatez, me levando à busca de vida alternativa.
Saio, quase que num desespero insano, à procura de algum lugar que me proporcione essa alternativa, mas me aproximo e percebo que o lugar foi preparado para me entreter e causar bem-estar – um tipo de massagem no meu narcisismo. Então, mesmo sem a resposta alternativa, passo a frequentar este centro de entretenimento religioso.
Percebo também que este lugar se especializou em eventos, não se importando tanto com a transformação e a formação alternativa de narcisistas como eu. Decido então estabelecer vínculo com este “novo ambiente”, já que posso permanecer, sem ameaças, na vivência de minha confusa e complexa existência como “ser pós-moderno”.
• Sebastião Pereira Ferreira Júnior é Bacharel em Teologia pela Faculdade Latino Americana de Teologia Integral (FLAM - Arujá/SP), casado com a professora Márcia e pai de Samuel e Isabela. Pastor presbiteriano até 2006, atualmente auxilia voluntariamente a Igreja Presbiteriana de Campo Largo/PR.
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