Opinião
31 de julho de 2023
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Como as igrejas podem responder efetivamente ao problema da violência sexual contra as crianças e adolescente?
Por Alexandre Gonçalves
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Isso se dá por várias razões. Há a crença de que, por se tratar de um ambiente de convertidos, a igreja estaria “blindada” contra esse tipo de crime. E quando o abuso sexual acontece, muitos líderes, em especial os centralizadores, podem se sentir envergonhados e constrangidos por não terem sido capazes de proteger suas ovelhas, como se a segurança delas fosse de sua exclusiva responsabilidade. A existência ou revelação de uma violência desse tipo na igreja representaria, portanto, o fracasso de seu ministério. O problema é que, não raro, o sentimento de vergonha resulta em silêncio, e os casos de violência não recebem a atenção devida.
Outra razão é que, para além de outras desigualdades presentes nos casos de violência sexual de crianças (idade, gênero, raça, hierarquia, status social, etc), o desequilíbrio de poder que existe entre um pastor (ou alguém com certo nível de influência na igreja) e uma criança é um fator de risco importante. A violência sexual é, antes de qualquer coisa, um abuso das relações de responsabilidade, confiança e poder, incluindo o poder simbólico exercido pela figura pastoral. A violência praticada através do poder simbólico, como observou o sociólogo francês Pierre Bourdieu, não se baseia, necessariamente, em coerção física direta, mas na imposição de sistemas de significado e estruturas de poder que são internalizadas pelos indivíduos. Quando um pastor diz a uma criança que o tipo de contato ou relação (que sabemos abusivas) que ele está propondo a ela é fruto de revelação divina, que é um modo usado por Deus para operar curas e milagres, ou ainda uma forma de discipulado, é comum que a criança obedeça, pois está envolta em um teia sutil e muitas vezes invisível de dominação. Ela até pode desconfiar que há algo de errado, mas porque aprendeu a se submeter ao representante de Deus na terra, geralmente não se opõe. É preciso muita coragem a uma criança para questionar essa relação de dominação de confrontar os adultos, especialmente quando forem seus líderes espirituais.
Uma terceira razão é que, para responsabilizar um líder ou pessoa renomada na comunidade, é preciso reconhecer, a priori, que a violência aconteceu nas dependências da igreja ou foi perpetrada por algum de seus representantes. Entretanto, porque há o receio de que isso passe uma imagem negativa da igreja perante a sociedade, algumas lideranças preferem ocultar o ocorrido, geralmente silenciando as vítimas e suas famílias e transferindo os agressores para outras comunidades ou paróquias – o que, na prática, só contribui para multiplicar o número de vítimas. Assim, preferem zelar pela reputação da denominação em detrimento do apoio às vítimas e demais adultos de seu entorno, da notificação do abuso às autoridades competentes e do esforço conjunto para que a igreja possa ser um espaço seguro para todos.
Aqui cabe muito bem a advertência de Jesus aos escribas e fariseus que questionavam por quê seus discípulos comiam em dia de sábado: “O sábado [instituição] foi feito por causa do homem [pessoa], e não o homem [pessoa], por causa do sábado [instituição]” (Mc 2.27). Assim como Jesus denunciou uma grave inversão de prioridades em seu tempo – a subordinação da dignidade da pessoa humana ao institucionalismo religioso –, a igreja deveria fazer o mesmo hoje em dia.
Contudo, muitos líderes permanecem corporativistas e privilegiam a reputação pública da instituição, tomando providências somente quando pressionados pela opinião pública, especialmente quando as acusações são divulgadas na mídia e há uma demanda por transparência e responsabilização. Mas é justamente essa pressão pública, fruto de um longo processo de conscientização sobre o problema, que tem contribuído para impulsionar mudanças significativas em muitas igrejas ao redor do mundo.
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Há ainda duas outras questões que devem ser consideradas nesta discussão. A primeira delas refere-se à pouca supervisão que pessoas em posição de liderança recebem da igreja. Assim, essas pessoas deixam de prestar contas, em particular no que se refere à sua conduta com os demais membros da igreja. A baixa demanda por transparência e responsabilização é, sem dúvidas, um fator de risco importante. A segunda diz respeito à ausência generalizada de discussão sobre o tema, mesmo que de modo informal e esporádico. Por todos os tabus envolvidos, as igrejas ainda têm muita dificuldade na abordagem de assuntos relacionados à sexualidade, ainda mais quando se trata de violência sexual.
Um caminho possível de mudança passa por tornar a prevenção da violência tema de aprendizado, discussão e aprimoramento permanente. Atualmente, há inúmeras iniciativas e programas que podem ajudar a construir esse caminho, como as metodologias Igreja Segura para Crianças, da Visão Mundial, ou Brincando nos fortalecemos, do Programa Claves, que preparam lideranças para serem agentes de proteção infanto-juvenil, além de mobilizar famílias e comunidades em torno dessa causa.
Dentre as estratégias de prevenção comprovadamente eficazes estão, justamente, o processo intencional e organizado de sensibilização e conscientização e a construção de políticas de proteção infanto-juvenil nas comunidades de fé. Tais iniciativas devem incluir a implementação de diretrizes claras para prevenir, identificar e responder adequadamente a casos de violência sexual, que inclui:
- A elaboração e aplicação de códigos de conduta e treinamentos para líderes e funcionários das igrejas;
- Processos rígidos e imparciais de investigação interna de suspeitos e responsabilização dos agressores por meio de medidas disciplinares;
- Afastamento ou suspensão temporária dos suspeitos de violência sexual contra crianças e adolescentes até o término das investigações;
- Colaboração com as autoridades civis, seja na notificação da violência ou no compartilhamento de informações relevantes ou de evidência sobre os casos.
- Acolhimento e apoio psicossocial e jurídico às vítimas e, quando necessário, aos seus familiares, para que se fortaleçam e que não sejam coagidos ou constrangidos a mudar seus relatos sobre a violência.
- Campanhas de conscientização e educativas para crianças, adolescentes e famílias, para que sejam capazes de identificar situações de violência e saber como denunciá-las;
- Criação de comitês de proteção infanto-juvenil ou órgãos similares na denominação.
É fundamental observar que iniciativas como essas oferecem um ponto de partida para um programa de proteção mais abrangente. Recomenda-se adaptar o conteúdo com base nas necessidades específicas e no contexto de cada comunidade. Além disso, a participação de especialistas no assunto e de profissionais da área pode aprimorar ainda mais esse processo.
Contudo, criar uma cultura de cuidado e proteção requer, necessariamente, combater uma cultura de dominação e sujeição, questionar os abusos de poder e os discursos que naturalizam as desigualdades, defender a inclusão dos mais vulneráveis e se opor a todas as formas de discriminação e violência. Para isso, é preciso que a igreja veja a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e participantes ativos da comunidade de fé, como queria Jesus (Marcos 9:33-37).
- Alexandre Gonçalves, educador social há 20 anos, presidente e instrutor certificado da Associação Claves Brasil, Co-idealizador e mediador do coletivo Eles & Elos – Espaço de Acolhida, Diálogo e Revisão de Paradigmas sobre Masculinidades –, membro da Igreja da Irmandade, Mestre em Divindade pelo Bethany Theological Seminary.
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Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
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