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- 20 de março de 2015
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Como nossos pais?
A propósito do Dia Mundial da Água neste domingo (dia 22/03), o Portal Ultimato disponibiliza a seguir o artigo “Como nossos pais?”, que marca a volta de Marina Silva no quadro de colunistas da revista com uma nova seção chamada “Brasil”. Com seu olhar privilegiado, Marina fará retratos deste imenso país valorizando a fé cristã em suas muitas expressões por aqui espalhadas e chamando os leitores a olharem para o Brasil.
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Como nossos pais?
Fui novamente convidada por esta revista, que está com novo projeto gráfico, a assinar uma coluna. É uma honra fazer parte desse momento de renovação. Os recomeços estão na essência do perdão que resgata, da salvação que redime, são o modelo de ciclo de vida que Deus nos dá para sermos melhores filhos.
A proposta é olhar para o Brasil, para as diferentes tessituras de seu corpo social, com o foco cristão posto em nosso cotidiano de país. Agora que o escopo de minha coluna se ampliou, em minha primeira participação tenho de, paradoxalmente, voltar à questão ambiental. Está diante de nós o risco da escassez de energia e um grande sofrimento com a falta d’água, dessa vez agregando à população nordestina os paulistanos, que experimentam pela primeira vez essa dura realidade.
A água não é só recurso hídrico, mas também um elemento central para todas as formas de vida.
A falta de água em São Paulo também significa muito mais do que torneiras secas nas casas dos paulistanos. Foram desmatados irregularmente 32 mil hectares na bacia hidrográfica em que ficam os reservatórios da Cantareira e, segundo Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, a essa causa se somou o bloqueio de uma frente fria do polo sul pelo aquecimento dos oceanos, que faria precipitar sobre o Sudeste do país as toneladas de água retidas na atmosfera. Assim, essa é uma questão de engenharia, mas é também uma questão ambiental, uma resposta da natureza à nossa intervenção descuidada nos seus ciclos de sustentação da vida.
Tal como o caso dos profetas do Antigo Testamento, que avisavam sobre os desígnios de Deus e o povo não lhes dava ouvido, mas continuava “comendo e bebendo, casando e se dando em casamento” (Mt 24.38), até que veio o dilúvio, nós também fomos alertados desde os anos 80 por ambientalistas, cientistas, jornalistas, sobre a presente seca. Desde 2003, quando eu era ministra do Meio Ambiente, as discussões do Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Javari já apontavam a necessidade de revitalização daqueles rios, protegendo suas nascentes e recuperando suas matas ciliares, por meio de seu, à época, atuante Comitê de Bacia. Agora, quando o que era possibilidade torna-se realidade, estamos no tempo de observar o comando de Jesus, sentando em um barco, falando à multidão na praia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4.9). É tempo de não mais apenas ouvir os alertas, mas, sobretudo, é tempo de agir; perdemos o tempo de mudar as circunstâncias e agora seremos mudados por elas. E quando esse difícil tempo chega, o que esperar das autoridades? O que esperar de nós mesmos?
Temos feito escolhas que privilegiam o exagerado bem-estar individual em detrimento do coletivo. A crise ambiental que se expressa de muitas formas ainda não “ouvidas” por todos agora vira metáfora concreta em suas diversas formas de ser sentida.
No dia em que pudermos ver o tamanho do risco contra o jardim do Éden que é nosso modelo de viver; no dia em que compreendermos que uma crise agrava outra num processo de retroalimentação pernicioso -- em que, como diz o texto bíblico, “um abismo chama outro abismo” --, talvez nossos olhos possam “ver e perceber”, nossos ouvidos possam “ouvir e compreender”, para finalmente nos curarmos da cauterização que nos torna insensíveis aos problemas ecológicos. Esse desastroso atentado contra a criação é um desleixo contra nós mesmos, nossos filhos, nossos netos. A Palavra de Deus nos diz que filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele nos dá (Sl 127.3). E, assim, estamos à beira de destruir o presente e destroçar o futuro, pela quebra da aliança intergeracional que sustenta a maravilhosa dádiva dessa nossa herança.
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.
Leia também
O Espírito de Deus pairava sobre as águas
Jesus e a terra
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Como nossos pais?
Fui novamente convidada por esta revista, que está com novo projeto gráfico, a assinar uma coluna. É uma honra fazer parte desse momento de renovação. Os recomeços estão na essência do perdão que resgata, da salvação que redime, são o modelo de ciclo de vida que Deus nos dá para sermos melhores filhos.
A proposta é olhar para o Brasil, para as diferentes tessituras de seu corpo social, com o foco cristão posto em nosso cotidiano de país. Agora que o escopo de minha coluna se ampliou, em minha primeira participação tenho de, paradoxalmente, voltar à questão ambiental. Está diante de nós o risco da escassez de energia e um grande sofrimento com a falta d’água, dessa vez agregando à população nordestina os paulistanos, que experimentam pela primeira vez essa dura realidade.
A água não é só recurso hídrico, mas também um elemento central para todas as formas de vida.
A falta de água em São Paulo também significa muito mais do que torneiras secas nas casas dos paulistanos. Foram desmatados irregularmente 32 mil hectares na bacia hidrográfica em que ficam os reservatórios da Cantareira e, segundo Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa, a essa causa se somou o bloqueio de uma frente fria do polo sul pelo aquecimento dos oceanos, que faria precipitar sobre o Sudeste do país as toneladas de água retidas na atmosfera. Assim, essa é uma questão de engenharia, mas é também uma questão ambiental, uma resposta da natureza à nossa intervenção descuidada nos seus ciclos de sustentação da vida.
Tal como o caso dos profetas do Antigo Testamento, que avisavam sobre os desígnios de Deus e o povo não lhes dava ouvido, mas continuava “comendo e bebendo, casando e se dando em casamento” (Mt 24.38), até que veio o dilúvio, nós também fomos alertados desde os anos 80 por ambientalistas, cientistas, jornalistas, sobre a presente seca. Desde 2003, quando eu era ministra do Meio Ambiente, as discussões do Comitê de Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Javari já apontavam a necessidade de revitalização daqueles rios, protegendo suas nascentes e recuperando suas matas ciliares, por meio de seu, à época, atuante Comitê de Bacia. Agora, quando o que era possibilidade torna-se realidade, estamos no tempo de observar o comando de Jesus, sentando em um barco, falando à multidão na praia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4.9). É tempo de não mais apenas ouvir os alertas, mas, sobretudo, é tempo de agir; perdemos o tempo de mudar as circunstâncias e agora seremos mudados por elas. E quando esse difícil tempo chega, o que esperar das autoridades? O que esperar de nós mesmos?
Temos feito escolhas que privilegiam o exagerado bem-estar individual em detrimento do coletivo. A crise ambiental que se expressa de muitas formas ainda não “ouvidas” por todos agora vira metáfora concreta em suas diversas formas de ser sentida.
No dia em que pudermos ver o tamanho do risco contra o jardim do Éden que é nosso modelo de viver; no dia em que compreendermos que uma crise agrava outra num processo de retroalimentação pernicioso -- em que, como diz o texto bíblico, “um abismo chama outro abismo” --, talvez nossos olhos possam “ver e perceber”, nossos ouvidos possam “ouvir e compreender”, para finalmente nos curarmos da cauterização que nos torna insensíveis aos problemas ecológicos. Esse desastroso atentado contra a criação é um desleixo contra nós mesmos, nossos filhos, nossos netos. A Palavra de Deus nos diz que filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele nos dá (Sl 127.3). E, assim, estamos à beira de destruir o presente e destroçar o futuro, pela quebra da aliança intergeracional que sustenta a maravilhosa dádiva dessa nossa herança.
• Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.
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