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- 02 de agosto de 2019
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Clemente de Alexandria: Exortação aos Gregos
Por Davi Bastos | Resenha
“São esses os mistérios dos ateus. Eu chamo, com razão, de ateus aqueles que, de fato, ignoram o verdadeiro Deus, que veneram despudoradamente uma criança despedaçada pelos titãs, uma mulher desesperada e as partes verdadeiramente proibidas, pelo pudor, de ser mencionadas; possessos por uma dupla impiedade: a primeira é a que os faz ignorar Deus, não reconhecendo como Deus aquele que verdadeiramente o é; a outra, a segunda, é este erro de atribuir existência àqueles que não a têm, chamando de deuses aqueles que, em realidade, não o são, ou mesmo nunca existiram, pois tão somente obtiveram um nome!” (II §23.1)
“[...] vós credes em vossos ídolos, ciumentos que sois da libertinagem deles, mas não credes em Deus, porque não suportais a temperança; vós odiastes o melhor e venerastes o pior, tornando-vos não espectadores da virtude, mas atores do vício.” (IV §61.4)
A verdade do Evangelho de Jesus deve confrontar a cultura? Cristianismo e cultura secular são compatíveis? Essas perguntas refletem muito das preocupações da igreja evangélica brasileira hoje, mas já estavam presentes nas preocupações de Clemente de Alexandria 1800 anos atrás. Para ele, a sociedade grega precisava ser confrontada com o evangelho e abandonar costumes e práticas culturais vergonhosas. Mas nem todo o pensamento grego deveria ser descartado, pois há elementos de verdade na cultura grega que refletem o Cristo de Deus mesmo de maneira não consciente ou proposital.
Tito Flávio Clemente (nascido em Atenas por volta de 150 d.C., morto em Jerusalém em 215 d.C.) foi um pensador da escola catequética de Alexandria. O maior expoente dessa escola foi Orígenes (184-253), sucessor e possivelmente aluno de Clemente. Clemente cresceu na cultura grega e era certamente de uma família abastada, o que lhe permitiu um alto grau de educação. Em Exortação aos Gregos, ele demonstra um enorme conhecimento da filosofia e poesia gregas, assim como dos ritos religiosos do paganismo greco-romano.
O alvo de Clemente em Exortação aos Gregos (Editora É Realizações) é evidenciar aos helênicos como a religião que seguiam não era verdadeira. Ele aponta, através de inúmeros argumentos, como suas práticas religiosas pagãs eram imorais e como suas crenças religiosas (difundidas por sua literatura poética e filosófica) eram falsas. Mas Clemente também busca nos poetas e filósofos gregos (especialmente em Platão) indícios da verdade cristã, indícios de crenças teístas e afirmações sobre O Logos supremo. Ele então mostra como os profetas hebraicos do Antigo Testamento atestavam tais verdades e como O Logos, A Razão permeada no Universo Criado, é Jesus Cristo.
É importante ressalvar que as estratégias interpretativas de Clemente são não usuais. Como afirma Christopher Hall, “a hermenêutica de Clemente capacita-o a agrupar o ensino da Escritura sobre um dado tema ou conceito. Todavia, ele inclina-se, como Orígenes, a omitir a importância do contexto, torcendo versículos fora de seu ambiente contextual em seu desejo de ler toda a Escritura à luz do evangelho” (Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja, p.173). Clemente pratica esse tipo de abstração do texto de seu contexto não apenas com versículos bíblicos, mas também em suas citações de poetas e filósofos.
Essa bonita e bem acabada edição de Exortação aos Gregos na Coleção Medievalia da editora É Realizações é bilíngue: o texto original em grego à esquerda, e a tradução a partir do grego feita por Rita Codá (do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro) à direita. A obra não é acompanhada de comentários (ou notas) filológicas, teológicas ou filosóficas, consta apenas do texto de Clemente e uma breve Apresentação do editor. O texto traduzido é muito fácil de ler, sendo talvez a obra mais acessível da Coleção Medievalia (os textos patrísticos são mais fluidos do que os escolásticos).
Ler Clemente hoje ajuda-nos a ver como os primeiros pensadores cristãos desenvolveram sua teologia e filosofia, e como eram veementes pregadores do evangelho e da retidão moral mas sensíveis ao pensamento e cultura que os cercava.
• Davi H. C. Bastos é graduado e mestrando em filosofia na Unicamp, casado com Samara e pai do Moisés.
>> Conheça também o livro Simplesmente Cristão, de N. T. Wright.
Leia mais
» Trilogia Cósmica: ficção científica pra ninguém botar defeito
» Paulo: a humanidade, espiritualidade e intelectualidade do apóstolo
“São esses os mistérios dos ateus. Eu chamo, com razão, de ateus aqueles que, de fato, ignoram o verdadeiro Deus, que veneram despudoradamente uma criança despedaçada pelos titãs, uma mulher desesperada e as partes verdadeiramente proibidas, pelo pudor, de ser mencionadas; possessos por uma dupla impiedade: a primeira é a que os faz ignorar Deus, não reconhecendo como Deus aquele que verdadeiramente o é; a outra, a segunda, é este erro de atribuir existência àqueles que não a têm, chamando de deuses aqueles que, em realidade, não o são, ou mesmo nunca existiram, pois tão somente obtiveram um nome!” (II §23.1)
“[...] vós credes em vossos ídolos, ciumentos que sois da libertinagem deles, mas não credes em Deus, porque não suportais a temperança; vós odiastes o melhor e venerastes o pior, tornando-vos não espectadores da virtude, mas atores do vício.” (IV §61.4)
A verdade do Evangelho de Jesus deve confrontar a cultura? Cristianismo e cultura secular são compatíveis? Essas perguntas refletem muito das preocupações da igreja evangélica brasileira hoje, mas já estavam presentes nas preocupações de Clemente de Alexandria 1800 anos atrás. Para ele, a sociedade grega precisava ser confrontada com o evangelho e abandonar costumes e práticas culturais vergonhosas. Mas nem todo o pensamento grego deveria ser descartado, pois há elementos de verdade na cultura grega que refletem o Cristo de Deus mesmo de maneira não consciente ou proposital.
Tito Flávio Clemente (nascido em Atenas por volta de 150 d.C., morto em Jerusalém em 215 d.C.) foi um pensador da escola catequética de Alexandria. O maior expoente dessa escola foi Orígenes (184-253), sucessor e possivelmente aluno de Clemente. Clemente cresceu na cultura grega e era certamente de uma família abastada, o que lhe permitiu um alto grau de educação. Em Exortação aos Gregos, ele demonstra um enorme conhecimento da filosofia e poesia gregas, assim como dos ritos religiosos do paganismo greco-romano.
O alvo de Clemente em Exortação aos Gregos (Editora É Realizações) é evidenciar aos helênicos como a religião que seguiam não era verdadeira. Ele aponta, através de inúmeros argumentos, como suas práticas religiosas pagãs eram imorais e como suas crenças religiosas (difundidas por sua literatura poética e filosófica) eram falsas. Mas Clemente também busca nos poetas e filósofos gregos (especialmente em Platão) indícios da verdade cristã, indícios de crenças teístas e afirmações sobre O Logos supremo. Ele então mostra como os profetas hebraicos do Antigo Testamento atestavam tais verdades e como O Logos, A Razão permeada no Universo Criado, é Jesus Cristo.
É importante ressalvar que as estratégias interpretativas de Clemente são não usuais. Como afirma Christopher Hall, “a hermenêutica de Clemente capacita-o a agrupar o ensino da Escritura sobre um dado tema ou conceito. Todavia, ele inclina-se, como Orígenes, a omitir a importância do contexto, torcendo versículos fora de seu ambiente contextual em seu desejo de ler toda a Escritura à luz do evangelho” (Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja, p.173). Clemente pratica esse tipo de abstração do texto de seu contexto não apenas com versículos bíblicos, mas também em suas citações de poetas e filósofos.
Essa bonita e bem acabada edição de Exortação aos Gregos na Coleção Medievalia da editora É Realizações é bilíngue: o texto original em grego à esquerda, e a tradução a partir do grego feita por Rita Codá (do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro) à direita. A obra não é acompanhada de comentários (ou notas) filológicas, teológicas ou filosóficas, consta apenas do texto de Clemente e uma breve Apresentação do editor. O texto traduzido é muito fácil de ler, sendo talvez a obra mais acessível da Coleção Medievalia (os textos patrísticos são mais fluidos do que os escolásticos).
Ler Clemente hoje ajuda-nos a ver como os primeiros pensadores cristãos desenvolveram sua teologia e filosofia, e como eram veementes pregadores do evangelho e da retidão moral mas sensíveis ao pensamento e cultura que os cercava.
• Davi H. C. Bastos é graduado e mestrando em filosofia na Unicamp, casado com Samara e pai do Moisés.
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